Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Elvira Lobato

TV & POLÍTICA

"Políticos controlam 24% das TVs do país", copyright Folha de S.Paulo, 6/8/01

"Levantamento exclusivo feito pela Folha mostra que pelo menos 59 emissoras de televisão -24% das 250 concessões de TV comercial existentes- pertencem a políticos. Dentro de dois meses, o número subirá para 60, com a inauguração da TV do senador Gilvam Borges (PMDB-AP), em Macapá.

Esses números referem-se a empresas que têm concessão do governo para gerar programação e não incluem as milhares de retransmissoras que funcionam com licenças precárias e apenas repetem o sinal das geradoras nem as TVs educativas.

A Rede Globo tem 21 afiliadas ligadas a políticos, contra 17 do SBT e 9 da Bandeirantes. Entre os políticos ligados comercialmente à Globo, estão os ex-presidentes da República José Sarney e Fernando Collor de Mello e três governadores: Roseana Sarney (PFL-MA), Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) e o tucano Albano Franco, de Sergipe.

Entre os afiliados da Rede Globo encontram-se ainda o senador Antônio Carlos Magalhães Júnior (PFL-BA), o ex-senador João Calisto Lobo (PMDB-PI), oito deputados federais e um estadual.

No SBT, estão o governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB), e o presidente interino do Senado, Edison Lobão (PFL-MA). Na lista da Bandeirantes figuram três senadores -entre eles, o presidente licenciado do Senado, Jader Barbalho (PMDB-PA), e o vice-governador de Alagoas, Geraldo Sampaio, do PDT.


Crise em Alagoas

Uma emissora de televisão na mão de políticos pode ser uma arma tanto para promover aliados quanto para atacar adversários.

De janeiro a abril deste ano, o governador de Alagoas, Ronaldo Lessa (PSB), esteve em guerra contra a TV Gazeta, afiliada da Globo pertencente à família Collor de Mello, que o acusou de tramar o assassinato do coronel Cavalcante. O militar cumpre pena em Maceió pela morte de um irmão do governador, em 1991.

?Era uma acusação sem nenhum fundamento, apenas porque Collor e eu somos adversários históricos. Fui para ofensiva. Suspendi entrevistas e publicidade oficial para as Organizações Arnon de Mello?, diz o governador.

Ele conta que gravou em vídeo as imagens veiculadas pela TV e que entregou a fita ao ex-diretor de Jornalismo da Rede Globo, Evandro Carlos de Andrade. A emissora passou a enviar jornalistas de Recife para cobrir os eventos importantes de Alagoas.

Segundo Ronaldo Lessa, a guerra acabou em abril, quando a TV Gazeta noticiou que as acusações não procediam. No dia 9 de julho, o ex-diretor de jornalismo da Gazeta, Célio Gomes, foi substituído pelo então coordenador do núcleo de rede da Globo no Paraná, Clésio Oliveira. A Globo nega que tenha feito intervenção na afiliada, mas admite ter sugerido Clésio para o cargo. A TV Gazeta não comentou o episódio.

Mais recentemente, em maio, a Globo teve problemas na Bahia. Sua afiliada local, a TV Bahia, da família de Antonio Carlos Magalhães, não cobriu as manifestações em Salvador pela cassação de ACM. A Globo usou imagens feitas por um sindicato no noticiário nacional, mas -pelo menos para efeito externo- justificou a conduta da afiliada dizendo que ela subestimou os protestos.


Coronelismo

A forte influência política na radiodifusão é uma herança dos governos anteriores que Fernando Henrique Cardoso não conseguiu modificar. ?O coronelismo eletrônico é uma face do atraso brasileiro. Mostra a nossa carência de cidadania e fragilidade partidária?, diz o diretor da Faculdade de Comunicação da Universidade Nacional de Brasília, Murilo Ramos.

Ramos lembra que FHC, ao anunciar Sérgio Motta para ministro das Comunicações, em 1995, prometeu explicitamente mudar esse quadro. ?Não mudou. Pelo contrário, consolidou o poder político no setor.?

