DIÁRIO DE NOTÍCIAS
"Ser notícia", copyright Diário
de Notícias, 17/9/01
"Alguns leitores não compreendem porque é que certas ocorrências, que consideram relevantes, não são noticiadas. É o caso de Cristina Diales, que não encontrou no DN notícia de uma portuguesa ter ganho uma medalha de prata nas Olimpíadas Internacionais de Física. Trata-se, segundo a leitora, de ?um certame onde concorrem mais de 300 jovens e no qual Portugal tem participado desde 1995?. Também Vítor Costa estranha não ter encontrado no DN e noutros jornais ?qualquer referência à prova do Nacional de Velocidade de motociclismo, recentemente realizada no Estoril?. O leitor esperava que, ?tratando-se de um campeonato nacional de dimensão razoável?, merecesse alguma atenção. Por seu turno, Nélson Henriques, em mensagem de julho passado, questiona os critérios usados pelos jornalistas para noticiarem determinados acontecimentos e ignorarem outros. Partindo da sua experiência pessoal como um dos portugueses que, todos os dias, demoram cerca de 40 minutos para percorrer 800 metros até ao IC 19, pergunta: ?Isto é notícia? Não! (…) O IC 19 só é notícia Quando existe buzinão. (…) Depois, tudo volta ao normal. (…) Voltarão ao anonimato milhares de pessoas, a quem autoridades e meios de comunicação social continuarão a ignorar (…). Quais os verdadeiros critérios para ser notícia? Esses critérios são intocáveis, incriticáveis ou mesmo dogmas??, pergunta N. Henriques.
Às omissões apontadas por Cristina Diales e Vítor Costa, o director do DN, Mário Resendes, responde, com exemplar humildade, ?às vezes falhamos?. Contudo, é justo reconhecer que, relativamente às questões do trânsito, em especial a sinistralidade, o trabalho que tem vindo a ser realizado pelo DN se inscreve num jornalismo de verdadeiro interesse público.
Quanto aos critérios de selecção dos acontecimentos noticiáveis, cada jornal, rádio ou televisão privilegia, no seu campo de observação, os acontecimentos que considera dignos de ser assinalados em função daquilo que é, a seu ver, o interesse dos seus destinatários. A maneira como um media noticioso observa os acontecimentos baseia-se em princípios gerais, entre os quais se contam a proximidade e a originalidade. A noção de ?acontecimento importante? é determinada pela ?banalidade? da vida quotidiana – o que já teve lugar tem menos importância do que o que é original. A importância de um acontecimento mede-se pelo seu grau de significação e pela sua capacidade de perturbação da vida quotidiana de uma determinada população (por isso, o buzinão ou a inauguração de um novo troço da estrada são notícia, enquanto a ?normalidade? das filas de trânsito não o é). A importância atribuída a um acontecimento depende da percepção que os jornalistas fazem do interesse que os destinatários poderão encontrar nele.
A maioria das vezes, os media seleccionam os acontecimentos a partir do seu carácter sensacional, polémico e negativo. Isso varia, contudo, com a visão que cada media tem dos seus públicos e com o seu lugar no sistema mediático (jornal de referência, popular, tablóide, etc.). O carácter sensacional ou espectacular de um acontecimento constitui uma forma particular de originalidade e releva de uma tentação populista da qual os media de massa dificilmente escapam. Seduzir, atrair o olhar ou o ouvido, causar impressão, produzir uma emoção no público é um meio de suscitar a leitura dos jornais e aumentar a audiência de rádio e televisão.
O interesse humano constitui outro factor determinante na selecção das notícias. Todavia, esse interesse não é igual para todas as populações do planeta. Existem numerosas catástrofes permanentes e dramáticas para milhares de pessoas que apenas de tempos a tempos são evocadas pelos media ou que são ignoradas. Em muitos desses casos, não há notícias porque os jornalistas não estão lá. Em geral, o acidente, o delito e o crime constituem temas com interesse assegurado.
