Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bernardo Ajzenberg

COBERTURA DO TERROR

"Crítica Interna", copyright Folha Online (www.folha.com.br), 18 a 24/09/01

18/09/01 ? "O slogan ?Bin Laden: vivo ou morto? é a manchete da maioria dos principais jornais (?Globo?: ?Bush lembra faroeste e quer Bin Laden ?vivo ou morto??; Estado?: ?Bush quer Bin Laden ?vivo ou morto??; ?JB?: ?Bin Laden caçado por Bush ?vivo ou morto??). A exceção foi a Folha (?Intervenção global não evita queda recorde da Bolsa de NY?), que o publicou em submanchete (?Bin Laden é procurado ?vivo ou morto?, diz Bush?). A opção de abrir com os mercados foi também do ?New York Times? e do ?Washington Post?. O primeiro, em linha editorial ?otimista?, mostrando a ?resistência ao pânico?. O ?Post? registrou, mais friamente, a queda nas ações.

11 de setembro

1) Erra a Primeira Página ao não trazer remissão para a capa da Ilustrada, com uma bela entrevista exclusiva com os correspondentes da CNN no Afeganistão;

2) Comentário genérico: falta ao jornal um ou mais artigos que em termos de geopolítica consigam ?amarrar? os impasses que o ?mundo ocidental? passou a viver nos últimos dias diante da dificuldade de reação aos atentados. Como se encaixa a situação do ponto de vista do Direito Internacional? Até onde podem avançar os EUA? As exigências do Taleban para entregar Bin Laden não são justas? Não estão, afinal, dentro das regras do Direito Internacional?;

3) Sinto a ausência, também, de material de bastidores sobre a política externa brasileira no caso (o que FHC pretende fazer de fato?). Há articulações à vista?

4) E o que o governo brasileiro está fazendo, de fato e não com base apenas em ?on? de ministros (como há hoje), no que diz respeito a investigações de suspeitos aqui? É estranho que o FBI cobre mais rigor da polícia brasileira (conforme reportagem do correspondente em Washington) e que, aqui, o jornal não consiga trazer aos leitores o que está por trás disso;

5) Detalhe: é preciso padronizar a grafia de Allah (conforme o ?Manual?). No texto de Gore Vidal publicado hoje (pág. Especial 9), está escrito Alá;

6) Na saborosa história do advogado brasileiro detido em Nova York (pág. Especial 6), faltou a idade do sujeito. Faltou também, aliás, a idade do prefeito de Chuí (Especial 8), um dos personagens que certamente ainda vai dar o que falar nos próximos dias e semanas;

7) Faltaram alguns cuidados na retranca ?Paulista é espancado e decide voltar? (Especial 6). É provável e plausível a história da surra a ele infligida por um grupo de americanos por causa de suas feições. Mas não custava o jornal ter colocado tudo no condicional, atribuindo claramente ao rapaz todos os relatos. Houve checagem no consulado ou na polícia?

8) Não vi na Folha trechos do sermão feito ontem em SãoPaulo pelo rabino Henry Sobel por ocasião do Ano Novo judaico. A julgar pela transcrição do ?Globo? e por frases publicadas no ?Estado?, não foi um discurso banal. O rabino foi bastante enfático, em apoio aos EUA. É notícia;

9) Tudo bem que a Bolsa de NY tenha tido forte queda (e poderia ter sido diferente?), mas o jornal escondeu numa pequena tabela (pág. B4) que em termos percentuais houve quedas bem maiores ao longo deste século. Em outras palavras, a tragédia, nesse mercado, foi bem menor do que se esperava;

10) Didatismo: faltou mapa na pág. Especial 2, que mostra a situação difícil no Paquistão.

Jader

Não dá para entender o nono parágrafo da retranca ?Jader deixa presidência do Senado com ataques a PFL? (Brasil, pág. A4). Jader deu um passo em falso ao pedir inquérito contra um de seus acusadores, diz o texto. A quem se refere a reportagem? De qual inquérito se trata?

Quem PSDB e PFL querem?

A reportagem ?Candidatura Calheiros enfrenta resistência? (Brasil, pág. A6) mostra que PSDB e PFL não darão apoio a Renan Calheiros para a presidência do Senado. Mas nada traz sobre qual é o nome (ou os nomes) que esses partidos preferem. É Sarney, como prega Tasso Jereissati, por exemplo? José Fogaça? Faltam informações.

