CASO ABRAVANEL
"Globo alega ao TJ ter ?própria ética?", copyright O Estado de S. Paulo , 29/08/01
"Primeira e uma das únicas emissoras de televisão a divulgar o seqüestro da filha de Silvio Santos, a Globo foi condenada em março pela Justiça de São Paulo por não ter atendido os apelos da família de Gonçalo Lara Campos Matarazzo, de 12 anos. Filho do empresário Luiz André Matarazzo, de 52 anos, o garoto ficou quatro dias em poder de seqüestradores, em março de 2000.
O juiz sentenciou a emissora por desrespeitar ?o direito à vida.? A TV Globo, que recorreu da decisão ao Tribunal de Justiça (TJ), alegou que é ?dona de sua própria ética? e não teve intenção de prejudicar as vítimas. A condenação é do juiz Teodozio de Souza Lopes, da 17.? Vara Cível da Capital.
No TJ – que julgará a apelação da emissora e criará jurisprudência sobre o tema -, a posição da Globo de desrespeitar as famílias que têm parentes em cativeiros só mereceu críticas. ?Eles colaboram com o bom andamento do crime, acabam quase como parceiros no delito?, opinou um desembargador da Seção de Direito Privado do tribunal. ?É uma atitude de muita prepotência tomar a decisão de noticiar um seqüestro, alardeando que isso ajuda a desvendar o caso. Isso a imprensa não sabe e não deve fazer?, criticou outro desembargador, da Seção Criminal.
O magistrado considerou na sentença que a emissora ?expôs de forma irresponsável e dolosa (com intenção) a vida de uma criança que estava em cativeiro, desrespeitando o direito à intimidade da família e da criança?. O dano será calculada com base no tempo gasto pela Globo para noticiar o caso.
Uma perícia vai determinar o valor comercial do segundo na emissora, que divulgou o crime no Jornal Nacional e no Jornal Hoje.
Ao noticiar o seqüestro, a Globo, segundo a ação, forneceu informações aos bandidos, que estavam sendo escondidas. Gonçalo foi seqüestrado com o pai – primo do senador Eduardo Suplicy (PT). Os bandidos libertaram o empresário antes do garoto para que reunisse o dinheiro. Antes disso, feriram-no com um tiro na perna.
O empresário queria evitar que os seqüestradores soubessem do sobrenome Matarazzo, por causa da costumeira associação da família com riqueza e poder. Identificou-se como Lara, sobrenome de sua mulher, Taísa.
Ao noticiar o crime, o Jornal Nacional alertou os bandidos, que indagaram o garoto sobre o verdadeiro sobrenome. Sem saber de nada, o menino insistiu no Lara. Como represália, ficou sem comer e beber até o dia seguinte, quando confessou ser um Matarazzo.
O Ministério Público Estadual interveio no processo pelo fato de Gonçalo ser menor de idade e criticou a emissora. A promotora Regina Krauter Paim Pamplona afirmou em seu parecer que a veiculação do seqüestro ?tinha por escopo apenas saciar o anseio mórbido das pessoas, coisa que parece ser especialidade da imprensa atual.?
A Globo sustentou em sua defesa que o seqüestro é um ?fato jornalístico? e passível de livre divulgação. ? Abrevia o sofrimento dos familiares das vítimas, auxilia os órgãos policiais e coíbe o incremento de tal prática criminosa?. Os advogados dos Matarazzo também recorreram para que o valor da indenização seja maior e a Globo tenha de divulgar a íntegra da sentença duas vezes no Jornal Nacional e uma no Hoje."
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"Band acusa Globo de fazer show da vida", copyright O Estado de S. Paulo , 29/08/01
"Este é o editorial divulgado, ontem à noite, no Jornal da Band, pela Rede Bandeirantes de TV:
?Logo depois do seqüestro da filha do empresário Sílvio Santos, ocorrido há oito dias, a reportagem da Rede Bandeirantes já havia confirmado a informação. Mas, para não prejudicar as investigações e em respeito à dor da família, preferimos não divulgar o grave crime naquele momento, atendendo a pedido dos familiares da seqüestrada.