O processo de selecção de notícias releva de uma lógica própria dos media, caracterizada por um conjunto de rotinas impostas pela continuidade. Os ?grandes temas da informação? – a vida política em geral, fenómenos da sociedade como o emprego, a inflação ou o custo de vida, os problemas da saúde com as suas implicações sobre a vida e a morte, a esperança e o desespero, a escola e a formação dos jovens, os actos de terrorismo, as coisas do quotidiano colectivo como os transportes, a circulação, os impostos e as suas perturbações, as greves, aumentos de preços, etc., inscrevem-se nessa lógica. Estas referências não esgotam, contudo, os chamados ?valores-notícia?. Os media noticiosos privilegiam as mensagens que se referem ao seu contexto e às preocupações dos seus públicos. Embora não constituam, propriamente, um ?dogma?, como refere N. Henriques, os critérios jornalísticos baseiam-se em princípios que caracterizam o chamado profissionalismo jornalístico. Esses princípios não são arbitrários nem indiscutíveis. Pelo contrário, podem e devem ser permanentemente questionados, antes de mais, pelos próprios jornalistas, mas também pelo público.
Quando os leitores questionam, com insistência, determinadas opções do seu jornal, isso deverá constituir um alerta para os jornalistas, sob pena de o ?acordo comunicativo? estabelecido entre ambos se quebrar e com ele a confiança necessária à credibilidade do jornal.
Estudo
? A literatura científica anglo-saxónica
inclui abundantes estudos sobre os critérios usados pelos
jornalistas para a cobertura dos acontecimentos que levam ao conhecimento
do público. Um dos mais conhecidos é o efectuado pelo
sociólogo americano Herbert Gans, entre 1967 e 1978, período
que abrangeu a guerra fria, a crise dos mísseis cubanos e
eleições presidenciais. Gans conduziu o seu estudo
no sentido de apurar, entre outros elementos, que categorias de
pessoas ou actores preencheram as notícias nesses anos e
quais as actividades a que os jornalistas conferiram valor noticioso.
A escolha deveu-se ao facto de, em sua opinião, os jornalistas
considerarem que as notícias devem ser, principalmente, sobre
pessoas, de preferência a grupos ou processos sociais. Os
media escolhidos foram os canais de televisão CBS e NBC e
os magazines Newsweek e Time.
Pessoas
? No seu estudo, Gans analisou milhares de peças
televisivas e impressas, tendo obtido resultados significativos:
os tipos de pessoas mais focados nas notícias eram figuras
?conhecidas? – 70 a 85 por cento -, com especial relevo para o Presidente,
cuja presença nas notícias cresceu continuamente entre
1967 e 1975. Depois do Presidente, as notícias da CBS e da
NBC focaram membros da Administração, enquanto os
magazines se dividiram entre estes e outros candidatos presidenciais
(além do Presidente-candidato). Logo a seguir, nos canais
de televisão e nos magazines analisados, os protagonistas
das notícias eram pessoas ?desconhecidas?, entre as quais,
em primeiro lugar, grevistas, manifestantes e assaltantes, seguidos
de vítimas de violência natural ou social.
Actividades
? O estudo abrangeu também as ?actividades? mais
focadas nas notícias durante o referido período. Os
resultados colocaram em primeiro lugar, na televisão, os
conflitos no seio do Governo, seguidos de crimes, escândalos,
investigações e desastres. Nos magazines, as remodelações
governamentais e a campanha eleitoral surgem em primeiro lugar,
seguidas de crimes, escândalos e investigações
e, em terceiro lugar, os conflitos no Governo.
As cerimónias que envolvem o Governo surgem, também, como assuntos frequentemente noticiados na televisão e nos magazines, o mesmo não sucedendo, no estudo em análise, com os ?ritos de passagem? – nascimentos, casamentos e mortes. Estes resultados, que constituem uma ínfima parte de um estudo que contém múltiplas abordagens sobre o processo de produção de notícias, permitem, apesar da distância temporal e geográfica, concluir que existem dados que o tempo e a distância não alteram, entre os quais se encontram certos ?valores? profissionais que caracterizam a actividade jornalística e que traduzem comportamentos que resistem e persistem."