Desperdício

A sub-retranca ?Apuração é confusa e com atraso? (Brasil, pág. A7) repete o que já estava na retranca de abre do material sobre a eleição interna no PT, acima, na mesma página.

Sem olho no leitor

Como já havia acontecido ontem, hoje de novo falta mapa na reportagem sobre a visita de FHC ao município de São José da Tapera (AL), à pág. A8. É muita indiferença para com o leitor.

19/09/01 – Interessante coincidência: ao menos no uso de imagens, os dois principais jornais paulistas hoje priorizam Afeganistão e Paquistão, enquanto os do Rio mostram imagens semelhantes de policiais em NY próximos ao cartaz ?procura-se vivo ou morto? sobre Bin Laden. Nas manchetes, Folha (?EUA ameaçam países com sanções?) e ?Globo? (?EUA pressionam aliados a firmar pacto de guerra?) adotam o mesmo tema (sanções econômicas como arma). O ?JB? opta pelas dificuldades políticas dos EUA (?Aliados pedem calma a Bush?), enquanto o ?Estado? aposta no radicalismo dos afegãos (?Taleban dificulta entrega de Bin Laden?). Curiosamente, o ?New York Times? se volta, hoje, para dentro, com manchete dupla, para a ampliação das medidas que permitem à polícia caçar suspeitos e a ajuda financeira oficial às empresas aéreas.

11 de setembro

1) Tive a sensação hoje, pela primeira vez desde o início da crise, de que Folha está sem foco preciso, sem rumo editorial . A edição de hoje está rala (sinceramente, acho que houve desperdício de papel), principalmente num aspecto fundamental: as perspectivas geopolíticas, inclusive com vistas ao didatismo e ao esclarecimento aos leitores. Ironicamente, é como se o jornal, que foi muito bem na semana passada, estivesse mais equipado para cobrir uma reação imediata dos EUA do que para cobrir, passada a fervura inicial, a complexidade que agora se mostra enorme, prenunciando uma reação, talvez, menos evidente. Nesse aspecto, o ?Estado?, que vinha tendo, desde o início, a meu ver, uma cobertura errática, saiu-se melhor hoje. Não há, na Folha, nenhum material que se compare, por exemplo, ao texto que o concorrente traz sobre as divisões internas aos países criadas pelo colapso dos ?grandes impérios?; ou a outro sobre as dificuldades de uma coalizão com os EUA entre seus próprios aliados árabes. Na ignorância geral, inclusive nossa, todo didatismo será pouco. Em meio às dúvidas que todos têm, ganhará quem souber explicar melhor ao menos alguns aspectos da situação geopolítica, suas tendências e complexidades. Pois é nesse terreno que a ?nova guerra americana? deverá se dar. Qual é o papel do Brasil nessa história? Ou o Brasil não conta para nada? E, se não conta (o que não deixa de ser plausível), por que não mostramos isso? Não há um único mapa do mundo no jornal hoje. A Folha não está trabalhando esses assuntos como deveria. A meu ver, pede uma inflexão em sua cobertura;

2) A segunda impressão é que o jornal, hoje ao menos, tem material demais sobre o ?alvo? e de menos sobre a situação interna nos EUA (inclusive crise de bastidores quanto à reação). É preciso mostrar o que é o Afeganistão, claro, mas não devemos torcer o bastão demasiadamente;

3) No texto ? ?Afeganistão enfrenta catástrofe??, faltou localizar o Turcomenistão, onde está alojado o entrevistado Goedgebuur, de quem, além disso, faltou a idade;

4) As retrancas sobre o egípcio El Said Moklhes, preso na fronteira entre Brasil e Uruguai em janeiro de 99 (pág. Especial 5) afirmam que ele foi detido com passaporte falso e que se apura desde então suposto envolvimento com Bin Laden. Não é estranho que essa pessoa esteja ainda presa, já se vão quase três anos, só por suspeição? Ou a prisão por uso de documento falso justifica esse tempo na cadeia? Não está clara a situação desse homem. Além disso, o jornal, a meu ver, não deveria bancar tão abertamente que a mulher dele vive apenas de ajuda de amigos;

