PORTUGUÊS
DE MENAS
Angelo de Souza (*)
Os dicionários são claros: "acontecer",
verbo intransitivo, refere-se a eventos inopinados. No entanto,
diariamente a imprensa nos bombardeia centenas de vezes (às
vezes mais de uma dezena numa só página ou edição
de telejornal) com a acepção equivocada segundo a
qual toda sorte de eventos programados, agendados, previstos e ensaiados
não mais "realizam-se" ou "ocorrem",
mas sim "acontecem".
De sessões legislativas a enterros, passando por espetáculos
artísticos e jogos de futebol de botão, tudo "acontece".
O colunismo social consagrou o brasileirismo registrado no Aurélio:
pessoas importantes são "gente que acontece". Tudo
bem. Mas, entre repórteres e redatores dominados pela preguiça
mental, incapazes de refletir sobre o conteúdo informativo
e a qualidade lógica e estilística do que escrevem,
a regra passa a ser a ordem sintática indireta e o prolixismo.
"O líder apresenta as propostas amanhã"
será tão mais difícil de escrever do que "a
apresentação das propostas acontece amanhã"?
(E o sujeito da ação elidida, para onde vai no "quê-quem-quando"
da matéria?)
O pior é que a solução pobre está sendo
adotada pelas fontes e pelo público ? e custo a crer que
tenha partido dele, da linguagem das ruas, cada vez mais influenciada
pelos usos tortos desta imprensa que desaprendeu a escrever, conforme
o brilhante Deonísio da Silva no OI (18/7/01) [ver
remissão abaixo].
A língua é dinâmica, sem dúvida. Mas
quem teria por obrigação conhecer em profundidade
seu potencial expressivo e as possibilidades (e impossibilidades)
da sintaxe e da semântica oficiais ? nossos colegas jornalistas
? estão com o cérebro lingüístico paralisado.
(*) Jornalista, Belém <angelodesouza@aol.com>