Este é um princípio da Bandeirantes: a ética em primeiro lugar.
O respeito ético de informar ao público não pode, do nosso ponto de observação, se sobrepor ao respeito pela vida.
O mesmo não se pode dizer de outra emissora, a Rede Globo, que, ignorando inteiramente os pedidos da família, resolveu fazer deste triste episódio um show da vida. Não faltaram nem mesmo os vôos rasantes sobre a residência dos pais da vítima. A revista Veja, na edição desta semana, também fez questão de demonstrar a mesma falta de respeito e de sensibilidade.
A arrogância se manifesta de várias formas: vai desde o desrespeito puro e simples à pessoa humana até a mais primitiva crueldade.
Não é tolerável que, em nome do vale-tudo, da busca do sucesso fácil, se queira transformar um episódio doloroso como este em mais um escândalo vulgar.?"
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"Autoridades da Justiça condenam divulgação", copyright O Estado de S. Paulo, 29/08/01
"A liberdade de imprensa tem limites. Acima dela está o respeito ao direito à vida. A opinião está na boca das principais autoridades da Justiça no País, após o fim do seqüestro de Patrícia Abravanel, filha do empresário e apresentador Silvio Santos. O Estado não divulgou o crime em atenção ao pedido da família e para evitar que a publicação aumentasse ainda mais o risco à vítima.
?Neste campo é proibido proibir, mas é preciso ter compreensão?, declarou o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Marco Aurélio Mello, que defendeu a não divulgação de notícias sobre seqüestro. A corregedora-geral da União, Anadyr de Mendonça Rodrigues, tem a mesma linha.
?O País passa por uma discussão sobre ética em vários setores. No caso de seqüestros, acho que a imprensa deve meditar sobre seu papel. É preciso ver até onde vai o interesse público, principalmente quando pode colocar em risco a vida de alguém?, disse.
O presidente do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo, desembargador Márcio Martins Bonilha, resume em uma frase seu pensamento sobre o melhor comportamento da imprensa: ?Adotando a lei do silêncio?. Segundo ele, o respeito à vida está acima da liberdade de informação. ?Ninguém vai ganhar mais pontos no Ibope, vai vender mais jornais ou ter mais audiência no rádio se noticiar mais cedo?, afirmou.
O decano do TJ, desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, defende a idéia de que apenas o apelo da família basta para a não divulgação. ?O noticiário acaba servindo como uma orientação indireta aos bandidos. O aumento do sofrimento causado pela divulgação corresponde a um dano moral?, salientou.
Valor – O coordenador do Centro de Apoio das Promotorias Criminais do Ministério Público de São Paulo, procurador José Oswaldo Molineiro, afirma que a Justiça deve ficar atenta. ?A vida é o mais importante valor a ser preservado pelo Direito e pela Justiça?, disse. ?No caso da filha do Silvio Santos, uma negociação estava em andamento e precisava ser respeitada pelo sigilo.? O promotor de Justiça da Cidadania Saad Mazloum sustenta que a divulgação dos casos pode até colaborar com as investigações. ?Cabe à polícia comunicar a imprensa se isso pode ou não atrapalhar?, disse Mazloum.
O criminalista Márcio Thomaz Bastos, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil nacional e paulista, avalia que a conveniência de noticiar um caso de seqüestro deve ter razão direta com o risco à vida da vítima. Para ele, o criminoso monitora a investigação através das notícias. ?A imprensa precisa reavaliar seus aspectos éticos ?, disse. O jurista Luiz Flávio Gomes, membro da comissão de reforma da legislação penal brasileira, defende que só devem ser divulgados casos que tenham reflexo nos destinos e na vida pública do País. ?Se for apenas para saciar a curiosidade das pessoas, a divulgação pode esperar o fim do seqüestro.?"