Monday, 30 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1307

Bernardo Ajzenberg

FOLHA DE S.PAULO

"Do dilema ao impasse", copyright Folha de S.Paulo, 2/9/01

"O uso de sequestro para obter dinheiro, puro e simples, teve impulso no Brasil desde meados da década de 80.

O marco foi o do banqueiro Antônio Beltran Martinez, em novembro/dezembro de 1986, até então o mais longo (41 dias).

O dilema de publicar ou não o fato quando ainda em andamento frequentou as redações da imprensa naqueles anos. Ajuda ou atrapalha? Segue-se ou não o pedido da polícia, ou da família?

De lá para cá, não se pode dizer que o dilema deixou de existir na cabeça de cada jornalista sempre que algum evento desse tipo ocorre, mas a verdade é que os meios de comunicação, cada qual a seu modo, acabaram por adotar políticas mais ou menos definidas sobre o assunto.

Foi o que se expressou no caso da família Abravanel, cujo desfecho aconteceu de forma inusitada na última quinta-feira.

A Folha e o ?Estado de S.Paulo?, por exemplo, tiveram a mesma posição. Nada publicaram, em respeito ao pedido feito pela família, salvo após o desenlace do caso.

O ?Jornal do Brasil? e ?O Globo?, do Rio, fizeram o contrário: publicaram a ocorrência apesar da demanda da família.

Há quem apregoe algo intermediário. Implicaria, por exemplo, publicar o fato de modo sucinto e anunciar, ao mesmo tempo, que o veículo não noticiará mais nada até a conclusão.

Por trás de cada uma dessas posições, deixe-se claro, está o mesmo fim: evitar a morte do refém, buscar uma conciliação entre vida e informação, direito da sociedade à informação e risco de morte do refém; interesse público e sobrevivência individual.

Não é fácil apontar o certo e o errado, o mais ou menos ético, como numa suposta competição deontológica. Treze ombudsmans de diferentes países que consultei (incluindo EUA e alguns da Europa) foram unânimes em apontar a dificuldade que seus jornais encontram para solucionar tais problemas.

No caso da Folha, a definição consta de seu ?Manual? desde a versão de 1984: ?A Folha publica tudo o que sabe. Em casos excepcionais admite não publicar informações cuja divulgação coloque em grave risco a segurança pública, a segurança de uma pessoa ou de uma empresa?. Com pequenas modificações, esse texto prevalece nas versões posteriores do manual, até hoje.

O título de artigo publicado no jornal em 11 de agosto de 1989 pelo advogado e então articulista Luís Francisco Carvalho Filho afirma: ?Dever de informar pode ser sacrificado em nome da segurança do sequestrado?.

Desse ponto de vista, independentemente de que a divulgação possa, em hipótese, auxiliar o trabalho da polícia (por possibilitar denúncias anônimas, por exemplo), o inerente risco de morte em crime de sequestro, aliado à imprevisibilidade das reações de um sequestrador, basta para omitir a informação.

O jornal, não tendo por vocação constituir um apoio a operações policiais, publica ao final do evento aquilo que apurou e explica, ao leitor, o motivo do procedimento.

Foi por concordar com essa visão, aliás, que não abordei o assunto na semana passada.

Show de jornalismo

Mas o caso Abravanel, em especial nas sete horas em que Silvio Santos ficou refém de Fernando Dutra Pinto, na quinta-feira, trouxe outro problema de fundo para a imprensa.

Não um dilema de certa forma regulamentado, com razoável jurisprudência, mas um verdadeiro impasse: qual é a função do jornal impresso numa cobertura como essa?

Rádio, televisão e internet cobriram os acontecimentos minuto a minuto durante mais de oito horas. Fato sintomático, extraordinário, redes de TV chegaram a abrir mão de espaços publicitários para manter o noticiário no ar.

Em que pesem informações desencontradas e certo exagero na ?espetaculização?, houve, sim, um show de jornalismo.