5) O material ?Polícia paraguaia busca suspeitos? (Especial 5) mostra o trabalho da polícia do país vizinho. E a polícia brasileira, o que está fazendo? O jornal não tem conseguido mostrar;

6) Como indiquei na crítica de ontem, o caso do brasileiro espancado nos EUA precisa ser visto com atenção e cuidados. Já se mostram contraditórias as versões dele e do consulado (Especial 6). Vale a pena manter o caso em pauta, para esclarecimento e, até, eventuais retificações;

7) Luis Nassif dedica a coluna hoje ao gesto pacifista de Madonna em seu show. Além de uma discreta nota na coluna Mônica Bergamo de ontem, nada vi no jornal sobre isso. O ?Globo? traz, hoje, mais detalhes;

8) O texto ?Crise da aviação pode forçar nova revisão da produção da Embraer? (Dinheiro, pág. B6) traz declaração de um consultor do Unibanco sobre a empresa. Não deu para entender. O que o Unibanco tem a ver com a Embraer?

9) Está perdida no meio de uma nota Panorâmica (?Inflação fica estável em agosto nos EUA?, pág. B10) a informação de que na semana passada caiu 3,5% um dos índices que mede o consumo no varejo americano. É um dado que merecia destaque, pois, como se sabe, reside justamente na reação dos consumidores uma das únicas esperanças de que a economia norte-americana não caia de vez na recessão;

10) O exemplar que recebi em minha casa veio com a encadernação trocada: o caderno ?Dinheiro/Guerra na América? dentro de Cotidiano.

Ato falho

O texto ?Ao renunciar, Jader recua para preservar o mandato? (Brasil, pág. A4) afirma logo após o intertítulo ?Telefonema a ACM? que o político baiano foi cassado, quando se sabe, obviamente, que ele renunciou na crise do painel eletrônico.

Filosofia e sociologia

A nota ?Aula prática?, do Painel (pág. A4), registra que o Senado aprovou ontem a obrigatoriedade de aulas de sociologia e de filosofia no ensino médio. Não há reportagem sobre isso em Cotidiano. Merecia.

Pane

Acho que o jornal está sendo, digamos, ?condescendente? com relação ao fiasco da votação eletrônica nas eleições internas do PT (Brasil, pág. A6). Afinal, o que aconteceu?

Branco e preto

A reportagem ?Tiroteio dentro de ônibus em túnel mata um? (Cotidiano, pág. C10) afirma que o veículo seguia para a zona norte ?…quando dois homens (um branco e um negro), de cerca de 20 anos, anunciaram o assalto?.

Pergunto: se fossem dois brancos, isso estaria registrado dessa forma? Se fossem dois negros, estaria também assim? Acho que não. Se o objetivo do texto, nesse caso, foi descrever os assaltantes, é evidente que simplesmente a cor, aqui, não é critério. Creio que ficou, então, sem sentido (para dizer o mínimo) essa caracterização pela cor.

20/09/01 – A operação até agora chamada de ?Justiça Infinita? pode (ou não) ser uma ação em grande parte pirotécnica para dar um início de satisfação à opinião pública. Em qualquer hipótese, ganhou as manchetes dos jornais de hoje.

Folha: ?EUA reforçam frota no golfo Pérsico?; ?Estado?: ?Bush manda 100 caças para o Golfo?; ?Globo?: ?EUA mobilizam frota para Operação Justiça Infinita?; ?JB?: ?EUA preparam ataque?. Deve-se enfatizar, no entanto, que os impasses sobre alvo e forma de ação continuam presentes.

O que acontece com a Folha?

A drástica redução do número de páginas dedicadas ao ?11 de setembro? (6 páginas, fora a parte econômica, contra 11 do ?Estado? ou oito do ?Globo?) até poderia, em tese, resultar em algo positivo, obrigando o jornal a um esforço no sentido de selecionar, escolher, separar o que realmente importa daquilo que é secundário ou enfeite. Mas não é isso o que se vê na edição de hoje.

Com exceção do texto de Henry Kissinger (concorde-se com ele ou não, o fato é que o ex-secretário de Estado apresenta de modo cristalino um verdadeiro programa de ação para Bush), há falta de informações, carência de análises prospectivas, supervalorização de algumas reportagens.

