Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Cristovam Buarque

CORRUPÇÃO

"Corrupção legal", copyright O Globo, 30/7/01

"Independentemente do que vier a ocorrer nos próximos meses, daqui para frente a política brasileira será diferente. Graças à competência, à obstinação e à idoneidade da imprensa brasileira, os corruptos duvidarão em candidatar-se e os políticos honestos resistirão às tentações, assustados com o risco de serem descobertos e denunciados. A sociedade civil e os políticos honestos tiveram um papel nesse processo de depuração da política, mas a história brasileira dos últimos dez anos foi feita, sobretudo, pela imprensa, muito mais do que pelos políticos.

Mas esta mesma imprensa, tão dedicada e competente para desvendar o desvio de recursos públicos para bolsos privados, não tem dado atenção ao desvio de recursos públicos de projetos essenciais para projetos supérfluos; a imprensa que denuncia os roubos ilegais não usa o mesmo rigor para denunciar os roubos legais perpetrados dentro do Congresso, durante a definição dos orçamentos públicos.

Fica a imagem de que a imprensa vê e denuncia quando o roubo ocorre dentro da elite, de um senador roubando de um prédio de luxo que deveria servir aos membros da elite; mas não vê quando dinheiro de escolas vai para viadutos e de hospitais vai para subsídios a empresários.

Nos próximos meses, o Congresso estará elaborando o Orçamento para 2002, diante da indiferença da população, da sociedade civil e da imprensa. Novos ?TRTs? e outras obras suntuosas aparecerão, novos desperdícios serão definidos e o povo continuará excluído dos serviços essenciais a que tem direito. O Orçamento será elaborado para atender à demanda e aos privilégios dos ricos e não às necessidades e aos direitos dos pobres. Até que, anos depois, se um parlamentar se apropriar de parte dos recursos destinados a obras supérfluas, a imprensa despertará, a sociedade civil e as entidades sociais se mobilizarão para cassar e até prender o privilegiado que roubou de privilegiados.

Isso poderá mudar se a imprensa escrutinar os gastos propostos para o Orçamento de 2002 com a mesma competência e dedicação demonstradas para desmascarar os roubos de recursos públicos, identificando desperdícios, injustiças com os esquecidos, privilégios assegurados por lei. Se isso for feito, será possível elaborar-se um orçamento ético.

Ético não apenas no comportamento futuro de políticos impedidos de roubar, mas ético nas prioridades de atender aos interesses populares. Um orçamento que ponha a abolição da pobreza em primeiro lugar.

O Orçamento para 2001 prevê R$ 3,7 bilhões para o Fundo de Erradicação da Pobreza, pouco mais de 1% do total da receita do setor público brasileiro. São esses recursos que vão garantir o Programa Bolsa-Escola e a construção de redes de água e esgoto no Brasil. Não fosse uma comissão do Congresso, esses recursos não existiriam e esses programas não seriam implantados. Mesmo assim, são recursos insuficientes para uma estratégia de abolição da pobreza.

Seriam necessários R$ 40 bilhões por ano, de dez a 15 anos, para que o Brasil abolisse o quadro de miséria que nos envergonha hoje, tanto quanto a escravidão nos envergonhava cem anos atrás. Para o próximo ano, bastaria que o Fundo de Erradicação da Pobreza fosse ampliado para R$ 15 bilhões ou R$ 20 bilhões. Com esse valor o Brasil já daria um enorme passo na garantia de água e esgoto, reformulação de sua rede de saúde pública, universalização e melhoria na qualidade da educação.

Esse valor não será maior do que 5% do total previsto das receitas do setor público brasileiro, 1,5% da renda nacional. Valor perfeitamente dentro das possibilidades dos recursos nacionais.

Não é papel da imprensa mostrar de onde os recursos deverão sair, mas é seu papel mostrar os roubos legais dos desperdícios e das injustiças que estão sendo programados, denunciar os benefícios a corporações, a preferência pelos gastos que nada têm que ver com os interesses populares.

Se uma parte da imprensa usar na cobertura do trabalho de elaboração do Orçamento o mesmo esforço e competência usados na cobertura dos escândalos do presidente Collor, do senador Luiz Estevão e do senador Jader Barbalho, o Brasil terá toda a chance de ter um orçamento ético: comprometido primeiro com as necessidades sociais.

Para isso, basta um mínimo de dedicação na análise do que está na Lei de Diretrizes Orçamentárias e nas emendas que serão votadas ao longo dos próximos meses. A primeira tentativa para conseguir um orçamento ético já foi derrotada, quando a deputada relatora negou-se a acatar proposta da senadora Marina Silva para criar-se uma rubrica que definisse os recursos destinados ao orçamento social. Isso ocorreu sem que a imprensa desse atenção, ainda menos denunciasse. Outros fatos vão ocorrer discretamente dentro do Congresso, em cada Assembléia Legislativa, Câmara de Vereadores ou Distrital. Até que a imprensa descubra que precisa cuidar da ética nas prioridades da política e não apenas da ética no comportamento dos políticos.

A ética no comportamento serve para evitar a corrupção de políticos que se apropriam privadamente de dinheiro público, mas só uma ética nas prioridades vai evitar que o setor público aproprie para os ricos os recursos que deveriam ir para a abolição da pobreza no Brasil.

Há um século, a incipiente imprensa brasileira teve papel de destaque na luta pela abolição da escravidão; em pleno século XXI, a moderna, eficiente e decente imprensa brasileira precisa ter seu papel na luta pela abolição da pobreza, ajudando o Brasil a ter um orçamento ético em 2002. Para isso, basta ficar atenta ao trabalho dos parlamentares na elaboração do Orçamento, com a mesma dedicação e competência com que ficou atenta ao comportamento dos políticos nos últimos anos."

LIXO

"?Diário Oficial? do Município cria CPI do Lixo. Antes do plenário", copyright O Estado de S. Paulo, 3/8/01

"O Diário Oficial do Município antecipou-se aos vereadores e ?criou? sua Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os contratos de coleta de lixo. Na edição de ontem, foi publicada a composição da virtual CPI do Lixo, com a presidência ocupada pelo PT. Isso só ocorreria se o requerimento apresentado pela vereadora Aldaíza Sposati (PT) tivesse sido aprovado em plenário.

Na sessão de ontem, vereadores da oposição apontaram o erro do Diário Oficial e levantaram a hipótese de manobra da bancada governista. Para eles, o PT teria imaginado que a CPI do Tribunal de Contas do Município (TCM) seria encerrada na quarta-feira ? supondo que o relatório seria votado e apresentado ao plenário no mesmo dia.

Em seguida, na sessão ordinária, o partido poria em votação o pedido de preferência do requerimento de Aldaíza, garantindo a presidência da comissão antes que outros pedidos de CPI fossem encaminhados. Os vereadores Dalton Silvano (PSDB) e Salim Curiati (PPB) apresentaram ontem requerimentos para investigações diferentes: Silvano, contratos desde a gestão Maluf e Curiati, apenas os da atual administração.

Para os petistas, o incidente não passou de um ?engano?. Segundo o presidente da Câmara, José Eduardo Martins Cardozo (PT), a responsabilidade pelo erro será apurada pela Casa. Na terça-feira, os vereadores devem votar os pedidos de preferência para a criação de uma das três propostas de CPI do Lixo. Basta maioria simples para aprovar a medida."

 

    
    
                     

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