Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Luis Felipe Miguel

INTERESSE P?BLICO

"A Lei de Radiodifusão e a democracia", copyright Folha de S. Paulo, 17/7/01

"Há um mérito inegável, ainda que involuntário, no novo projeto da Lei de Radiodifusão, do Ministério das Comunicações: pelos absurdos que contém, sua divulgação estimulou o debate público sobre o tema. Nada que faça jus à importância do assunto, mas, ao menos, a elite política e a imprensa romperam o silêncio que costumam dedicar ao problema do controle da mídia.

No entanto o debate tem surgido de forma um tanto deslocada. Ao projeto elaborado pela equipe do ministro Pimenta da Veiga, opõe-se aquele esboçado na gestão do falecido Sérgio Motta. Os defeitos de um transformam-se, de maneira automática, nos méritos do outro, como se não existissem outras alternativas imagináveis. O projeto de lei colocado em consulta pública pelo Ministério das Comunicação representa um retrocesso evidente, abrindo as portas para uma oligopolização ainda maior do setor. Mas a proposta de ?Serjão? também não enfrentava os problemas principais que o controle da mídia traz para o ordenamento democrático.

Esse é, aliás, o primeiro ponto a ser enfatizado: o que está em jogo é a qualidade da democracia que o Brasil quer construir. A regulamentação dos meios de comunicação de massa é importante, pois envolve grandes interesses econômicos num mercado com espaço para crescer. Interesses econômicos, aliás, que tendem a ficar ainda maiores, a partir do momento em que, com a possível alteração do artigo 222 da Constituição, seja permitida a participação do capital estrangeiro no setor. Mas essa é uma faceta secundária do problema.
O mais importante é a capacidade de prover informação, cultura e entretenimento para uma população de 160 milhões de pessoas -que muitas vezes tem na radiodifusão a única fonte de tais bens. Uma parcela significativa dos brasileiros não passou pelos bancos escolares, ou então os frequentou de maneira fugaz. A circulação da mídia impressa é relativamente pequena e o acesso às decantadas novas tecnologias, como a internet, ainda está restrito às franjas superiores da pirâmide social.

É cada vez maior a centralidade dos meios eletrônicos na difusão das diferentes representações do mundo.

O crucial é recuperar o papel da mídia de massa na promoção do debate político, tanto ao abastecer os cidadãos com as informações necessárias para que compreendam o mundo que os cerca quanto apresentando com justeza as diferentes perspectivas sobre os vários temas da agenda pública. Isso é a exigência de pluralismo, ou seja, de compromisso com a diversidade dos interesses sociais e das formas de sua expressão.

A experiência mostra que os mecanismos de mercado, por si sós, não suprem essa exigência; pelo contrário, a concorrência pela audiência e pelos anunciantes tem levado à degradação das funções públicas da mídia e à banalização e uniformização de seu conteúdo.
É a história recente do Brasil que revela que todas as grandes redes sempre estiveram do mesmo lado nas ocasiões cruciais, seja no apoio a determinados candidatos à Presidência da República, seja na defesa do processo de privatizações, seja na reforma do Estado etc., silenciando (ou perto disso) as oposições. Por isso o remédio da proposta de Sérgio Motta, a concorrência, pode funcionar do ponto de vista econômico, mas é insuficiente quando o controle da mídia é analisado da perspectiva política.

O primeiro passo é fixar o caráter de serviço público da radiodifusão, o que implica provimento continuado de informações do interesse da cidadania, independente de considerações mercantis. As tentativas de fixação desse tipo de compromisso são apresentadas, por vezes, como atentados à liberdade de expressão, que passa a ser confundida com o arbítrio dos proprietários das empresas. Na verdade trata-se de um medida que visa concretizar tal liberdade. Vale lembrar as palavras do juiz Byron White, da Suprema Corte dos EUA, em 1969, interpretando a Primeira Emenda da Constituição: ?É o direito dos espectadores e ouvintes, não o direito dos controladores da radiodifusão, que é soberano?. A liberdade de expressão se estabelece para beneficiar o público, cidadãos que devem ter acesso à mais ampla gama de informações.

