Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

É a guerra, c’est la vie

INFORMAÇÃO RELEVANTE

Michel Plon(*)

Quarta visita ao Brasil em um ano e meio, especialmente ao Rio de Janeiro. Esta última um pouco mais demorada que as anteriores, ocasião perfeita para um europeu como eu começar a se impregnar da língua e da vida cotidiana deste país surpreendente, na maioria das vezes fascinante mas, às vezes, desordenadamente irritante.

A imprensa ? embora não ouse analisar sua leitura ? constitui um dos meios privilegiados nesse processo de familiarização no qual os pequenos acontecimentos de todo dia ganham peso às vezes maior do que os grandes fatos. Um exemplo são os "ecos" cotidianos de Ricardo Boechat no Jornal do Brasil, uma ventura.

Daí a surpresa ao ler na sexta feira, 17 de agosto, um desses "ecos" intitulado "É guerra". Com o distanciamento próprio que marca sua qualidade, a coluna noticiava que os traficantes de uma favela do bairro de Santa Tereza testam suas armas atirando, com balas de verdade, nos aviões da ponte Rio-São Paulo, transformados em alvo quando estão prestes a aterrizar no Santos Dumont.

Divertido, não? Concordo que não é função de Ricardo Boechat dar desdobramento às notas ou denúncias que veicula diariamente. Mas que o Jornal do Brasil não publicasse uma suíte no dia seguinte ao an&uauacute;ncio dessa prática chocante, isso me perturba.

O silêncio em torno de um fato desses contribui para banalizá-lo e emprestar à notícia de Boechat um aspecto folclórico ? o que, certamente, não era sua intenção.

Banalização que só reforça a passividade geral em torno de notinhas como esta e, principalmente, aumenta a lista de clichês que circulam na Europa sobre o Brasil: um país realmente divertido, o Brasil! As pessoas vão à praia, jogam muito bem o futebol, sambam, bebem caipirinha, mais de um terço da população vive abaixo do nível de pobreza e, ainda, atiram com a maior impunidade em aviões de linha transformados em alvo!

C?est la vie!

Não seria papel de um grande jornal tratar de dar uma imagem menos fatalista a este país, e de contribuir para uma tomada de consciência geral em relação a acontecimentos intoleráveis como este? A isto se poderia chamar civismo e, em níveis bem mais aceitáveis, a vida!

(*) Psicanalista, vive em Paris; tradução da Redação do OI

    
                     

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