A internet está mudando a prática política nas democracias representativas?
Essa foi a principal questão que mobilizou pesquisadores de importantes instituições de ensino do país numa das sessões da área temática ‘Cultura Política e Democracia’, no VI Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) realizado na Unicamp, entre os dias 30 de julho e 1º de agosto.
Os debates se deram em torno de relatórios de pesquisas que estão sendo desenvolvidas na PUC de São Paulo, na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e na Universidade de Fortaleza (Unifor) (disponíveis aqui, clicar em Programação, AT1, Sessão 2B).
Foi a primeira vez que uma das sessões do Encontro da ABCP se dedicou exclusivamente às novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) e seu impacto na democracia.
O que está sendo pesquisado?
Na PUC-SP um amplo estudo comparativo sobre as eleições de 2006, no Brasil e na Espanha, avalia a internet como um novo espaço de se fazer política fora dos padrões convencionais e quais as conseqüências disso para a participação cidadã.
Qual é a pauta dos sites dos partidos políticos durante as campanhas eleitorais? Há interação com os eleitores? Há debate programático?
Durante cinco meses, os sites dos principais partidos políticos, blogs e da chamada mídia ‘alternativa’ foram analisados não só em relação às suas respectivas formatações, mas, sobretudo, em relação aos temas e seus enquadramentos.
A experiência metodológica da pesquisa comparada já resultou em um estudo derivado que analisa quatro blogs escolhidos pela diversidade do perfil dos seus autores, bem como de seus posicionamentos políticos: um de jornalista, um de intelectual/professor, um que se considera ‘independente’ e um de político.
Como se dá a utilização desses blogs como ferramentas políticas? Eles pautam a grande mídia ou são pautados por ela? Criam esferas públicas concorrentes? São exclusivos ou abrigam contribuições não solicitadas?
Na UFPR, outro grande projeto pretende avaliar a relação entre cultura política e uso da internet por senadores, deputados federais e estaduais na atual legislatura. Os resultados preliminares dizem respeito apenas a deputados estaduais.
Como esses deputados utilizam a internet? Os seus sites contém informações que facilitam a construção de perfis de recrutamento político? Tornam seus mandatos mais transparentes? Possibilitam algum tipo de accountability (o compromisso de prestar contas, em tradução livre)?
Já o projeto que está sendo desenvolvido na Unifor busca analisar os programas de ‘governo eletrônico’ propostos pelo Poder Executivo desde 2000 e avaliar a implementação das propostas do governo Lula na esfera municipal. Foram avaliados os sites de 21 capitais brasileiras, visitados ao longo dos meses de abril e maio de 2008.
Existem informações suficientes, precisas e atualizadas nos portais das prefeituras? Existe alguma forma de interatividade capaz de propiciar e promover a ampliação das discussões e da participação popular na gestão da coisa pública? Quais serviços são prestados e como são prestados?
Potencial e realidade
Embora os resultados das pesquisas apresentados no encontro da ABCP ainda sejam preliminares, tendências gerais foram identificadas nos debates. Aparentemente, a internet inaugura uma nova forma de se fazer política e não apenas reproduz as práticas já existentes. A principal constatação, no entanto, talvez tenha sido a de que a internet ainda é muito mais uma potencialidade de democratização da política do que uma realidade concreta.
A interatividade, quando existe, é uma ‘interatividade tutelada’. Vale dizer: o ‘controle’ e as alternativas são dados pelo site ou, no caso dos portais das prefeituras, contemplam apenas os deveres dos cidadãos (pagamento de taxas, impostos, multas, etc.) e não os seus direitos (marcação de consultas em postos de saúde ou informações que possibilitem a participação na formulação de políticas púbicas, por exemplo). Da mesma forma, pouco se acrescentou nos sites de deputados estaduais ou das prefeituras no sentido do aumento da accountability dos mandatos eletivos ou de governos.
Nessa perspectiva, vale registrar uma aguda observação do comentarista da sessão, professor Luiz Felipe Miguel, da UnB. Lembra ele que é comum encontrar-se na literatura sobre a relação entre internet e política a expressão ‘ágora virtual’, referindo-se às facilidades que o cidadão tem de criar o seu próprio blog ou de ter o seu próprio site – isto é, de ter voz, falar. No entanto, na ‘ágora’ da democracia grega clássica, o fundamental era a possibilidade que se oferecia ao cidadão de ser ouvido por aqueles que tomavam as decisões. E é exatamente isso que ainda não ocorre na ‘ágora virtual’.
Há, portanto, um longo caminho a ser percorrido antes que a internet possa realizar todas as muitas expectativas criadas pelo seu imenso potencial democratizador. O primeiro passo é a pesquisa e o debate gerador de propostas. Como se fez no Encontro da ABCP.
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)