Além de ampliar o número de empresas presentes no setor, é fundamental diversificar as organizações capazes de produzir e de difundir informações. Entre as medidas destinadas a ampliar o pluralismo na mídia está o chamado ?direito de antena?, que permite que entidades da sociedade civil produzam programas a serem veiculados pelas redes. O Estado deve apoiá-las, bem como apoiar a radiodifusão comunitária, garantindo o espaço de transmissão e o acesso aos meios técnicos de produção.

Um setor de radiodifusão pública forte, independente das pressões governamentais e do mercado, também cumpriria um papel importante, mas deve contar com fontes claras e seguras de financiamento.

São necessárias medidas que de fato pulverizem a capacidade de gerar informação entre os diversos grupos sociais, dissociando-a do poder econômico e garantindo que uma diversidade efetiva de conteúdo esteja à disposição dos cidadãos. É possível argumentar que tal proposta, que bate de frente com o arbítrio das empresas de radiodifusão, seja irrealista na atual conjuntura política. De fato. Mas essa é a discussão que deve ser amadurecida por aqueles que desejam aprimorar a democracia no Brasil.

 

"Sócrates e a radiodifusão", copyright Folha de S. Paulo, 19/7/01

"O ministro das Comunicações, João Pimenta da Veiga Filho, resolveu, de um momento para o outro, oferecer à consulta pública um projeto de lei para a radiodifusão. Apenas uma consulta, uma sondagem talvez, nada de definitivo. Até aí tudo bem: consulta pública está na moda, veio dos EUA e é usada pelas ?agencies? americanas para os seus ?rulings?, coisa finíssima.

A Anatel, por exemplo, não compra um picolé sem exibir suas perplexidades em consulta pública.

Agora, entretanto, em vez de respostas e conselhos, a consulta rendeu violentas agressões e impropérios a Sua Excelência, conforme veiculado pela imprensa. Até de mentiroso chamaram o ministro. Até aí tudo bem. Faz parte da profissão de político ser chamado de mentiroso, às vezes até com razão; são ossos do ofício, ossos de fácil digestão quando a Sua Excelência em questão, como no caso, não parece mentir nem tem fama de mentiroso. Pelo contrário, tem fama de sério e veraz -até onde sei, confirmo a fama. E já é muito a ser dito de um político.

Mas foram longe demais, exageraram, disseram que o projeto era apócrifo, que fora redigido pelas emissoras de rádio e TV. Aí eu acordei para o assunto. Redação pelas emissoras de rádio? De TV? É demais. Será que alguém do nosso ?métier?, à socapa, às nossas costas, havia regalado Sua Excelência com um projeto de código? Era revoltante! Parei o que estava fazendo e examinei, agora com atenção, o projeto sobre o qual havia apenas passado os olhos.

Realmente, a redação é de lascar; poderia ter saído de qualquer TV, ou universidade, ou qualquer ministério. A acusação de apócrifo, na verdade, era um afago, um elogio que me passou. Mas quem seria o autor? Volto às folhas e aos impropérios e, surpreso, percebo que a causa da celeuma não é a redação nem são os méritos do projeto: o grande problema é apurar se ele, o projeto, seguiu ou não o pensamento do ministro Sérgio Motta! Isso mesmo. Os pensamentos deixados em testamento cerrado pelo falecido ministro das Comunicações. Até um projeto existiria?

Quem não sabia, entre os quais me incluo humildemente, que fique sabendo que o ministro foi um profundo pensador do rádio e da TV, de suas implicações culturais, de seus efeitos benéficos ou maléficos sobre a educação e a felicidade do povo, de seu papel de informadores, formadores ou deformadores da cidadania, de seu papel como fator e valor cultural, criador e divulgador de cultura brasileira, das razões de sua popularidade nacional e internacional e, enfim, de sua necessidade ou dispensabilidade para a construção de uma sociedade que procura encontrar a democracia.

Justiça seja feita, o falecido ministro nunca disse uma única e escassa palavra, em público, sobre radiodifusão. Nem contra nem a favor. Nem apresentou projetos à consulta ou ao Congresso, que eu saiba. As razões que o levaram a se calar, a sonegar tal projeto ao conhecimento público, creio, jamais serão sabidas. Não obstante gerou um pensamento e um projeto póstumos, cujo teor, subitamente, em coro, veio à tona, trazido por seus colaboradores.