Exponho a seguir alguns dos itens que me levam a fazer essa avaliação negativa:

1) O jornal não traz informações sobre os aviões e os navios deslocados para o Golfo (suas dimensões, capacidades, atuações anteriores), limitando-se aos nomes e pequenas imagens;

2) Não há explicação (ou tentativa de) para o fato de o governo do Paquistão, apesar da forte oposição interna, ter-se alinhado aos EUA neste momento. Temor? Houve apoio dos EUA ao golpe que levou o atual presidente daquele país ao poder? Ou esse governo simplesmente faz um jogo duplo?;

3) Há um esforço na pág. Especial 3 no sentido de mostrar a disposição política de diferentes países (arte ?O cenário internacional?). No texto que encabeça a arte (?Apoio à retaliação militar é parcial?), porém, alguns pontos parecem obscuros: que peso possuem as relações políticas e econômicas dos países árabes ou muçulmanos com a Europa na origem real da hesitação ou da negativa de apoio integral aos EUA por parte de países europeus importantes (França, Alemanha)? Não há temor destes últimos quanto à desestabilização daquela região e consequentemente da perda de poder europeu ali, com crescimento, concomitante, do poder norte-americano nessa área do mundo? Em síntese, creio que as especulações feitas pelo jornal, embora válidas, são bastante insuficientes;

4) Não vejo sentido no fato de o jornal dedicar uma página inteira (Especial 4) para uma pesquisa que mostra que a maioria dos habitantes de NY querem a reconstrução das torres gêmeas e que o prefeito Giuliani pode prorrogar seu mandato (aliás, sobre este item, não há nenhuma explicação do ponto de vista legal: quem decide se ele pode prorrogar ou não?);

5) Na reportagem ?EUA cobram rigor de países do continente? (Especial 5), sobre a reunião da OEA ontem, nada se fala sobre o Brasil. O que a representação brasileira disse (ou não disse) na reunião? Afinal, o que quer o Brasil, país onde, afinal, situa-se a Folha?

6) Didatismo: mencionam-se golfo Pérsico, mar Mediterrâneo, mas nenhum mapa mostra onde eles ficam. Esses nomes não aparecem nas ilustrações da Esp. 1 ou da Esp. 3. Na pág. B1, o texto ?Dólar dispara e bate em R$ 2,71? menciona um tal ?flight to quality? (movimento de investidores rumo a opções mais seguras) sem fazer qualquer tradução;

7) Alguns textos chamam o mulá Omar de Mohammed (com ?e?), outros de Mohammad (com ?a?). Falta padronizar;

8) O texto ?Taleban pede diálogo; Bush quer ação? (Esp. 2) afirma que o Taleban pediu que a CNN deixe o Afeganistão. Isso aconteceu de fato? O jornal parou de cobrir a mídia? A esse respeito, aliás, registre-se que o ?Estado? já está com correspondente em Islamabad (saiu texto na edição de hoje). A Folha não terá ninguém ali?

9) A retranca ?Suposto brasileiro de origem árabe é detido na fronteira do México? (Esp. 5) afirma que Mohamed Atta foi um dos terroristas que cometeram os atentados. Atenção: por enquanto só há suspeitos;

10) Por falar nisso, registro que o site ?Jane?s Foreign Report? traz interessante texto sobre a possibilidade, aventada fortemente pelo serviço de inteligência israelense, de que os atentados tenham sido patrocinados pelo Iraque e realizados por grupos ligados a dois terroristas internacionais (um libanês e um egípcio) bem mais perigosos e ?geniais? do que Bin Laden. A Folha trouxe ontem texto do ?Le Monde? sobre eventual implicação do Iraque, mas vale a pena, creio, aprofundar a investigação e mostrar aos leitores que essa possibilidade não deve ser descartada;

11) Ainda sobre a questão de prioridades: não dá para entender, nessa conjuntura, a publicação de uma entrevista de página inteira com o dono da Gol (Dinheiro, pág. B8) na qual ele conta sua vida (interessante) e só fala pouquíssimas linhas sobre os atentados e a crise do setor de aviação. Se era para dar tanto destaque, por que não publicar esse material no caderno de Turismo, por exemplo?

12) A Ilustrada (pág. E4) publica Panorâmica sobre biografia de Bin Laden lançada na França. Por que não há remissão para o caderno especial?

13) Os concorrentes trazem hoje a informação de quantos mortos/desaparecidos existem por país de origem nos escombros de NY. São números muito interessantes que não vi na Folha;

14) Também não vi na Folha registro de manifestações realizadas ontem em Brasília em frente à embaixada dos EUA;

15) A Folha nada trouxe sobre o encontro entre Bush e a presidente da Indonésia, o país com maior número de muçulmanos do mundo, realizado ontem como parte da intensa movimentação diplomática em curso.

MST e Contag

O texto-legenda ?Elogio e protesto? (Brasil, pág. A6) afirma que o MST e ?pequenos agricultores? fizeram protesto diante do Planalto. A foto mostra, porém, também, bandeiras da Contag.

Como assim?

A reportagem ?Correção de tabela do IR…? (Brasil, pág. A6) registra declaração do líder governista Arnaldo Madeira segundo a qual, neste caso (tramitação do projeto que muda a tabela do IR na Câmara), as ?normais regimentais não serão rigorosamente cumpridas?. O que ele quer dizer com isso?

Outro lado

Inexiste qualquer sinal de ?outro lado? no abre da pág. A7, ?TCU manda devolver verba de obras do TRT (de Rondônia)?.

Mico

A reportagem ??Pagamos um mico?, diz Lula sobre eleição no PT? (Brasil, pág. A8) revela apenas a visão oficial do partido sobre as falhas. Por que não se ouvem lideranças da oposição a Dirceu/Lula? Continua falha, a meu ver, a cobertura da Folha neste caso.

Pitta e Maluf

Na capa de Cotidiano, a reportagem ?Relatório pede punição de Maluf e Pitta? afirma que ?as conclusões (do texto) não apontaram nomes?.

Aparentemente, portanto, há uma contradição. Do ponto de vista legal, como o relatório ?sem nomes na conclusão? pode pedir a punição dos dois ex-prefeitos (com seus nomes concretos)? Faltou explicar com clareza.

21/09/01 – George W. Bush fez ontem à noite um discurso pesado e claro. Só a Folha (?Afegãos pedem a saída de Bin Laden, sem fixar data?) não deu manchete para ele, optando por ficar com a notícia da manhã. Eis as manchetes dos principais jornais: ?Globo?: ?Bush ameaça atacar com ?todas as armas de guerra??; ?Estado?: ?Bush aumenta exigências e ameaças?; ?JB?: ?Bush: guerra ao talibã?. Depois de alguns dias menos enfático, o ?NYT? voltou a dar uma manchete de três linhas na edição de hoje.

A Folha descarrilou

1) A Primeira Página de hoje, na sequência de duas edições frágeis, expressa que o jornal enfrenta sérios problemas de definição de eixo na cobertura da ?nova guerra americana?. Certamente a complexidade é enorme, os dados são muitos, e muitos ?chutes? povoam a mídia. Mas algumas questões básicas não deveriam aparecer como problema. Parece-me evidente que uma manchete em quatro módulos (qualquer que seja ela) a essa altura não tem cabimento, ainda mais para um jornal que traz como chapéu de sua cobertura os dizeres ?Guerra na América?. Pior do que isso, porém, é o fato de o jornal dar como manchete a posição dos afegãos, quando o discurso feito ontem por Bush no Congresso foi, sem nenhuma dúvida, um fato jornalístico muito mais relevante (havendo guerra imediata ou não). Por que não se fez uma troca entre a edição Nacional e a SP? Por que a única troca foi apenas de uma foto por outra? A Folha tem o mérito de ter sido (até onde pude ver) o único dos principais jornais a publicar a íntegra do discurso (edição SP), mas pela edição demonstra não tê-lo lido adequadamente;

2) O mesmo ocorre com a capa do caderno especial. Diante dos fatos que ocorreram ao longo do dia e da noite, ficou gelada e com enfoque, a meu ver, impróprio;

3) O texto ?Bush promete destruir terrorismo? (Esp. 2), embora dê no lide a devida relevância ao pronunciamento, escorrega ao afirmar que o distintivo de bombeiro que o presidente exibiu ?…lhe foi dado por um dos bombeiros mortos…?. No próprio discurso Bush afirma que recebeu o objeto da mãe do homem, o que é, evidentemente, mais plausível;