A família Sarney tem o maior império de comunicação do Maranhão, Estado em que controla quatro emissoras de TV afiliadas da Globo: as TVs Mirante das cidades de São Luís, Imperatriz, Santa Inês e Codó.

No Rio Grande do Norte, as quatro emissoras comerciais de televisão existentes pertencem a políticos, de acordo com o ex-ministro Aluísio Alves, tio do governador Garibaldi Alves e um dos acionistas da TV Cabugi, afiliada da Globo.

Aluísio Alves conseguiu a concessão da TV Cabugi quando foi ministro da Administração no governo Sarney. Foram agraciados, na mesma ocasião, os senadores Agripino Maia (PFL) e Geraldo Melo (PSDB). Além da TV, a família Alves é dona de rádios e do jornal ?Tribuna do Norte?, de Natal. O ex-ministro diz que a TV não lhe dá dividendos políticos. ?O contrato com a Globo não permite fazer política com a emissora, mas meus adversários usam as deles. Só tenho liberdade de fazer política no jornal e nas rádios.?


SBT

Entre os políticos vinculados comercialmente ao SBT, além de Tasso Jereissati e Edison Lobão, estão o senador Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR), Orestes Quércia (ex-governador de São Paulo e atual presidente do PMDB no Estado), o prefeito de Araçatuba (SP), Jorge Maluly Neto (PFL), e o ex-governador do Paraná Paulo Pimentel. Constam também quatro deputados federais, entre eles, o ex-governador da Bahia Nilo Coelho (PSDB).

Maluly Neto e Sílvio Santos são sócios da TV Araçá, de Araçatuba. O prefeito admite que ser proprietário de TV o beneficia politicamente. Em entrevista à Folha, por telefone, ele travou o seguinte diálogo:

Folha – De que maneira a TV o ajuda politicamente?
Maluly –
Você pode mostrar sua atuação. O fato de noticiar ajuda.

Folha – Há fatos relativos à sua gestão que são divulgados em sua TV e não saem nas emissoras concorrentes?
Maluly –
Com certeza. Quando há fatos proeminentes na cidade, elas cobrem, mas nem sempre eu apareço. A mesma notícia, na nossa emissora, traz uma pontinha de declaração da gente.
Na avaliação de Maluly Neto, os radiodifusores tem 50% a mais de chances de se elegerem do que os demais candidatos, o que explica o interesse dos políticos pelas rádios e televisões.


Bandeirantes

A Bandeirantes é a rede de televisão com o maior número de senadores entre seus afiliados. Além de Jader Barbalho, também estão na lista os tucanos Geraldo Melo, do Rio Grande do Norte, e Romero Jucá, de Roraima.

Ainda faz parte da listagem o ex-senador e ex-governador do Mato Grosso Júlio Campos. A mulher dele, Isabel Campos, é diretora-executiva da TV Oeste, da cidade de Cuiabá.

Campos é o único político que figura no cadastro do Ministério das Comunicações como titular de emissora de televisão em Mato Grosso, mas, na avaliação de Isabel, ?quase 100% das rádios e televisões do Estado têm vínculos com grupos políticos?.

Ela diz que as emissoras que apóiam o governo são favorecidas na distribuição da verba publicitária e que a TV Oeste estaria sendo discriminada por pertencer a Campos. ?Nem sempre o vínculo explícito com um político favorece a emissora?, afirma.


Outras redes

Oficialmente, a Record tem apenas cinco afiliadas com políticos, mas sua situação não é comparável às das demais redes. ?A Record é um caso à parte. Ela está a serviço de uma denominação religiosa, a Igreja Universal do Reino de Deus, que tem seus representantes do Congresso?, afirma o diretor da Faculdade de Comunicação da UNB.

A CNT, que tem quatro geradoras próprias de televisão, é a rede com vínculo político mais explícito. Seu acionista controlador é o presidente nacional do PTB e deputado federal pelo Paraná, José Carlos Martinez."

