A Rede em Defesa da Liberdade de Imprensa será lançada oficialmente em 2 de maio, uma segunda-feira, no Rio de Janeiro. A iniciativa da Associação Nacional de Jornais (ANJ), em parceria com a Unesco no Brasil, realizou um encontro regional, em 11 de abril, em Porto Alegre. As elites políticas e econômicas gaúchas compareceram em peso ao Palácio do Ministério Público, convocadas pelo atual presidente da ANJ e diretor-presidente do Grupo RBS, Nelson Sirotsky.
Mas o evento foi caracterizado por duas restrições básicas: a ausência dos presidentes da Associação Riograndense de Imprensa (ARI) e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul, além do tema abordado: o acesso às informações públicas.
Sobre a liberdade de Imprensa propriamente, apenas os discursos iniciais. Com destaque para o governador gaúcho, Germano Rigotto. Como que para tranqüilizar os barões da mídia presentes ao ato, Rigotto garantiu que na sua gestão ‘não houve, não há e nem haverá processos contra jornalistas, nem restrição à liberação de informações’.
Se desdobrarmos, em duas partes, o conceito de liberdade de imprensa, poderemos refletir sobre questões básicas: qual liberdade? E qual imprensa?
A liberdade, no caso da imprensa, é direito constitucional, mas que se choca frontalmente com outro direito assegurado pela Carta – o da privacidade dos cidadãos. Neste terreno, insere-se uma ambigüidade que se resolve, em geral, nos tribunais. É aí que Sirotsky, em seu discurso durante o lançamento da rede, arremeteu contra o que chama de ‘indústria do dano moral’, com condenações ‘absurdas’ contra jornais e jornalistas.
De toda forma, liberdade para quem? E para quê? Para escrever mentiras ou notícias de conveniência dos poderosos do momento? Para embrulhar e entorpecer as mentes dos cidadãos leitores-ouvintes-telespectadores?
Mas qual imprensa? Aquela que entende ser direito exclusivo dos barões da mídia a disseminação de valores vinculados ao ‘pensamento único’ do neoliberalismo? Aquela que, na mídia eletrônica, avança sobre todos os limites éticos e desencadeia campanhas como a mobilização contra a baixaria na TV? A mídia eletrônica, em particular, avança sobre todos os limites do bom senso e do bom gosto com sua exploração sensacionalista da miséria humana.
Descrédito crescente
Hoje, no Brasil e no mundo todo, a mídia eletrônica pauta a mídia impressa. Dessa forma, a maioria de jornais e revistas repercutem, ad nauseam, os mais sórdidos detalhes de uma programação televisiva voltada unicamente aos instintos mais primários do público. As finalidades educativas, culturais e informativas da grande mídia passam, então, a um segundo ou terceiro plano. Afinal, o que importa é a tiragem da mídia impressa, é a tirania dos institutos de pesquisa da audiência sobre rádios e TVs. A mentalidade conservadora dos barões da mídia determina a manutenção desse esquema. É neste panorama deprimente que é lançada esta Rede da ANJ.
Como escreveu o jornalista Marco Aurélio Weissheimer (13/4), na Agência Carta Maior, sobre o evento da ANJ em Porto Alegre:
‘O livre acesso da população à informação pública é, de fato, uma condição para a democracia. Mas os proprietários dos grandes meios de comunicação não têm interesse de que toda essa informação torne-se, verdadeiramente, pública. Onde está, por exemplo, a informação sobre a dívida dos grandes conglomerados midiáticos com o poder público? Ou sobre o período de vigência e os critérios de liberação de concessões públicas de rádio e televisão, outorgadas pelo Estado às empresas privadas?’
Então, afinal: liberdade de imprensa, ou liberdade de empresa?
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul, em nota oficial, protestou contra o evento: ‘A ANJ defende a liberdade de empresa, já que não convidou a sociedade civil nem os trabalhadores em jornalismo’ para o encontro.
Dados da própria ANJ comprovam a concentração da propriedade na mídia: apenas seis grandes grupos são responsáveis por 56% de toda a produção diária dos jornais brasileiros. Este é o principal obstáculo à liberdade de expressão e, por conseguinte, à liberdade de imprensa, diz a nota oficial da Articulação Nacional pelo Direito à Comunicação (CRIS Brasil), comentando a iniciativa da ANJ.
Aliás, é em nome da estabilidade econômica e/ou da segurança nacional que os meios de comunicação, em todo o planeta, parecem cada vez mais vinculados aos interesses dos poderosos. Basta ver a cautela da mídia norte-americana e européia após os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, nos EUA. Há todo um clima de autocensura, de ‘dissimulação do real’, como definiu o professor Ivo Lucchesi em seu artigo ‘Sobre liberdade e leis de presunção’ (Observatório da Imprensa, 29/5/2002, remissão abaixo).
É preciso ter sempre em conta o conceito de independência da imprensa estreitamente vinculado à idéia de liberdade de imprensa. E é aí, no dia-a-dia, à medida que os cidadãos leitores-ouvintes-telespectadores se tornam mais conscientes, e compreendem quão pouco independentes são os meios de comunicação a que têm acesso, é que entra a crise de credibilidade da mídia.
Como acreditar, por exemplo, em um jornal francês cujo proprietário é um grande fabricante de armas? Será que seus jornalistas exercem, de fato, a liberdade de imprensa? E na Itália, é possível crer nos noticiários das redes de emissoras cujo proprietário vem a ser o atual primeiro-ministro?
Quanto ao Brasil, é fácil perceber o descrédito da mídia impressa, que apela, cada vez mais, para brindes como passagens aéreas ou simples panelas de inox para incrementar vendas a cada dia mais declinantes de uma imprensa que parece ter perdido seu rumo.
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Jornalista, integrante da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul