A religião, ao meu modo de ver, é uma espécie de ‘doença mental de grupo’. De uma certa maneira, ainda que me falte um fundamento científico para embasar isso, tenho a compreensão de que, do mesmo modo que os indivíduos podem ficar mentalmente doentes, os grupos também o podem. Em ‘O futuro de uma ilusão’, Freud preconiza que o fundamentalismo religioso pode ser encarado como um substituto para outras formas de doença mental. Alie-se a isso uma lógica de poder por trás dos discursos religiosos, de acordo com Foucault, e teremos uma religião a dominar o pensamento da sociedade e de seus cidadãos. Aliás, a construção de sujeitos sociais passa, segundo a moral vigente, pela formação religiosa em educandários.
Não sou psiquiatra, mas sei que um dos aspectos da esquizofrenia é o de pessoas que elaboram um ‘mundo’ paralelo, em função de seus distúrbios neuronais. Por isso, alguns portadores dizem ouvir e sentir coisas que nos escapam do domínio real. Recentemente, num programa do Fantástico, foi apresentada uma matéria de caráter científico encabeçada pelo Dr. Drauzio Varella sobre o cérebro, onde se tentou explicar o que ocorria em nossa mente com respeito à fé. Ora, quando pessoas dizem ouvir vozes de santos, de um deus ou de um espírito santo dando-lhe ordens, e isso escapa-nos do domínio real, não há por que não visualizar nisso uma atitude esquizofrênica. Hoje em dia essas manifestações são mais raras, e o que se registra na imprensa é matéria de revistas do gênero. Ou de casos tendenciosos, como o da revista IstoÉ da semana passada.
Se os pretensos profetas aparecessem dizendo ter falado com um deus, ou sido iluminados por um anjo, ou ainda presenciado um milagre seriam encarados por pessoas razoáveis como o que provavelmente são: doentes mentais. E admito ainda, embora essa constatação me pareça temerária, dizer que muitos dos sentimentos envolvidos com a religião têm algo de esquizofrênico: a crença de que existe algo que você nunca vê, ou de que esse algo se importa com o que você faça ou deixe de fazer etc.
Uma ponta de dúvida
Então, por que esse assunto vende jornais e tem na imprensa ‘comum’ um espaço que não é o mesmo destinado às causas ditas racionais? É praxe, por exemplo, em datas especiais, como próximas às grandes competições que envolvam o Brasil (Olimpíadas ou Copa do Mundo de futebol), em eleições de políticos, ou nas festas de fim de ano, a profusão de magos, curandeiros, pais-de-santo e adivinhos de toda natureza a proferirem asneiras e bobagens em rádios, jornais, revistas e TV em nossa sociedade. Se o assunto chega às raias do ridículo, por que lhe é dado espaço? E o pior, sem uma interpretação consistente?
Como educador, constrange-se o fato de ainda se discutir que a educação religiosa das crianças deva ser estimulada. Há quem titubeie ao falar sobre isso. Acho que deveriam ser estudadas, antes de tudo, as conseqüências do ensino religioso precoce. Pois tudo que é ensinado a uma criança produz alicerces profundos, e o ensino religioso, por sua natureza, não permite contestações ou análises críticas. Forma-se, então, um ser humano domado e dominado. Desse modo, pela minha avaliação, o ensino religioso deveria ser dado a quem assim o deseje. E grande parte da imprensa alardeia que a educação religiosa poderia servir, por exemplo, para diminuir os índices de violência e criminalidade na sociedade moderna, como se o ateu fosse um criminoso em potencial. Aliás, confundem o ensino da ética e da moral com o ensino religioso, estabelecendo, por sua conta, um vínculo que em tese não existe.
A discussão da moda agora é o filme de Mel Gibson, sobre a Paixão de Cristo, onde se pretende, por jogada de marketing, fazer revisões dos evangelhos admitidos como relatos de passagens reais de vida desse mito. Uma das discussões que se pode fazer em cima da frenética tentativa de querer provar a existência histórica de Jesus é que cabe somente à ciência levantar as hipóteses do referido fenômeno, experimentá-las e concluir se a hipótese de sua existência é válida ou não. À religião, embasada em sua fé, cabe acreditar, pois os argumentos estão em seu emocional e não na razão.
Os jornalistas, que têm o papel de divulgar as informações que pipocam em nosso cotidiano, fazem-se porta-vozes do pensamento de religiosos e esquecem de contra-argumentar e apresentar uma informação alternativa ao paradigma vigente, preferindo não contestar a existência dessa ou daquela entidade, deixando de lado um dos fundamentos do bom jornalismo que é o ceticismo. Não estou propondo uma imprensa laica, tampouco cientificista, mas que pelo menos deixe uma ponta de dúvida em suas manifestações da ‘realidade’.
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Biólogo, Florianópolis