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"Emissoras estão em poder de poucos", copyright Folha de S.Paulo, 6/8/01

"Além da presença de políticos, há o problema da concentração de mercado na radiodifusão. As emissoras de TV estão em poder de poucos grupos empresariais. A família Marinho tem participação societária em 32 concessões, o que representa mais de 10% das geradoras existentes no país.

As quatro grandes redes nacionais de televisão -Globo, SBT, Bandeirantes e Record- têm, somadas, 75 emissoras próprias, mais de um quinto das concessões de TV comercial.

Os Marinho têm 11 das 40 emissoras de TV existentes no Estado de São Paulo, o que dá uma proporção de 28%. Duas destas emissoras – a TV Vale do Paraíba, em São José dos Campos, e a TV Aliança Paulista, de Sorocaba- foram concessões dadas pelo ex-presidente José Sarney. A terceira concessão obtida pela família naquele governo foi a TV Cataratas, de Foz do Iguaçu (PR).

Em seis anos, os Marinho quase dobraram suas emissoras de televisão. Em 1994, eles apareciam no cadastro do Ministério das Comunicações com apenas 17 emissoras. Agora, três gerações da família já aparecem como acionistas em emissoras em Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Distrito Federal. Há concessões registradas em nome de Roberto Marinho, de seus três filhos e de cinco netos.

O registro em nome de diferentes pessoas da mesma família é um artifício legal encontrado pelas empresas para ultrapassar o limite de propriedade de TVs permitido na legislação. O teto por acionista é de duas concessões por Estado e dez em âmbito nacional, sendo cinco em VHF (canais de número 1 a 13) e cinco em UHF (do canal 13 para cima).

A Globo tem afirmado que ampliou sua participação no setor com aquisições legais e transparentes e que obedece à lei. Segundo a empresa, não é a família Marinho que possui 32 emissoras, mas pessoas físicas que, independentemente do parentesco entre elas, investiram no setor.

As redes Bandeirantes e SBT também aumentaram suas concessões nos últimos anos, mas em escala menor do que a Globo. A família Saad, da Bandeirantes, passou de nove para 12 concessões, enquanto a família Abravanel passou de nove para dez.

Nesse período também a Igreja Universal do Reino de Deus construiu seu império de 21 emissoras, divididas em três redes: Record, Rede Mulher e Rede Família."

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"TVs dizem ser profissionais com políticos", copyright Folha de S.Paulo, 6/8/01

"O vice-presidente de Relações Institucionais da Rede Globo, Evandro Guimarães, declarou que a empresa mantém uma relação profissional com suas afiliadas, independentemente de quem sejam seus proprietários.

?A Globo não tem considerações político-partidárias. Isso não tem importância para ela. Seus critérios, tanto no jornalismo, quanto na comercialização e na exigência de qualidade dos equipamentos, são técnicos e empresariais?, afirmou o executivo.

Indagado se o fato de ter governadores, senadores e ex-presidentes da República como acionistas de emissoras afiliadas criava embaraços para a Globo, Guimarães respondeu: ?A Globo não toma posição em relação a seus parceiros por razões partidárias ou políticas. Além disso, a legislação impede que políticos em exercício do cargo participem da administração de emissoras de rádio e televisão. Achamos que a lei está correta neste ponto?.

O vice-presidente da Rede Bandeirantes Antonio Teles disse que as redes de televisão não escolhem os afiliados. Segundo ele, a afiliação ocorre posteriormente à obtenção da concessão e vez por outra as estações mudam de rede. Cita, como exemplo, o concessionário da Globo no Piauí, que já foi de um afiliado da Band.


Miopia

Para Teles, a forte presença de políticos é consequência da falta de visão do empresariado.
?Os empresários não perceberam que a radiodifusão é um excelente negócio e abriram espaço para que os políticos tomassem conta de uma parte do mercado.?

O executivo diz acreditar que o processo vá reverter. ?Não posso acreditar que o empresariado brasileiro continue com esta miopia. Nos Estados Unidos, os fundos de investimento estão investindo fortemente em radiodifusão. Se é um bom negócio lá, por que não seria aqui??, pergunta.

