ANA MARIA BRAGA
"Missão possível", editorial, copyright Jornal do Brasil, 27/7/01
"A revelação da apresentadora de televisão Ana Maria Braga de que está sofrendo de raro tipo câncer no intestino é um caso interessante de avaliação de comportamento nas relações entre figuras públicas e população em geral. Até há poucos anos se dizia que havia uma fronteira intransponível entre a vida pessoal e a vida pública e tudo se fazia para impedir que uma das facetas se misturasse à outra, sempre com a idéia de proteger a imagem de artistas, políticos e do mundo de espetáculos em geral.
Hoje se pensa de outra maneira e até se admite que a divulgação de certos aspectos da vida pessoal serve para iluminar positivamente a vida pública ou então chamar a atenção da opinião pública para certos problemas ou doenças, no sentido de mobilizar esforços para combatê-los.
Não se tem notícia de casos em contrário, isto é, de segredos que teriam contribuído para solução de problemas. A população não é tão ingênua quanto se pensa. Na política em especial o Brasil passou por dois momentos dolorosos que deixaram marcas: os casos do senador Petrônio Portela e do presidente eleito Tancredo Neves, dois políticos que se sentiram imbuídos de missão importante e acharam melhor esconder suas doenças até um desfecho que no caso deles era previsível. Já um outro político, o governador Mário Covas, da geração seguinte, abriu para seus eleitores paulistas e para o país os detalhes de sua doença e viveu até o último instante lutando contra ela corajosamente e sobretudo trabalhando com todo o afinco possível naquelas circunstâncias.
Sem termo de comparação, cabe lembrar no entanto o que foi a batalha científica mundial contra a Aids, considerada até certo momento doença maldita, restrita apenas (é o que se pensava) a um único grupo de risco. O encobrimento dos casos produziu efeitos tão negativos quanto a própria doença, que se alastrava por baixo do pano e acabou por extravasar a fronteira do grupo de risco, ameaçando a humanidade inteira. A divulgação dos casos do ator Rock Hudson no EUA e do irmão do filósofo Raymond Aron, Jean-Paul, na França serviu para alertar opinião pública e governos, trazendo para a superfície aquilo que só circulava no subsolo.
Removeu-se com vantagem a camada de vergonha que pairava sobre a Aids e entregou-se aos laboratórios de pesquisas – se possível com subsídios governamentais – a tarefa de enfrentar a doença em escala planetária, amenizando-a em seus efeitos e buscando com afinco a cura que seguramente virá algum dia.
Neste sentido, o papel das figuras públicas nas diversas atividades
modernas é fundamental para a tomada de consciência em relação
sobretudo a certas doenças ainda não de todo explicáveis.
É por intermédio delas que a sociedade se conscientiza de suas
necessidades, científicas ou políticas. Alguns personagens do
drama social são mais corajosos do que os outros e cabe a eles permanecer
na linha de frente de um combate sempre sem descanso contra as adversidades
do mundo moderno. A expectativa é de que os males de hoje encontrarão
remédio adiante."