4) A Folha, em alguns textos, inclusive em editorial, continua a classificar Bin Laden como milionário saudita. Pode ser mais instigante e glamouroso, mas não é jornalístico. Até porque há informações de que o terrorista nem seja mais um milionário;

5) No material da Especial 3 sobre as forças militares deslocadas pelos EUA até o momento, senti falta de um número global, que desse idéia ou estimativa de quantos militares já foram deslocados para a região do provável conflito;

6) Detalhe: a Folha tem usado no jornal a grafia de Kandahar (em mapa e créditos) para a cidade afegã que, segundo a página 310 do próprio ?Manual?, deve ser grafada como Candahar;

7) Em duas retrancas e uma foto (págs. Especial 4 e Especial 5), o jornal traz Tony Blair como personagem noticioso. Só que numa ele está em Nova York, enquanto na outra ele está em Paris. Não há explicação para esse aparente dom de ubiquidade. Li nos outros jornais, aí sim, que antes de partir para os EUA o premiê britânico esteve na capital francesa com o presidente Jacques Chirac. Mais importante do que isso, porém, é a ausência de uma análise/texto que mostre o papel essencial que Blair passou a ocupar nos últimos dias, o motivo disso e como isso pode se refletir politicamente e internamente na Europa e na relação desta com os EUA;

8) O texto ?EUA cobram cooperação do Líbano? (Especial 4), do ?El País?, menciona reportagem da revista ?Jane?s? (para a qual chamei atenção na crítica de ontem), mas sem dizer da desconfiança incluída naquela reportagem quanto à eventual participação do Iraque nos atentados. Essa informação, a meu ver, deveria constar da retranca ?Saddam oferece a Nova York ajuda humanitária? (Especial 4), oferta essa apresentada equivocadamente pela Folha, aliás, como se fosse séria;

9) Não vi na Folha registro do encontro ocorrido ontem entre d. Cláudio, o rabino Sobel e o xeque Saleh em São Paulo. O ?Globo? e o ?Estado? deram inclusive com foto;

10) Também fiquei sabendo pelos concorrentes que a brasileira atingida pelo atentado recente em pizzaria de Jerusalém chegou ontem ao Brasil;

11) O texto ?Paquistaneses começam a ameaçar estrangeiros? (Especial 7), produzido por correspondente (frila) da Folha, merecia abre de página;

12) Errou o jornal ao retirar da edição SP texto do ?NYT? que estava na Especial 2 da edição Nacional sobre a crise interna de definição político-militar no governo dos EUA. O texto é muito importante. Em vez de simplesmente trocá-lo pelo discurso de Bush, merecia uma reedição;

13) Registro o interessante texto de William Safire (do ?NYT?) sobre ?guerra psicológica? reproduzido pelo ?Estado?. A Folha, que também tem os direitos de republicação do diário americano, perdeu uma boa oportunidade;

14) A Ilustrada traz hoje várias retrancas relacionadas aos atentados e suas consequências. Deveria haver remissões recíprocas ou, no mínimo, alguma menção na capa do jornal. Destaque, nesse caso, para a emissão de show que a TV a cabo mostra hoje à noite em homenagem aos mortos;

15) A mesma falta de coordenação aparece na ausência de remissão para a íntegra do discurso de Alan Greenspan (Dinheiro, pág. B2) na reportagem ?Terror afeta economia, admite Fed? (pág. B4); ou ainda, por falar em Dinheiro, no fato de duas Panorâmicas sobre Argentina estarem editadas em separado do material de abre da mesma página (B10), que é justamente sobre o país vizinho;

16) Padronização: é curioso que os jornais do Rio escrevam talibã e os de São Paulo taleban. Parece-me mais adequada a grafia carioca, pois mesmo em inglês o som do ?e? cai neste caso para o ?i?, que imagino ser a pronúncia correta na língua original. Não tenho certeza. Sugiro verificar.

Senado e Tebet

Faltou um perfil do novo presidente do Senado no material ?Tebet é eleito presidente; crise no Senado continua? (Brasil, pág. A4).

