Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornal do Sindicato dos Professores de São Paulo

CRISE NO MEC


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Jornal do Sindicato dos Professores de São Paulo, 20/07/01

"Tramitaram no ano passado pela Secretaria de Educação Superior do MEC (SESu) um total de 1.222 pedidos de autorização para a criação de novos cursos, incluídas todas as modalidades permitidas pela legislação que regula o ensino do antigo 3? grau no país. Se todas essas solicitações tivessem sido aceitas, exatas 88.483 vagas teriam sido abertas, 10 vezes mais que em 1997, o primeiro ano de vigência da nova LDB. Esses números, extraídos do próprio relatório anual de atividades do MEC, não deixam margem a qualquer dúvida: a expansão física do ensino universitário no Brasil ganhou uma dimensão gigantesca e passou a envolver interesses financeiros de uma tal magnitude que todos os procedimentos de aferição de qualidade dessa oferta acabaram entrando em colapso. Na verdade, uma vez abertas as comportas para a privatização acelerada do setor ? fórmula encontrada para eliminar o déficit brasileiro de estudantes universitários sistematicamente cobrado de organismos internacionais como o BID e o BIRD -, a racionalidade do sistema passou a obedecer a critérios exclusivamente mercadológicos: onde houvesse um nicho de jovens consumidores de diplomas, ali estaria uma faculdade, um centro universitário ou uma universidade dispostos a atendê-los… em troca de mensalidades abusivas e despoliciadas.

No entanto, ainda que de forma precária, essa explosão foi acompanhada pelo MEC, que buscou estabelecer critérios mínimos para a autorização de novos cursos e para o reconhecimento dos já existentes, embora a palavra final fosse dada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Seja como for, o fato é que as Comissões de Especialistas, com padrões de qualidade criados por elas próprias, acabavam desempenhando o papel de filtros da avalanche de novos pedidos. Para que se tenha uma idéia, de um total de 1.110 processos que envolviam cursos isolados de graduação, 804 foram atendidos, o que representou, em 2000, a concessão de 72% de autorizações. Não é preciso dizer que a maioria dos casos dizia respeito a cursos de baixíssimo investimento em infraestrutura física e laboratorial: apenas os cursos de Administração e Pedagogia ficaram com 53% das vagas autorizadas.

Esses números, ainda que não digam tudo sobre o modelo de expansão do ensino universitário no Brasil nos últimos anos, são suficientes para mostrar que alguma coisa andou errada e que as possibilidades de correção da rumos tornavam-se cada vez mais remotas, principalmente quando cresceram os indícios de que o CNE, a exemplo do que já havia acontecido com o antigo Conselho Federal de Educação, extinto no governo de Itamar Franco, estava se transformando num verdadeiro balcão de despachos, uma espécie de arena de atuação de lobbies onde o jogo de influências e o poder financeiro acabavam falando mais alto do que os critérios dos especialistas. O melhor exemplo dessa tendência foi dado pelo próprio CNE no final de 1999, quando a Câmara de Ensino Superior do Conselho baixou o famigerado Parecer 1070 que, em sua essência, praticamente aboliu quase todas as restrições de qualidade que vinham sendo postas em prática pelas Comissões de Especialistas. Foi o momento em que os empresários da educação viveram a sua primavera e imaginaram que a festa não terminaria nunca. Não é por outro motivo que o ano de 2000, momento em que os resultados do Parecer 1070 começaram a surgir, os números relativos a cursos novos e reconhecidos bateram todas as mais otimistas previsões de crescimento.

A ironia de tudo isso é que foi o próprio MEC que se encarregou de brindar as instituições privadas com a execração pública de suas avaliações. Cada provão, com todas as críticas que possam ser feitas aos seus fundamentos, serviu um pouco para mostrar que o crescimento do ensino superior privado se sustentava num imenso vazio de qualidade, com a maioria dos cursos das faculdades particulares exibindo vergonhosos conceitos D e E. Quando o INEP acrescentou ao Exame Nacional de Cursos a Avaliação das Condições de Oferta (ACO), ficou ainda mais evidente que o país estava ? e ainda está ? sendo vítima de um logro capaz de comprometer até mesmo a qualificação elementar da mão-de-obra universitária jogada todos os anos no mercado de trabalho. Em outras palavras: a bolha do crescimento da educação superior, produzida às custas do ensino e da pesquisa das instituições tradicionais públicas e privadas, acabou revelando que tudo nunca passou de um jogo de grandes interesses, muita suntuosidade, muito marketing e um imensurável vazio intelectual e acadêmico.

