Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pedro Doria

TERROR & HORROR

"Na Internet, notícias", copyright no. (www.no.com.br, 13/09/01

"Quem quis informação na manhã da terça-feira não foi para outro lugar – sentou-se na frente do computador, disparou o modem e mergulhou nas entranhas da Internet. Não à toa. Com as ligações internacionais para Nova York e Washington congestionadas, era o caminho mais fácil e direto para alcançar parentes, amigos, notícias. O resultado foi um mega-congestionamento da rede que atingiu principalmente os grandes sites de notícia que, em resposta, diminuíram o tamanho de suas páginas. Mas quem bem conhece os meandros da rede soube achar-se no labirinto.

Só na Internet, por exemplo, logo de manhã podia se ler o testemunho de gente que estava dentro do World Trade Center. Foi no GuerrillaNews, pequena revista eletrônica dedicada à cobertura de terrorismo e guerrilhas espalhadas no mundo. Seu editor estava em Manhattan e conversou com Mark Oettinger, um carregador de móveis que estava no décimo andar da Tower um.

O prédio estava tremendo, e eu disse essa coisa vai cair, algumas pessoas ficaram, e eu vi um sujeito que disse ?nós ficaremos ok?. Ainda há milhares de pessoas aqui. Então saí. A primeira coisa que vi foi uma mão cortada no chão. Corpos para tudo quanto é lado. Vi pessoas pulando, seus corpos impossíveis de serem identificados. Não havia gritos. Ainda posso sentir o prédio vibrando.

E se não eram os grandes sites profissionais, quem melhor informou foram os blogueiros, aqueles que de posse de um computador e acesso à rede costuram páginas pessoais com notas rápidas, misturas de links para o que acham interessante e comentários.

Entre os brasileiros residentes em Nova York, pelo menos dois mantiveram-se dedilhando o que viam e sabiam em seus weblogs. Um, Cristiano Dias, bem no início ainda comentou: ?Por algum motivo bizarro eu não consigo pensar nas milhares de pessoas que morreram. Meu cérebro bloqueia a tragédia. Amigos meus podiam ter morrido. Minha mulher podia ter morrido.? A outra, Deborah, deu parte do drama. ?Fui buscar minha irmã na escola. Cheguei lá, tava todo mundo chorando. Todos os pais dessa cidade aqui trabalham lá. Fui daqui até lá chorando, chegando lá minha irmã tava aos prantos, perguntando pelo meu pai e eu disse que não temos notícias dele.? Poucos minutos depois recebeu um email do pai dizendo que estava bem.

O pai dos weblogs em ação

?Por favor, enviem notícias e links com fotos do terrorismo nos Estados Unidos para este grupo de discussão.? A convocação de Dave Winer, um dos pais dos weblogs, foi prontamente ouvida. Em poucos minutos, uma cascata de informação bateu a sua porta. Com a rede congestionada, seu Scripting.com tomou para si a responsabilidade de organizar a informação que chegava. Rapidamente, uma comunidade solidária se formou na rede.

Funcionou assim: quem conseguia informação disponibilizava-a. Logo, o número dos telefones das companhias aéreas American Airlines e United Airlines, por exemplo, estavam lá. Um internauta lembrou que era o 23? Aniversário do acordo de Camp David. Coincidência ou não, estava lá a lembrança. Outros traziam os relatos de parentes, amigos, quem quer que estivesse nos arredores de Nova York, Washington, Pensilvânia.

Aos poucos, quem conseguia entrar nos principais sites de notícias, enviava as poucas matérias que apareciam. Depois que a rede descongestionou, o weblog de Winer continuou reunindo tudo, trazendo o que tinha de melhor na rede, indicando as trilhas, mostrando onde resgatar os fatos, buscar análises e reflexões. Sua função não era mais de lidar com a escassez de notícias, mas com o seu excesso. Então, Dave Winer conseguiu, com muita colaboração vinda de todos os recantos da rede, concentrar muita informação, misto de jornalismo de serviço, de investigação.

Boa amostra de que a rede, que já acolheu muito boato, se comportou bem.

?Esta página não deveria ser mais útil em horas como essas??, questionou um dos participantes, Peter Svensk, chamando para o link da Casa Branca, ainda alheia aos bombardeios. Lá, a pauta do dia, horas depois do atentado, era a visita do presidente W. Bush a uma escola em Jacksonville, pondo em cheque a função dos sites governamentais na Internet instantânea.

Além da perplexidade dos norte-americanos e da comoção de todo o mundo, havia também devaneios como o de Michel Benevento. Não ganhou muito espaço, mas serviu como registro do que pensam e como reagem alguns longe das poeiras do World Trade Center (WTC). ?Eu quero reconstruir o WTC. Agora. Exatamente do jeito que era.? Bryan Rasmussen aderiu, solitário: ?Eu doaria dinheiro para isso. O mundo deveria fazer isso?, disse, ensaiando uma campanha.