Em sua avaliação, as telecomunicações -e a indústria do entretenimento em particular- são o melhor negócio do mundo atual.


Anteprojeto

A Bandeirantes, segundo o diretor, defende a realização de um grande debate nacional em torno do anteprojeto da nova lei de radiodifusão, que incluiria a propriedade dos meios de comunicação. O anteprojeto está em audiência pública e ainda não foi enviado ao Congresso pelo governo.

Roberto Wagner, diretor da Rede Record, avalia que as emissoras de televisão são administradas profissionalmente.

?O poder político sobre a mídia é coisa do passado. Os equipamentos são muito caros, e as emissoras têm de correr atrás de anúncios. Não dá para brincar?, afirmou Wagner.

O SBT foi procurado pela Folha na terça-feira e na quinta-feira, mas não se manifestou sobre o assunto até o fechamento da edição."

 

"Afiliada da Globo, TV Bahia, de ACM, é acusada de boicotar adversários", copyright Folha de S.Paulo, 6/8/01

"Desde o início da década de 90, quando passou a ser controlada definitivamente por familiares do ex-senador Antonio Carlos Magalhães (PFL), 73, até maio deste ano, o departamento de jornalismo da TV Bahia (afiliada da Globo) sempre foi associado a políticos e administradores carlistas.

A queixa é da oposição no Estado. Entre 93 e 96, quando Salvador era administrada pela hoje deputada estadual Lídice da Mata (PSB), por exemplo, a prefeitura teve que recorrer à Justiça para veicular publicidade na TV Bahia.

?Os diretores do departamento comercial da televisão não veiculavam nada da prefeitura, mesmo a gente pagando o preço da tabela normal?, disse o advogado Fernando Schimidt, que na época era secretário de Governo de Lídice.

De acordo com Schimidt, a ex-prefeita nunca foi convidada para participar de programa político ou jornalístico na TV Bahia.

?Para complicar a situação, no começo da administração de Lídice da Mata, o governador da Bahia era Antonio Carlos Magalhães. Todos os dias as obras realizadas pelo Estado eram mostradas em todos os telejornais da emissora. Para a prefeitura, só sobravam as mazelas?, afirma.

Duas vezes candidato à Prefeitura de Salvador, o deputado federal Nélson Pellegrino (PT) também reclama do boicote.

?Por oito anos, fui deputado estadual e só apareci uma vez no noticiário da TV Bahia. Mesmo assim, em uma situação em que o favorecido foi ACM?, disse.

De acordo com Pellegrino, a sua única entrevista à TV Bahia aconteceu quando o ex-governador Nilo Coelho (PSDB) atropelou um repórter-fotográfico do ?Correio da Bahia?, jornal administrado por parentes do ex-senador.

?Como presidente da Comissão Estadual de Direitos Humanos, critiquei a ação do ex-governador [que é adversário de ACM]. Com isso, a TV Bahia veiculou minha entrevista?, disse Pellegrino. Há dois meses, no entanto, a direção da televisão promoveu mudanças estruturais no departamento de jornalismo. O pivô da mudança foi uma manifestação promovida por estudantes e sindicalistas que defendiam a cassação do ex-senador.

Realizada no Campo Grande (centro), a manifestação terminou com estudantes e policiais feridos. A TV Bahia não tinha as imagens do conflito e o departamento de jornalismo da Globo encaminhou uma carta à filial cobrando profissionalismo.

Ameaçada de perder a concessão, a TV Bahia mudou. Atualmente, os seus três programas jornalísticos já registraram, inclusive, manifestações contra ACM.


Outro lado

A Agência Folha entrou em contato com o departamento de jornalismo da TV Bahia na sexta-feira e ontem.

De acordo com funcionários, o diretor Carlos Libório estava reunido com o senador Antonio Carlos Magalhães Júnior (PFL) e não podia ser interrompido."

    
    
                     

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