Essa contradição, que começa a produzir agora seus primeiros efeitos, inevitavelmente acabou respingando na estrutura do MEC. Ali, no meio dos corredores sombrios e movimentados de uma Brasília sempre permeável a figuras dissimuladas e espertas, tudo começou a ser visto a partir de uma simples dicotomia. De um lado, os burocratas da SESu, apensados ao CNE, impotentes para botar ordem na casa. De outro, os técnicos do INEP, responsáveis pelo provão, munidos de critérios objetivos e cada vez mais públicos de avaliação, a face mais exposta da gestão de Paulo Renato. A gota d?água veio com as denúncias veiculadas pela imprensa segundo as quais parentes de membros do Conselho Nacional de Educação haviam sido premiados com autorizações de cursos. Graças a essas relações espúrias e promíscuas, insinuou a imprensa, a própria mulher do chefe de gabinete do Ministro tinha lá no DF sua instituiçãozinha caça-níquel. O chefe de gabinete pediu demissão, mas a imagem de um MEC até então imune às sucessivas vagas de denúncias de corrupção que se sucedem na seca Brasília ficou arranhada, como poderia ficar também arranhada a imagem do titular da pasta, a essa altura declaradamente candidato a candidato na briga pela sucessão de FHC. Sentindo o chão fugir do seu controle, Paulo Renato foi à luta.

Foi à luta é um exagero. O Ministro levantou do corner e se posicionou, mas até agora muitos dos golpes que tem aplicado ainda ficam no ar, embora não se possa dizer que a simples movimentação, o requebro, o jogo de cintura não acabem produzindo algum efeito para a platéia, que vaia e aplaude de acordo com a percepção que tem dos fatos. A primeira providência de Paulo Renato foi a desativação, na prática, da SESu. Com isso, ficam suspensos todos os trâmites dos processos de autorização e reconhecimento de cursos; ficam também imobilizadas as Comissões de Especialistas; ficam apenas disponíveis no site do MEC os padrões de qualidade que elas produziram e que começavam a apresentar seus primeiros resultados positivos. Dizem os porta-vozes que nada disso está perdido e que à SESu vai caber um papel de instância de "acompanhamento", seja lá o que isso signifique. Uma coisa é certa: os corredores do MEC devem estar mais vazios e os lobbies talvez não disponham agora de tantos guichês onde possam fazer gentilezas e "pedir" informações (leia a seguir resumo do decreto 3860, de 9 de julho de 2001, que alterou os procedimentos de avaliação do ensino superior).

A segunda providência foi o esvaziamento do CNE como espaço de deliberação. O Conselho, nas regras atuais, será apenas ouvido, se o MEC considerar isso necessário; e só vai se manifestar sobre abertura e fechamento de cursos de medicina, odontologia, psicologia e direito. Não há dúvidas de que esse é o golpe mais ousado e de conseqüências ainda imprevisíveis. De imediato, ficam desarmados os esquemas de favorecimento, se é que existiam. Mas os empresários da educação, esses perdem o palco das pressões, já que os cursos que ainda permanecem sob a tutela do CNE são justamente aqueles que têm processos de autoregulamentação mais amadurecidos, o que dificulta a ação da picaretagem. Hoje, depois de todo o barulho que a OAB, por exemplo, vem fazendo em torno dos cursos de direito, fica difícil que um curso sem compromissos com a qualidade do ensino seja aprovado. E não será um membro de um CNE combalido e esvaziado que irá botar a mão nessa cumbuca.

A terceira medida complementa as anteriores: reconhecimento ou recredenciamento passam para a órbita do INEP, o órgão que até agora era o responsável pelo provão. Uma instituição terá seu processo avaliado de acordo com seu desempenho no Exame Nacional de Cursos e na Avaliação das Condições de Oferta e poderá ser fechada, suspensa ou renovada se se sair bem nesses dois sistemas de mensuração de qualidade. Desta última providência decorrem outras, eventualmente mais graves: a própria autonomia de uma Universidade pode ir por água abaixo se o seu desempenho for medíocre, ainda que isso não signifique necessariamente prejuízo para os alunos. O novo papel dado ao INEP no conjunto das iniciativas de Paulo Renato corresponde à ascensão de Maria Helena Guimarães de Castro na estrutura do Ministério, onde já substitui Antonio MacDowell de Figueiredo no cargo de Secretário de Educação Superior. Fiel defensora da atual política educacional, Maria Helena é vista como a sucessora natural de Paulo Renato, na hipótese de que este tenha que se afastar do cargo, ou para disputar uma vaga no Senado, ou para disputar a própria presidência da República.