Outro caso é o Metafilter.com, um weblog clássico, não pessoal mas coletivo, que passou o dia a toda. Eram detalhes – ?o presidente falou?-, ou pedidos desesperados com dicas para aonde doar sangue. Principalmente, chamou a atenção para os sites onde quem estivesse em Nova York podia se registrar, dizendo que estava bem.

Também por email chegaram as notícias. Listas de discussão operaram a toda. Numa, o escritor e cientista social Douglas Rushkoff, autor de clássicos como ?Media Virus? e ?Generation X Reader? expôs suas dúvidas. ?Os textos da imprensa têm sido pouco detalhados, e não posso deixar de achar que estamos sendo mal informados. Um prédio que conheço, distante do World Trade Center, foi evacuado e os motoristas de um caminhão presumivelmente carregado de explosivos foram presos. Não vi isso divulgado. Também não há notícias que confirmem a história de que o avião que caiu na Pensilvânia foi derrubado por nossos mísseis antes que atingissem seu alvo. Até negativas seriam legais, mas ninguém está perguntando isso. Talvez essa ?cooperação? da mídia seja para nosso próprio bem, calculada para manter a moral alta. O tempo dirá.?

Rescaldo

Se alguns weblogs como o de Dave Winer funcionaram como um fórum, uma rede solidária de informação, ora sensata, ora desvairada, outros paralisaram as ações. Despacharam todos para outras mídias, com a mensagem do tipo ?corram para as tevês, liguem os rádios?. Nem todos aprenderam ainda como lidar com a rede."

 

"Ataque ao WTC expõe aldeia global", copyright Jornal do Brasil, 15/09/01

"Acostumados aos mirabolantes filmes de ação hollywoodianos, os americanos testemunharam ontem cenas tão brutais quanto a destruição mostrada em sucessos como Independence day (foto)

Houve um dia, em 1938, em que os Estados Unidos pararam. Quando a voz de Orson Welles anunciou que os marcianos haviam invadido a Terra, muitos americanos se desesperaram e abandonaram suas casas acreditando que o fim da humanidade chegara. Naquela época, que ainda não havia testemunhado a explosão da bomba atômica nem visto o mundo cindido pela Guerra Fria, era fácil acreditar que a empolgada narração de Guerra dos mundos, de H. G. Wells, feita pelo radialista, fosse verdade. Mas ontem pela manhã, quando as TVs anunciaram os ataques terroristas ao World Trade Center e ao Pentágono, uma América acostumada a ver explosões fantásticas nas salas de cinema teve dificuldade de acreditar que a transformação de sua paranóia terrorista em realidade não fosse mais uma ficção bolada pelos produtores hollywoodianos.

No momento em que as filmagens dos prédios pegando fogo foram ao ar, lembrando o clímax do filme-catástrofe Inferno na torre (The Towering inferno, 1974), as principais redes de TV locais tiveram que frisar que não se tratava de um filme de ação. Parecia que a explosão da Casa Branca em Independence day estava prestes a acontecer em Washington. Afinal, quem via aquelas imagens, que fizeram os Estados Unidos pararem novamente, parecia estar revendo, em tons menos heróicos, uma seqüência do filme True lies (1994), de James Cameron, na qual o espião Harry Tasker (Arnold Schwarzenegger), pilotando um caça, enfrenta o terrorista muçulmano Abu Aziz (Art Malik) no topo de um prédio comercial. Um exemplo de que os atentados que deixaram os EUA estarrecidos apenas tornaram real um pesadelo que o cinema já havia mostrado milhões de vezes. Só que de uma forma muito mais trágica do que qualquer ficção jamais contou.

Duro de matar – Todos os anos, desde o lançamento de Duro de matar (Die hard), em 1988, quando o detetive John McClane (Bruce Willis) faturou milhões se esgueirando pelos elevadores do edifício Nakatome Plaza, em Los Angeles, para encarar uma organização criminosa que invade o prédio, Hollywood sempre lança superproduções sobre terrorismo para arrecadar fortunas nas bilheterias. Por isso, na década de 90, os terroristas tomaram desde ônibus lotados (Velocidade máxima) até os escombros da desativada Alcatraz (A rocha). No caso mais recente, A senha: swordfish, de Dominic Sena, lançado no Brasil no último dia 17, John Travolta utiliza os recursos da informática para colocar o mundo a seus pés. E ainda explode um quarteirão inteiro para provar sua força.

Seria ingênuo entender toda essa produção feita até agora pelos produtores de Hollywood como uma espécie de profecia para o desastre ocorrido ontem? Segundo o professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Micael Herschmann, 36 anos, um dos principais estudiosos brasileiros sobre o fenômeno da violência, essa tendência cinematográfica espelha uma paranóia pós-Guerra Fria, onde o Fundamentalismo e a defesa de crenças específicas passaram a ser entendidas como ameaça. ?Todas as expressões artísticas dialogam com o que está presente no imaginário contemporâneo. Com o fim da Guerra Fria, os fundamentalistas, os homens que se colocam fora da ordem mundial, viraram vilões. Mesmo que de forma estereotipada pelo cinema industrial?, explica.

