DILEMAS DO JORNALISMO
É difícil hoje entender as notícias que dominavam os EUA antes das 8h45 de 11 de setembro. Olhar para Ben Affleck e sua luta contra o alcoolismo na capa da People, para as tenistas Venus e Serena Williams na capa da Time e para a "Guerra do vinho" na capa da Business Week, nos dias que antecederam os ataques terroristas, é perceber quão repentina, dramática e inalteravelmente o mundo mudou.
E isso, na opinião de Howard Kurtz [The Washington Post, 17/9/01], significa que o jornalismo também mudará. O governo se tornará foco constante da mídia de forma nunca vista desde a presidência de Ronald Reagan e sua luta contra o então chamado Império do Mal [a ex-URSS]. Reportagens sobre exército, serviços de espionagem, diplomacia e terrorismo global esquentarão depois de muito tempo congeladas. Explosões em Israel ou no Reino Unido não parecerão mais tão distantes. Esportes, entretenimento e fofoca voltarão a seus lugares de costume, mas pode haver menos espaço e apetite para frivolidades e celebridades.
Alguns assuntos podem deixar de ser obsessão na mídia americana. Entre eles, Kurtz destaca o deputado Gary Condit, que teve um caso com a estagiária desaparecida Chandra Levy; o navegador da Microsoft; o divórcio de Rudolph Giuliani; a barba de Al Gore, entre outros.
Jornalistas, tal com políticos, precisam sentir o humor do público. Se os EUA estão em guerra, como muitos intelectuais têm declarado, os batalhões da mídia estão prontos para uma ação contra o terrorismo ? mesmo sem um campo de batalha claro para ser coberto. George W. Bush será o símbolo mais visível desta nova era e servirá de guia para o desenvolvimento do jornalismo.
Esses eventos apenas mostrarão como o papel da mídia mudou. Na Segunda Guerra Mundial, repórteres vestiam uniforme e se submetiam à censura. No Vietnã, grande parte da imprensa se posicionou contra o conflito, abastecendo a guerra secreta do então presidente Nixon contra o Quarto Poder. Na Guerra do Golfo, há uma década, organizações de mídia revoltaram-se abertamente contra a restrição de movimentos que Bush pai impôs.
Como ficou evidente no Golfo, o público tende a ficar do lado do governo, e não da imprensa, em tempos de guerra. Oito em cada 10 americanos apoiaram as restrições feitas a jornalistas pelo Pentágono, segundo pesquisa da Times Mirror. Além disso, 60% disseram que deveria haver mais limites.
Na sexta-feira, 14, Ari Fleischer, porta-voz da Casa Branca, pediu à mídia para não noticiar a agenda de viagens de Bush para despistar ataques em potencial. Época de guerra é, de fato, o período em que quase todas as informações provêm das autoridades ? e aí estará o futuro dilema da grande imprensa.
Em tempos calmos, o jornalismo tende a superestimar pequenas crises rotineiras, como a econômica, a energética, a de saúde pública, sem contar com os miniescândalos desenhados de forma a parecer ameaçadores à moral do país. A partir de 11 de setembro e até tempo indeterminado, a superestimação de pequenices na mídia não será mais necessária.