CASO ABRAVANEL
Carlos Vogt
No episódio do seqüestro do empresário Sílvio Santos em sua própria casa por Fernando Dutra Pinto, chefe do grupo que havia seqüestrado, uma semana antes, sua filha, Patrícia Abravanel, muitos ingredientes de surpresa compuseram o seu entrecho e para eles a imprensa e a mídia chamaram exaustivamente a atenção, enfatizando a característica cinematográfica do thriller regido pelos jovens de classe média baixa da periferia de São Paulo, com especial destaque para Fernando Dutra Pinto, ator, personagem, protagonista, roteirista e diretor da curta saga de ousadia, seqüestro, resgate, morte, fuga, seqüestro e rendição.
Entre todas essas surpresas, nenhuma, entretanto, pegou a mídia e a imprensa mais desprevenidas do que a ida à casa de Sílvio Santos, atendendo seu apelo, do governador Geraldo Alckmin.
Não tendo sido avisada com antecedência, de repente as câmeras de T.V. que faziam plantão no circo da notícia registraram a chegada da autoridade maior do Estado e os repórteres que narravam e enrolavam a audiência ao longo da manhã manifestaram sincera e espontânea surpresa ao se darem conta, simultaneamente com os telespectadores, que o governador de São Paulo entrava no palco dos acontecimentos.
Doze minutos depois, o desfecho com a rendição do seqüestrador.
A chegada do intruso, não prevista no script, não pautada pelas assessorias de imprensa, não preparada pela mídia nos camarins dos retoques empoados, foi demais para quem está por demais acostumada a reger a vida e os valores dos cidadãos.
Não foi a mídia que montou o espetáculo, não era o Cidade Alerta da Record, mas todos os canais de TV se esforçavam para assumir a autoria do show, com helicópteros, lentes formidáveis, furos -
rasos, é verdade -
, mas, vá-lá, furinhos.
E eis que de repente, entre sereno e prudente, como é próprio de sua personalidade, surge quem ninguém esperava e o circo encerra o espetáculo.
-
Que diabos, governador, vá ser desmancha prazer assim lá em Pindamonhangaba!
É isso o que a nossa mídia/imprensa parecia ruminar de insatisfação.
Na seqüência, dito e feito, críticas e azedumes de todo lado. Como diz o editorial de O Estado de S.Paulo (sábado, 1?/9/01), "Alckmin foi condenado por ter se exposto, na condição de primeiro mandatário do Estado, ao risco de ser, também ele, transformado em refém; por ter aviltado a dignidade de seu cargo ao dialogar com um homicida e autor de crime hediondo; por ter aberto um precedente inaceitável e desmoralizador para as polícias; por ter saído em socorro de uma celebridade, o que não faria por um cidadão comum". Isso sem contar com os oportunistas eleitoreiros de plantão que logo viram no gesto do governador o oportunismo da oportunidade que eles não tiveram, tendo no desfecho positivo da situação, com a presença do governador, uma ameaça à contabilidade dos votos para as suas pretensões políticas.
A imprensa e a mídia quem sabe poderiam se sentir mais confortáveis para indagar se o governador atenderia também ao chamado de um cidadão comum, numa circunstância semelhante, se antes respondessem com clareza se elas próprias estariam ou não presentes e atuantes nesse suposto episódio da mesma forma que nesse, real, que envolveu Sílvio Santos e a sua família.
Motivação do gesto
No dia seguinte aos acontecimentos, Silvio Santos, dirigindo-se para sua empresa de TV, ouve no rádio do carro parte das críticas ao governador Geraldo Alckmin. Liga para a Jovem Pan e declara, alto e bom tom, que se não fosse o governador ele morreria, policiais morreriam, além, é claro, do seqüestrador, o que empurraria definitivamente o drama para a tragédia e o caso policial, da comoção social para a catástrofe política.
A declaração de Sílvio Santos, reproduzida em toda a mídia e em toda a imprensa, mudou bastante a atitude até mesmo de críticos ferrenhos da postura e da iniciativa do governador.
Sabe-se bem que no domínio dos valores e dos estados psicológicos a distância entre, de um lado, a coragem e a temeridade e, de outro, a prudência e a covardia, é mais de grau do que de qualidade. Postar-se nos limites da passagem de um grau a outro, preservando a qualidade dos gestos e das ações é uma escolha no mais das vezes difícil e por isso delicada.
Ser prudente sem que o excesso de cautela permita que na prudência se leia covardia; ter coragem, sem que a falta de medo desague em temeridade e fanfarronice.
O governador Alckmin ao enunciar a motivação psicológica e ética de seu gesto, dizendo preferir errar pela ação do que errar pela omissão, dá bem medida de que a decisão que o levou à casa de Sílvio Santos foi pensada, refletida e equilibrada. Ir implicava riscos; não ir talvez implicasse riscos maiores.
Como diz Shakespeare em Troílo e Créssida, "muitas vezes temer o péssimo cura o pior".