Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ivan Angelo

QUEDA DE ANUNCIANTES

"Você é daqueles telespectadores que aproveitam o intervalo comercial para dar uma escapada até a geladeira, a despensa, o microondas ou o banheiro?

Com certeza, 99,99%, por baixo, responderam sim. O 0,01% são os próprios anunciantes, os publicitários que fizeram as campanhas e as suas novas namoradas, novas esposas ou novas eventuais – porque as antigas já não ligam tanto para a criatividade do gênio que lhes coube.

Calculando que você se ausente de dois dos quatro intervalos comerciais de uma novela, ou de três dos seis intervalos de um filme, temos que a audiência real média dos anúncios que patrocinam uma telenovela ou um filme de sucesso não é a mesma dos 40 pontos do ibope do programa, mas a metade.

Um bom jogo de futebol no horário nobre dá 45 pontos de audiência. O intervalo é único. O primeiro tempo foi longo. É fatal a fuga. Pelo menos a metade do tempo do intervalo é gasta em atividades diversas.

A evasão de audiência no intervalo de um jogo de futebol é calculada em 10 pontos, queda de 45 para 35 pontos, ou seja, 22%. Pode ser até mais. Não há como medir porque a tevê continua ligada. Mas o anunciante paga como se sua mensagem chegasse à audiência cheia. Coisa parecida acontece com novelas ou shows.

É um espaço caríssimo o da tevê. Não dá para todo mundo pagar mais por menos. Por isso, os anunciantes estão puxando a mão para trás. Veja um exemplo. Aqueles produtos à base de tomate (massas, purês, molhos prontos para macarrão, catchup, polpas etc) anunciavam US$ 17,8 milhões há seis anos, no total de veículos, mas no ano passado anunciaram apenas a fração dessa cifra, ou seja, US$ 0,8 milhão, mais exatamente US$ 791 mil. Os iogurtes e derivados de leite estão investindo cinco vezes menos na mídia do que investiam em 96. Os produtos para limpeza de louças anunciam cinco vezes menos do que em 98.

Mas quem produz tem de vender. O dinheiro de uma inserção de comercial em tevê dá para fazer uma promoção de venda com degustação ou demonstração em uma rede de supermercados. É isso que o pessoal do varejo de alimentos está fazendo. Há agências de propaganda que estão até criando um setor de marketing de promoções para compensar a perda de inserções sem perder o cliente. Enquanto isso, esperam uma melhorada dos negócios no País para, então, convencer os clientes a anunciar de novo.

O aumento de vendas com promoções tem fôlego curto. As agências procuram convencer o anunciante de que tevês, jornais, revistas e rádios é que fixam a marca na memória do consumidor.

O anunciante sabe disso, mas o custo infinitamente mais baixo da promoção e os resultados imediatos na venda vão estimulando-os. Eles agora fazem dobradinha com as grandes redes de supermercados. Por meio daquele cartão de freguês, que os supermercados chamam de ?cartão de relacionamento?, os anunciantes podem saber até quem compra o quê nas lojas, pois as compras ficam registradas pelo número do cartão na memória do computador. Sabem, por exemplo, se nos dias de presença da promotora numa loja, as vendas subiram, e quanto.

A promoção vem junto com ofertas: ou preço menor ou tipo ?leve três, pague dois?. A maior parte dos consumidores está de olho no preço, mais do que nas marcas. Com a concorrência, a tecnologia e a multiplicação de marcas do mesmo produto, as diferenças de qualidade tendem a desaparecer. Por exemplo, as cervejas, que estão entre os maiores anunciantes da televisão. Provadores especializados estrangeiros já opinaram que não há diferenças de qualidade e sabor entre as cervejas brasileiras do tipo pilsen. Bebedores de cerveja sempre se fixaram em marcas. Hoje, a mobilidade é muito maior do que há dez anos. O consumidor jovem faz a diferença. Menos ligado à tradição, pode ser mais convencido pela propaganda. Por isso, a cerveja está sempre na telinha.

Em época de dinheiro mais solto e de crescimento da economia, tudo melhora.