Desperdício

A reportagem ?Serra e Tasso trocam elogios em inauguração no Ceará? (Brasil, pág. A7) não merecia um abre de página num jornal como a Folha. Ou o jornal mostra os bastidores de disputa interna no PSDB pela candidatura a presidente ou deveria parar de dar tamanho destaque a jogos de cena dos concorrentes. Mais importante, a meu ver, é a notícia, trazida pelo ?Estado?, de que o PSDB/FHC liberou abertamente, segundo José Aníbal, os seus presidenciáveis para irem à luta em público.

Caso Abravanel

Não vi na Folha interessante aspecto das investigações. Segundo o ?Estado?, já se sabe, por exames de sangue, que havia pelo menos uma quinta pessoa envolvida no tiroteio ocorrido no flat de Barueri. Esse episódio continua a ser o grande mistério de todo o caso Abravanel.

Maluf

Também li apenas no concorrente que o ex-prefeito requereu ontem à Justiça Federal reconhecimento de que já prescreveram os delitos de que o acusam em relação a emissão fraudulenta de precatórios.

Elementar

A reportagem ?Polícia agride estudantes durante protesto? (Cotidiano, pág. C5) não informa quando isso ocorreu.

Cautela

A começar pelo título, o texto ?Lâmpadas serão doadas a quem consome menos? (Cotidiano, pág. C8) dá ?de barato? que o programa de distribuição de 1,6 milhão de lâmpadas realmente será cumprido, inclusive com números detalhados. O correto seria colocar tudo na boca dos organizadores e não assumir as afirmações, como a reportagem, ingenuamente, faz.

Gosto duvidoso

Um leitor alerta para o uso inadequado de foto que, sem mencionar em legenda, traz o recém falecido professor Milton Santos, na reportagem ?Aparelho torna cirurgia ocular mais precisa? (Folha Equilíbrio, ontem, pág. 6). Acho que ele tem razão. Isso poderia ter sido evitado.

24/09/01 – Como tem sido marca nos últimos dias, a Folha privilegia em manchete declarações ou posicionamentos do Taleban, como se precisasse se confrontar com a tendência oposta (igualmente negativa) que se vê nos concorrentes. As capas dos jornais hoje o mostram com clareza: Folha: ?Bin Laden sumiu, diz Taleban?; ?Estado?: ?Os EUA dizem que o Taleban mente?; ?Globo?: ?EUA conquistam aliados e iniciam cerco ao Talibã?; ?JB?: ?EUA duvidam do ?sumiço? de Bin Laden?. No fim de semana, destaque para o caderno especial da Folha sobre o Islã e para a curiosa revelação, trazida pela ?Veja? e recuperada pelos jornais hoje, de que um dos irmãos de Bin Laden é cônsul honorário do Brasil em cidade saudita.

11 de setembro (fim de semana)

1) Com exceção daquela publicada à pág. Especial 4 de hoje (segunda-feira), muito interessante, por sinal, as reportagens provenientes do enviado especial ao Paquistão publicadas no sábado e no domingo não trouxeram o chamado ?sabor local? (impressões de rua, depoimentos, descrições inusitadas etc). Mais pareciam despachos de agências de notícias. Em contraste com isso estão, além do mencionado texto de hoje, a reportagem ??Bin Laden não é terrorista?, diz slogan?, enviado de Delahore (sábado, Especial 3), e ?Notícias de uma guerra particular? (domingo, Especial 10).

Especificidades são o que justifica a presença de um correspondente, promovendo um diferencial. O jornal, creio, deveria dar atenção especial a isso;

2) Detalhe: a retranca ?OEA aprova atuação conjunta contra o terrorismo? (sábado, Especial 6) não informa onde ocorreu a reunião da instituição;

3) A reportagem ?Lei internacional não impede retaliação, dizem analistas? (domingo, Especial 4) tem pauta interessante. Deixa de colocar, porém, uma questão básica: como fica essa avaliação no caso de não haver (como até agora) provas de verdadeiro envolvimento do Afeganistão? Ao não colocar essa dúvida, o texto cai numa análise abstrata, embora válida;

4) Persiste um desafio: qual é, numericamente, o contingente de militares já deslocado pelos EUA para o ?teatro de operações??;

5) Faltou mapa no texto ?Grupo anti-Taleban relata avanço? (hoje, Especial 3), que menciona várias cidades;