Mas, afinal, o que dizem os seguidores do ministerial pensamento? Que doutrina recolheram e querem ver exposta no projeto? Na verdade os discípulos concluíram que, se vivo fosse, Sua Excelência mandaria às favas a Constituição e realizaria a obra redentora da comunicação social brasileira: outorgaria um ato (institucional?) entregando a radiodifusão à Anatel! Essa é a grande e profunda doutrina! Entregar a radiodifusão à Anatel, de cuja órbita a lei (n? 9.472/ 97) feita em sua gestão e sob sua inspiração exclui expressamente.
Esse é o grande crime do atual ministro: respeitar a lei e a Constituição. Compreendo a decepção dos antigos colaboradores de Motta.

De posse de toda uma sã doutrina, na posse de um código impecável e completo, vêem surgir um texto tão inesperado quanto desconhecido, cujo único mérito aparente é a medíocre virtude de respeitar a lei e a Constituição. Na Anatel a radiodifusão estaria livre, como na ditadura, da sordidez das intrigas políticas e dos interesses mesquinhos dos políticos, que não têm outro mérito senão o de serem eleitos pelo povo.

Não é impossível que a violência da reação pertença a outras perspectivas, tenha frustado outros sonhos, além do sonho de um Brasil melhor e mais justo que todos compartilhamos. Sabe-se lá.

Paro por aqui. Não é o momento nem o lugar para fazer a crítica ao conteúdo do projeto. E crítica haverá; está correndo o prazo oficial para apresentá-la.

O que não resta dúvida, desde já, é que foi imprudência do ministro respeitar as leis. Não era isso o que se esperava do ocupante da pasta que já foi do ministro Sérgio Mota, que, como estamos vendo, pertencia a outro governo, não esse, tinha outras idéias, não as desse. A continuar essa imprudência, corremos o risco de acabar caindo numa democracia."

 

"Nova lei pode aumentar as ?pegadinhas? na TV", copyright Folha de S. Paulo, 19/7/01

"O anteprojeto da nova lei da radiodifusão, que foi colocado em consulta pública pelo Ministério das Comunicações, pode incentivar indiretamente a produção de ?pegadinhas? na televisão.

Além de tratar de outorga e concessão de canais, o texto dita regras para a programação e traz o discurso da valorização do conteúdo nacional. Exige cota mínima de dramaturgia nacional, a ser determinada pelo ministério.

O problema, na opinião de especialistas em radiodifusão e de alguns executivos da TV ouvidos pela Folha, é que o projeto tenta definir dramaturgia, incluindo peças teatrais, filmes, novelas, séries ou esquetes humorísticos.

Isso pode abrir uma brecha para que as emissoras que não têm dinheiro para investir em grandes produções de dramaturgia e/ou tenham um linha mais popular usem as famosas ?pegadinhas? para cumprir a cota.

?A crítica que se faz a cotas obrigatórias é que não são nenhuma garantia de acesso de produtos de boa qualidade?, diz o advogado Marco Antônio Campos, especialista em radiodifusão.

O ministro Pimenta da Veiga (Comunicações) só vai falar sobre o assunto depois do dia 22, quando se encerra a consulta pública."

 

"Governo pode ampliar prazo para consulta", copyright O Estado de S. Paulo, 19/7/01

"O governo federal deve prorrogar o prazo da consulta pública do anteprojeto de Lei de Radiodifusão. Ontem, o presidente do Sindicato dos Radialistas do Rio, Márcio Câmara Leal, encaminhou sugestão ao ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, para que sejam concedidos mais 90 dias para que os sindicatos de empregados do setor possam apresentar sugestões. A consulta pública está prevista para terminar no domingo.

Até a tarde de ontem, o site do ministério (www.mc.gov.br) tinha recebido 150 contribuições ao documento. A assessoria do ministro Pimenta da Veiga explicou que ainda não há uma decisão sobre se a consulta pública será prorrogada ou não. O dirigente da Organização Não-Governamental Tver Laurindo Leal Filho também sugeriu que o prazo fosse prorrogado. A Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) ainda não fez sugestões.

O anteprojeto muda o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), a lei das rádios comunitárias e artigos da Lei Geral de Telecomunicações. O anteprojeto do ministro contrariou os interesses da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A idéia do ex-ministro Sérgio Motta, que propôs as mudanças inicialmente, era ampliar os poderes da agência. A nova proposta concentra as decisões no ministério."

    
    
              

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