É com isso que as tevês contam, para os anunciantes voltarem com a força de cinco anos atrás."

DITADURA DO IBOPE


"Na entrevista do diretor artístico da Globo Filmes, Daniel Filho, ao JT, que começamos a comentar na última coluna, conta ele que mandou tirar da sua sala ?aquela maquininha de fazer doidos? quando era diretor da Central Globo de Produções. Referia-se ao medidor de audiência em tempo real, minuto a minuto, que o Ibope fornece às emissoras. É uma fonte constante de estresse.

Imagine-se, leitor, numa corrida de cavalos em que você é jóquei e acompanha pelo rabo do olho, a todo instante, o empenho e a ameaça de seus concorrentes. Uma corrida dura um minuto, dois, três. Programas de auditório ao vivo duram uma hora, duas, três, e as equipes ficam de olho no tal aparelhinho. É tempo demais sob estresse.

Realmente, o recurso interfere no trabalho dos inseguros e dos mais dispostos a se nivelar por baixo no afã de ganhar audiência. Guiando-se por ele, os apresentadores colocam-se sob o comando do populacho, mais ou menos como o gladiador romano que matava obedecendo ao desejo da turba, ou como a striper que se desnuda cada vez mais aos gritos de ?Tira! Tira!?, ou o boxer que massacra o adversário estimulado pela multidão aos gritos de ?Mata!

Mata!? O apresentador de tevê deveria ser um entertainer e não um instrumento dos instintos da platéia.

Instintos e não a razão estão na base desses impulsos tanto da platéia de espetáculos cruéis quanto do imenso público telespectador. A capacidade individual de escolher entre instinto e razão surge com educação e civilização. Enquanto a televisão não privilegiar estas últimas, ficará à mercê dos instintos.

Daniel Filho responde a esperta pergunta da entrevistadora Sandra Soares (se a tevê estaria tornando-se refém da audiência) com um jogo de palavras: ?O Ibope é muito mais discutido nos jornais do que dentro da Globo.?

Não é o que a emissora passou quando tirou abruptamente do ar o interessante programa Sociedade Anônima, de Cazé Peçanha, no mês passado, ou quando manteve há dois anos o combatido Linha Direta, de Marcelo Resende. Um por ter baixa audiência, outro por tê-la alta. O estresse de Regina Casé na época de Muvuca, ou da equipe do Domingão do Faustão há mais de um ano também contradizem Daniel Filho. O desprestígio de Angélica na emissora, atualmente, é outro sinal. Reféns da audiência são todos os canais, e a Globo não está fora do esquema, porque os patrocinadores orientam-se pelos índices do Ibope.

Muito mais sincero foi Silvio Santos ao admitir numa entrevista à revista Veja (17/5/2000) que o SBT se submete aos desejos (neste sentido corresponde a instintos) do público: ?Temos de dar ao povo o que o povo quer. (…) Se for mulher com pouca roupa, terá mulher com pouca roupa.?

É difícil imaginar, num cenário amplo de telespectadores, no qual estariam incluídos todos os indivíduos de uma residência, que as mulheres e as crianças que assistem à televisão no domingo façam questão de ver mulher com pouca roupa na tela. Por outro lado, é fácil imaginar que domingo é dia de homem em casa e aí quem manda é ele, o galo. Ao submeter-se ao gosto desse arrogante, o Gugu da banheira não estaria satisfazendo a outra parte da família. Ora, dane-se a outra parte, o que interessa é o que diz a maquininha da audiência minuto a minuto.

Programas de auditório e novelas são os produtos mais típicos da televisão brasileira. Grande parte da apelação nos auditórios deve-se à submissão aos instintos do público de casa, transmitidos via medidor de audiência minuto a minuto do Ibope e também via medição diária e semanal.

Seria interessantíssimo se, por um determinado tempo, apenas para efeito de pesquisa, o Ibope instalasse o tal aparelhinho exclusivamente em residências onde só houvesse mulheres de todas as idades e crianças de até oito anos, sem homens. Dá para apostar que seriam menores a baixaria e a violência."

    
    
                     

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