Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Luiz Paulo Conde

MÍDIA E URBANISMO

"Amadores e profissionais", copyright Jornal do Brasil, 29/7/01

"Amadores do urbanismo, sim, reitero; mas, sobretudo, profissionais da política midiática. Os cariocas estão vendo na imprensa um conjunto de matérias sobre o tombamento de 218 edificações do Leblon, anunciado pela prefeitura. O assunto é apresentado como uma vitória do espírito preservacionista contra as investidas descaracterizadoras do bairro promovidas pela especulação imobiliária. Trata-se, de fato, do velho factóide, dos mais medíocres desde que esse gênero de política se estabeleceu entre nós, e que não pode enganar a população.

Trata-se, também, de um jogo ?matemágico? que, se aproveitado em outras esferas das deficiências brasileiras, poderia resolver nossas principais carências.

Vejamos, sucintamente: até 11/junho/2001 estava em vigência decreto municipal editado por mim, quando prefeito, que determinava a preservação de todos os edifícios construídos na cidade anteriores a 1960, ano da transferência da capital para Brasília. Isto é, para ser concedida a licença para demolir um desses prédios, seria necessário ouvir-se e receber a autorização do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro. Não apenas 218, mas todos os edifícios do Leblon, e também de Ipanema, da Tijuca, do Grajaú, do Jardim Botânico, de Botafogo, da Ilha do Governador, de Irajá, enfim, de todos os bairros da cidade.

Em que esse instrumento é da boa teoria urbanística?

Primeiro, reconhecendo que a cidade é um produto da cultura e que a identidade entre o cidadão e o lugar é a condição essencial para a vida urbana de qualidade. A ambiência urbana é fortemente definida pelas edificações, as quais participam fundamentalmente da construção da memória coletiva. A cidade é de todos, não é apenas dos proprietários dos imóveis. A cidade é também dos inquilinos, dos comerciantes, dos operários, dos empreendedores imobiliários, a cidade é justamente rica quando é o palco da interação e da disputa. Esse é o jogo democrático.

As leis urbanísticas não podem ser generalistas; elas precisam estar entranhadas no lugar, no respeito a cada caso, no controle cidadão. Por isso tenho defendido uma legislação menos impositiva e mais participativa, onde os diversos agentes sociais possam interagir. Defendo a ambiência do Leblon, mas também defendo a ambiência de Copacabana, bairro que passou a ser sinônimo de descalabro urbano, com o que não é possível concordar.

Copacabana é expressão importante do Rio de Janeiro, tem história e tem caráter, tem ambientes da mais alta qualidade. É diferente do Grajaú; e é justo que não se queira transformar esse bairro em outra Copacabana, desejo absolutamente impossível, de resto, não porque Copacabana seja o inferno, mas porque é única, assim como o Grajaú também o é, com seu urbanismo bem traçado, bem arborizado, do variado casario que é a expressão da primeira metade do século XX. A grande diversidade urbanística do Rio é uma de suas maiores riquezas. É só comparar com as outras grandes cidades brasileiras, em geral seguidoras de um só modelo, que não é o caso do Rio, com essa multiplicidade ambiental construída pela simbiose da natureza e da cultura.

É essa diversidade e é essa qualidade o que se impõe preservar. Assim foi estabelecido no decreto por mim editado e revogado recentemente pelo atual prefeito.

Agora, algumas semanas depois, a imprensa noticia que a prefeitura tombará 218 edifícios do Leblon, segundo estudos elaborados pelo Conselho do Patrimônio.

Por que essa medida não é da boa teoria urbanística? O instituto do tombamento é importantíssima conquista cidadã, destinada à proteção absoluta de imóvel de interesse histórico ou artístico. O tombamento não pode ser instrumento de legislação urbanística ou edilícia, justamente pelo seu caráter excepcional. Agora mesmo, os jornais noticiam que o proprietário do Cinema Leblon programava transformá-lo em uma multissala, com seis pequenos cinemas, mas que o anunciado tombamento impedirá. Que vantagem há nesse engessamento? Só vejo a desvantagem de isolar o Cinema Leblon na tecnologia de hoje, sem permitir que se prepare para novos tempos, melhorando seu desempenho, melhorando seus serviços; no limite, levará ao seu fechamento e os moradores do bairro terão de ir à Barra para desfrutarem das salas mais confortáveis que o futuro construirá.

Mas, de fato, essas medidas anunciadas estão apenas anunciadas; não são medidas vigentes. A prefeitura diz que fará, ainda não fez. Por enquanto, foi revogada a proteção anterior e não foi editada nenhuma outra, mais ou menos restritiva. Hoje, os 218 prédios do Leblon, bem como aqueles outros milhares da cidade toda, que estavam protegidos pelo decreto de preservação revogado pelo atual prefeito, todos eles estão passíveis de serem demolidos, porque nenhuma medida concreta foi tomada até o presente momento.

A ironia administrativa ainda é mais aguda ao verificarmos que o mesmo Conselho do Patrimônio que foi destituído de suas responsabilidades em face da revogação daquele decreto é o mesmo Conselho que foi considerado capaz de definir os 218 imóveis a tombar. Ao invés de instrumentar tecnicamente o Departamento Geral do Patrimônio Cultural (DGPC) para que possa bem assessorar o Conselho, a prefeitura simplesmente retira competência do órgão. É claro que é muito mais trabalhoso estudar lugar por lugar, em toda a cidade, do que tombar manchas urbanas. É mais trabalhoso, mas há competência técnica dos profissionais funcionários públicos do setor.

Não acredito em má-fé. Digo que é urbanismo de amadores, sim, porque é o que se depreende das ações. Digo que é profissionalismo político midiático, sim, porque se faz na imprensa a mágica de transformar milhares de bens preservados em apenas 218 no Leblon e ainda se apresenta isto ao público como um avanço preservacionista. É uma matemática-mágica que poderia ser útil em outros setores, nestes tempos de apagão.

Fazem muito bem as associações de moradores que se mobilizam para exigir a preservação da ambiência de seus bairros. A situação atual, de ?limbo? legislativo, é que não convém à cultura e ao urbanismo cariocas."

    
    
                     

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