O POVO
"Barbárie que provoca debate", copyright O Povo, 2/9/01
"A tragédia com os seis empresários portugueses em Fortaleza estarreceu gente no Brasil e no exterior. Os sentimentos em relação a essa barbárie são os mais atropelados: é um misto de choque, indignação e vergonha. Infelizmente, casos de violência não são incomuns nas cidades brasileiras, mas a impressionante brutalidade que teve Fortaleza como palco exige uma série de reflexões e debates, que precisam girar em torno de assuntos bem mais amplos do que os valores morais de nossa sociedade.
Um desses debates fundamentais foi puxado pela Coluna Política da última terça-feira, cuja análise obteve intensa repercussão entre leitores. O colunista Fábio Campos vinculou a tragédia dos portugueses com o infeliz e vergonhoso mercado que atrai levas de estrangeiros para o Estado: o turismo sexual. De nada adianta falar em evolução do turismo no Estado, se não for levado em consideração o perfil de quem vem para cá. Não é segredo para ninguém que esse lucrativo negócio é um dos principais atrativos brasileiros para quem vem de fora. ?O problema não está na prostituição em si, mas na maneira como ela se evidencia entre nós. Por que somente homens da Itália e de Portugal, para ficar nesses dois exemplos, vêm fazer turismo em Fortaleza? Por que as mulheres, mães, avós, não nos visitam? Como é que estrangeiros e locais conseguem montar os inferninhos com tanta facilidade? Por que a Prefeitura permite o alvará de funcionamento? Lembrem-se que o mentor da chacina é um homem que montou um bar para vender sexo?, comentou Fábio na coluna.
Na última quarta-feira, O Povo deu como manchete principal a informação de que um panfleto de propaganda distribuído por uma empresa brasileira no exterior. A garantia no panfleto: mulheres em Fortaleza não ?custariam? mais do que 25 dólares. O mentor da chacina, o português Luiz Miguel Melitão Guerreiro, admitiu que usou a promessa de garotas de programa como isca para levar o grupo para a Praia do Futuro, onde os empresários acabariam sendo mortos.
Hipótese investigada pela polícia
A vinculação da tragédia com esse tipo de turismo no Estado provocou intensas críticas, reproduzidas no O Povo na última sexta-feira, da parte do advogado português Abel Fernandes. Ele questionou o título da matéria ?Mulheres até US$ 25,00 em Fortaleza?, escrita logo abaixo das fotos dos portugueses. ?É especulativa e bombástica e não é dignificante às famílias dos mortos?, disse, acrescentando que não há dúvidas sobre o objetivo da viagem dos portugueses. ?Eles vieram de férias com a possibilidade de realizar algum investimento na área de construção civil. Todos eram empresários honestos e fizeram uma viagem para a morte.’
De fato, não bastasse o barbarismo dos assassinatos, há que se considerar que essa vinculação é um constrangimento a mais para as famílias dos portugueses. Com exceção de um deles, todos eram casados. Afirmar categoricamente que eles vieram para cá atraídos exclusivamente pelo turismo sexual é totalmente especulativo. Ninguém mais pode garantir, os empresários estão mortos. O caso é que essa vinculação não surgiu por especulação da imprensa. O envolvimento de Luiz Miguel em uma rede de prostituição, a provável participação de garotas de programa no caso: tudo isso vem sendo objeto de investigação da Polícia Federal.
Conclusão apressada
Entre tantas ponderações importantes, a Coluna Política deixou de apresentar argumentos para embasar algo que ainda não tem sido bem dimensionado: os efeitos negativos para o turismo no Ceará desde a chacina dos empresários portugueses. A coluna afirmou: ?Não foi à toa que o trade turístico local já esteja sentindo efeitos do cancelamento das viagens Lisboa-Fortaleza?. Não foram apresentados exemplos nem números. O próprio O Povo citou, na sexta-feira, um único exemplo de uma família de portugueses que cancelou viagem para Fortaleza, mas acrescentou que ainda é cedo para avaliar qualquer impacto do assassinato dos portugueses, segundo o presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagem, Valmir Rosa Torres. Não houve ainda nenhum cancelamento de vôo de Lisboa para Fortaleza.
Fidelidade sobre pesquisa eleitoral
No dia 29, O Povo publicou pesquisa presidencial da CNT/Sensus. A manchete da página dizia: ?Roseana e Ciro dividem 2? lugar em pesquisa?. Só que a matéria informava que a pesquisa havia incluído cinco cenários com candidatos diferentes. Em duas das situações, Roseana e Ciro empatavam tecnicamente. Nas demais, Roseana não foi incluída pelos pesquisadores como opção. Ponderei, junto à redação, que se a pesquisa contemplava mais situações, a manchete não poderia valorizar as intenções de voto de apenas uma parte do levantamento. O jornalista Erick Guimarães, editor-adjunto do Núcleo de Conjuntura, ressaltou: ?Não há como deixar de destacar o crescimento de Roseana como a candidata governista mais viável. O crescimento de Roseana precisa ser melhor analisado porque não se sabe ainda o que isso representa. O PFL vai usar este crescimento como trunfo na briga interna da base governista?, avalia.
Essas observações são totalmente corretas, assim como é natural buscar uma comparação com o desempenho de Ciro Gomes, candidato com trajetória política cearense. Mas insisto: a manchete da página não foi errada, mas inadequada, ao desconsiderar os resultados de outras situações apresentadas pela mesma pesquisa. A rigor, cenários com a mesma importância. Se é impossível dar manchete considerando todos os cenários e se ainda o fato novo de maior destaque foi o desempenho de Roseana, a manchete teria sido mais fiel se tivesse destacado que Roseana é a atual pré-candidata governista com melhor desempenho."