O problema, para os jornais, foi justamente esse: o que trouxeram de novo em relação aos outros meios nas edições de sexta-feira?

Uma leitura atenta constatará, infelizmente, que, apesar do esforço, não somaram quase nada.

Além de publicarem informações às vezes conflitantes, como aconteceu com as TVs ao vivo, preocuparam-se, acima de tudo, com uma reprodução dos fatos, já acompanhados pelos próprios leitores no dia anterior. Prato requentado, odor de ?déjà vu?.

Eis a encruzilhada do jornalismo diário impresso. Ele precisa buscar novas formas de dar conta das necessidades de seus consumidores, que são também consumidores dos meios de informação imediata. Descobrir, decifrar essas necessidades específicas e próprias.

Razão de ser

Como se diferenciar? Faltou análise, faltaram entrevistas exclusivas, enfoques criativos. Faltou o confronto de perspectivas.

O que aconteceu dentro da casa do dono do SBT naquelas sete horas? Uma câmera não podia entrar lá, mas uma apuração profunda poderia ?arrancar? como e o que de fato sucedeu ali. Trata-se de um problema de seletividade, de qualidade da informação, não de quantidade.

Mal ou bem, para um lado ou outro, as empresas, enquanto instituições -apesar das dúvidas e divergências que possam persistir entre os indivíduos que as compõem-, solucionaram, após discussão, o dilema sobre divulgar ou não sequestro em andamento.

Mas esse impasse de conteúdo, referente à razão de ser dos jornais, impasse inflado pelo crescimento do ?tempo real? na internet, está longe da superação.

É verdade que no Brasil a circulação de jornais vem crescendo. O que se discute aqui, porém, é a natureza desse meio. O que ele quer de si próprio?

Ou as redações encaram a polêmica, aprimorando suas prioridades, ou a utilidade do jornal de papel continuará a definhar.

Outro lado ou palanque?

Louve-se a transparência com que o jornal tratou o assunto, mas a Folha foi ludibriada -e com ela o leitor- no acordo que gerou a entrevista com Paulo Maluf publicada na terça.

Para ?dar voz à versão? do ex-prefeito no caso Jersey -das contas no exterior-, levantado inicialmente, aliás, com exclusividade pelo jornal, este topou fazer-lhe por escrito 20 perguntas, sendo 5 sobre o caso e as demais sobre a prefeitura, economia e o governo de São Paulo.

Ora, Maluf foi evasivo sobre Jersey e usou as demais questões para, sufocado, disparar a metralhadora giratória.

Cinco perguntas são 25% de 20. Em número de linhas respondidas, porém, a proporção ficou bem diferente.

De um total de 364 linhas, só 12,4% (45) correspondem às perguntas sobre Jersey. As outras 319 linhas (87,6%) são usadas para atacar rivais.

Maluf teve seu ?outro lado? em todas as reportagens anteriores, por meio de assessores ou advogados. Não falou diretamente porque não quis.

?Achamos importante trazer para o leitor a versão dele?, diz Fernando de Barros e Silva, editor de Brasil. ?Que ele tenha sido evasivo e lacônico, não deixa também de ser uma informação.?

Pode ser. Mas, a rigor, não há, aí, nenhuma novidade.

Gol contra

A tragédia dos empresários portugueses mortos no dia 12 passado em Fortaleza (CE) é uma das mais dramáticas da história do país.

Como se isso não bastasse, a Folha publicou na terça-feira entrevista com o mentor do crime, Luís Miguel Melitão Guerreiro, sob o título ?Portugueses buscavam turismo sexual?.

Vários leitores se queixaram desse título ao ombudsman, com razão.

Primeiro, Guerreiro não o afirma literalmente. Segundo, se o tivesse feito, a afirmação deveria estar entre aspas.

Título de extrema insensibilidade, irreal, é fácil imaginar o seu efeito nos familiares dos empresários mortos.

Jornalisticamente, uma verdadeira tragédia."

    
    
            

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