6) Na reportagem ?EUA confirmam queda de avião-espião? (hoje, Especial 3), mostram-se as características desse avião, mas não os equipamentos que ele carrega para fazer a espionagem;

7) O texto ?EUA levam serviço secreto para SP? (Especial 6, hoje) traz algumas imprecisões. O Serviço Secreto não é um departamento à parte; ele faz parte do Departamento do Tesouro. Embora o faça, por ?cortesia? e alguma tradição, não está entre suas funções principais, como diz o texto, ?proteger o presidente e sua família?, mas sim combater a falsificação de moedas. FBI e CIA não são vinculados diretamente à Casa Branca, como o texto dá a entender. O primeiro é ao secretário da Justiça; a segunda, ao Conselho de Segurança Nacional;

8) Detalhe de edição: deveriam estar editados conjuntamente os dois textos que falam da possibilidade de um retorno ao poder do rei exilado do Afeganistão (Especial 7 e Especial 8, hoje). Ambos trazem, registre-se, informações diferentes. O primeiro diz que o rei se diz pronto a reassumir. O segundo mostra como isso é improvável, até pela idade do personagem (86 anos);

9) Pequeno reparo em relação ao caderno ?Todos os mundos do Islã? (domingo): faltou explicar o que é o mulá, título atribuído, por exemplo, ao chefe do Taleban;

10) Chamo atenção para anúncio publicado ao pé da página C4 (sábado), sobre brasileiros mortos em NY. Vale, creio, pautar algo;

11) No texto ?Escombros começam a cheirar mal? (sábado, Especial 4), especialistas afirmam que ?…levaremos entre 180 dias e seis meses para tirar todo o entulho…?. Não é a mesma coisa?

12) A legenda da pág. Especial 8 trata como oficial um militar que certamente é um ?corporate?, ou cabo. A verificar.

Lavagem e Maluf

Não deu para entender o motivo pelo qual o jornal publicou a reportagem ?Suíça pune bancários ligados à lavagem? (Brasil, A6, sábado). Traz informação de 1991, sem qualquer gancho.

Se o jornal tivesse publicado algum material ?quente? sobre o ex-prefeito Paulo Maluf, por exemplo, como fizeram no sábado o ?Estado? (sobre o caso Jersey) e o ?Globo?, mostrando incrível frase discriminatória pronunciada por Maluf na sexta-feira, essa retranca faria sentido, como apoio.

Cuidado

Creio que o caso do deputado Damião Feliciano, acusado de tentativa de extorsão na CPI das obras inacabadas, merece bem mais cuidado, com destaque especial para o ?outro lado? do parlamentar (?Oposição pede inquérito contra deputado?, Brasil, sábado, pág. A7).

Didatismo

1) Apesar de perceptível esforço nesse sentido, ficou difícil entender a relação entre uma coisa e a outra , em ?Compulsório dos depósitos a prazo sobe e disfarça aumento de juros? (capa de Dinheiro, sábado);

2) A coluna Luis Nassif (sábado) menciona uma tal ?PEC da saúde?. O que é PEC? O leitor comum certamente não sabe;

3) Faltaram a idade e a nacionalidade do economista Herbert Ungerer, entrevistado de destaque na pág. A4 (domingo);

4) Faltaram a idade e o ?zoom? na ?Entrevista de 2a? com o presidente da Petrobrás. Se há um modelo de edição de entrevista diferenciado para as segundas-feiras, por que o jornal não o aplica?

Iniciais

A polêmica é velha. Por que o jornal não publica o nome inteiro da mulher de 33 anos responsável por expor quatro meninas à prostituição (?Quatro meninas são presas por prostituição no norte de Minas?, C6, sábado)? Acho um equívoco, neste caso. Faltou, no mínimo, uma explicação.

Acusado de quê?

O texto ?Gaeco apresenta denúncia contra ex-deputado? (C8, sábado) não diz por que Hanna Garib foi cassado. Quem não acompanha o caso não entende o motivo pelo qual ele teria tentado corromper testemunhas (objeto do texto).

Edição

As páginas C9 e C10 (edição SP) trazem, em versões de tamanho diferentes, a mesma reportagem (?PM e jornaleiro são mortos em assalto em SP?)."

    
    
                     
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