Ainda que de forma mirabolante, os terroristas que ganharam as telas nas duas últimas décadas tinham suas exigências baseadas em atentados reais anunciados pela imprensa. Assim, Hollywood filmou dezenas de filmes sobre aviões seqüestrados (Passageiro 57, Força Aérea Um) a partir de casos de aeronaves e ainda somou o perfil de diversos criminosos para compor o personagem Carlos, o Chacal, vivido por Aidan Quinn, em Caça ao terrorista. O medo da orientação ?kamikaze? dos homens-bomba também virou filme, O pacificador, com George Clooney, onde o cartaz já alardeava que ?o pior de todos os vilões é aquele que não faz exigências?.

Momento crítico – No final da década de 90, contudo, o Oriente Médio passou a ser o grande foco produtor de terroristas aos olhos do cinema americano, ocupando a condição que pertenceu à União Soviética, antes de sua dissolução. Em Momento crítico, por exemplo, uma facção árabe se apoderou do jato que transportava um senador americano.

Eles também foram os inimigos do Tio Sam em uma das mais polêmicas fitas de aventura dos últimos dez anos, Nova Iorque sitiada (The siege, 1998), de Edward Zwick. Nela, a Grande Maçã torna-se alvo de inúmeras explosões e assassinatos promovidos por grupos orientais, levando o Exército americano chefiado por Bruce Willis a criar campos de concentração para confinar todos os imigrantes daquela região nos EUA. Considerado xenófobo, o filme foi atacado por toda a crítica americana e acabou fracassando nas bilheterias.

Mas o amplo panorama do terrorismo não serviu apenas para entreter platéias e engordar os cofres dos grandes estúdios na interpretação da pesquisadora e ensaísta Ivana Bentes. Segundo ela, o caráter espetacular do atentado de ontem é uma prova de que os próprios terroristas adotaram a grandiloqüência como forma de atrair a atenção, tirando a catástrofe da ficção e levando-a para as ruas. ?É uma apropriação da linguagem cinematográfica, porque hoje só é possível atrair atenções para uma causa criando um espetáculo de grandes proporções?, define.

 

"Uma comunicação fatal", copyright Jornal do Brasil, 12/09/01

"O filme-catástrofe sempre exerceu intenso fascínio sobre mim: esses grandes espetáculos que encenam a ameaça de aniquilação da realidade tal como a conhecemos. Fantasias de afundamento, destruição das estruturas sociais, desmontagem das estruturas arquitetônicas do mundo. O filme-catástrofe realiza a natureza do cinema de ser um campo de energia. Não importa o conteúdo do filme, ele mobiliza, quase irracionalmente, forças básicas do inconsciente. Mesmo que forças de destruição. Esse imaginário mobiliza desde o espectador mais inofensivo, que vai comer pizza depois do filme, até os grupos terroristas que colocam em cheque o poder americano.

Numa certa medida – diante de imagens como as que vimos ontem no ataque terrorista a Nova Iorque e Washington -, o cinema parece coisa do passado. O imaginário da comunicação é o campo real, onde os atos de violência e de guerra se dão. Nas guerras contemporâneas o elemento simbólico é tão mortífero quanto as próprias armas. Grande parte delas se trava no campo da comunicação planetária, como se tudo se resolvesse num ato de linguagem. Atos de guerra são executados como atos de comunicação: mensagens realizadas, através de atos espetaculares.

Energia máxima – E essas mensagens, para atingir o número máximo de interlocutores, têm que se dar na linguagem dominante, que é a do cinema americano. Então, que se adote essa linguagem para aumentar a eficácia. O filme-catástrofe é aquele que concentra energia máxima.

No mundo globalizado a catástrofe é o que pode gerar um sentimento de comunidade renovado. Choramos juntos, na sala de jantar. A TV agora ultrapassa o cinema com seus atos cinematográficos ao vivo. E os filmes-catástrofe se tornaram realidade.

Ao realizar o filme-catástrofe os terroristas não intencionam tomar realmente o poder, como os marcianos em Independence Day, mas instaurar uma terceira guerra mundial que se travará no campo da informação. Esse fato, diferentemente do filme, é simbólico, porque está usando a linguagem do cinema-catástrofe americano para dizer uma outra coisa: vamos que sejam terroristas palestinos dizendo: os marcianos são vocês. É o choque do Oriente e do Ocidente. É a guerra do futuro. E o importante é que esse atentado é um ato de linguagem, um ato de comunicação. Assistimos à guerra se dando no campo simbólico, ainda que monstruoso: um ato de comunicação fatal."

    
    
                     
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