Esse endurecimento todo não deve ser só jogo de cena de candidatos e burocratas e nem deve estar completo, a julgar pelas perguntas que permanecem sem respostas. Se nem todas as carreiras universitárias são ainda submetidas ao provão (e só as que passam por ele é que têm suas condições de oferta avaliadas), quais os outros critérios para a autorização e o reconhecimento de cursos? As Comissões de Especialistas que assessoravam a SESu emitindo pareceres sobre cursos com base em padrões elaborados pelas próprias comunidades acadêmicas de cada área, deixam de existir? A experiência de avaliação que elas acumularam e os critérios de que se serviram (um verdadeiro sufoco para os empresários mal-intencionados) serão abandonados? O provão tem sido crescentemente questionado por estudantes e professores e em algumas áreas o boicote dos alunos já é responsável por desvios significativos nos padrões de notas. A dúvida: já não está na hora do INEP sentar-se à mesa com os segmentos que põem em xeque esse sistema de avaliação para aperfeiçoá-los?

As dúvidas todas procedem, mas já é possível perceber que o modelo de expansão do educação superior no Brasil, empolgado por uma visão empresarial que aniquila a qualidade do ensino, frustra o estudante e sacrifica o professor, está produzindo uma reversão escandalosa de expectativas e caminha para o esgotamento. O maior sintoma do caráter humilhante que ele adquiriu para toda a sociedade brasileira é a última das exigências do MEC: a instituição, se quiser autorização para funcionar ou se quiser se credenciar, vai ter que assinar um termo de compromisso público através do qual expõe suas promessas e suas expectativas de realização financeira. Se não cumprir, fecha. É quase uma promessa de que ninguém será ludibriado, exigência que inova na tradição do ensino, área de atividade acostumada a lidar com princípios baseados na ética e no caráter desinteressado da transmissão e da produção do conhecimento. Pior que isso, só um atestado de antecedentes criminais. Quem sabe ele seja necessário…"

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"O que diz o
decreto", c
opyright
Jornal do Sindicato dos Professores de São Paulo.
Edição de 20 de julho de 2001.

"O Diário Oficial da União publicou, no dia 10 de julho, o decreto 3860, que dispõe sobre a organização do ensino superior e estabelece as novas normas para a avaliação de cursos de graduação. O documento, gestado com alguma urgência nos gabinetes do MEC para estancar a crise que as instituições privadas acabaram gerando na educação universitária, define com bastante precisão a natureza dos vários tipos de instituições acadêmicas existentes no país, estabelecendo os limites de sua responsabilidade e o de suas mantenedoras. A parte mais importante do decreto, no entanto, é aquela que diz respeito ao acompanhamento que o MEC fará do desempenho das escolas, qualquer que seja a sua dimensão: se isolada, se Centro Universitário, se Universidade. A partir de agora, a avaliação será "organizada e executada pelo INEP", com base num conjunto de 17 itens, que incluem desde os indicadores de desempenho global até as condições de trabalho e de qualificação do corpo docente, passando pela análise da oferta laboratorial, de biblioteca, projeto didático-pedagógico e todos os quesitos levados em conta nos processos de avaliação existentes, como é o caso do provão e da ACO. Para que um curso seja autorizado a funcionar ou para que obtenha seu reconhecimento, será preciso um interminável elenco de certidões, com destaque ? no caso da sistemática burla que muitas escolas particulares promovem contra os professores – para a prova de regularidade junto ao INSS e ao FGTS; e com destaque também para a "minuta de contrato de prestação de serviços educacionais a ser firmado entre a instituição e seus alunos, visando garantir o atendimento dos padrões de qualidade definidos pelo Ministério da Educação e a regularidade da oferta de ensino superior de qualidade". É com base nessa documentação que o Poder Executivo dará autorização prévia para que o curso possa funcionar, ou o reconhecerá, mas usando critérios de averiguação que ainda serão fixados pela Câmara de Educação Superior do CNE.

O decreto é uma verdadeira teia de obrigações. Se for efetivamente implementado a partir da ação transparente das Comissões de Especialistas ? que, ao que tudo indica, continuarão existindo ? pode representar o estancamento da desmoralização que os projetos do MEC vinham sofrendo nas mãos dos empresários."

    
    
                     

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