Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A volta dos nomes feios

LINGUAGEM

Luís Edgar de Andrade (*)

Quando entrei para a revista O Cruzeiro, há 40 anos, me incumbiram de uma reportagem sobre Eduarda Duvivier, menina de 11 anos, que tinha escrito um livro de poesias com prefácio do poeta Manuel Bandeira. Na diagramação, dez poemas foram escolhidos para publicar. Um deles, sobre o rio Sena, em Paris, terminava com estes versinhos admiráveis: "Sena, você é grande./Tem as sereias e os cocôs dos reis".

Na véspera de a revista circular, as provas heliográficas, como se dizia naquele tempo, foram parar na mãos de Amélia Whitaker Gondim de Oliveira, a dona Lili, presidente da empresa e mulher do diretor, que subiu pelas tamancas: "A palavra cocô na minha revista, jamais!" Substituíram às pressas o poema do Sena por outro sobre o Arco do Triunfo, também em Paris, no qual a menina conversa com o túmulo do soldado desconhecido: "Eles querem saber o nome do soldado/ Mas você não fala nada".

O cocô me persegue. Quando morei em Paris, como correspondente do Jornal do Brasil, meu hotel ficava em frente à estação do metrô Cambronne. Para quem não sabe, Cambronne na França é palavrão. Os franceses educados não dizem "merde", dizem "le mot de Cambronne". Pierre Cambronne foi o último dos generais de Napoleão. Seu nome figura, em destaque, no Arco do Triunfo. Quando a Inglaterra venceu a França, na batalha de Waterloo, a 18 de agosto de 1815, o general Cambronne, intimado a se render, proferiu a resposta que o imortalizou: "Merde!"

Esse herói derrotado fez discípulos no Chile, país em que o patriotismo se manifesta, nas ruas, aos gritos de "mierda!". Em 1970, quando o Congresso chileno proclamou a eleição do presidente Salvador Allende, um deputado socialista interrompeu a sessão conjunta da Câmara e do Senado para gritar, muito feliz: "Viva Chile, mierda!"

Aqui não é bem assim. Durante a censura militar ao Pasquim, o cartunista Jaguar cunhou uma série de sucedâneos para os nossos palavrões. A interjeição "putzgrila", no sentido de "p.q.p.", ficou tão popular que os cariocas, nos bares, diziam "putz" e não "quot;p…". Pensei que "putzgrila" e "putz" estivessem no dicionário Houaiss, mas não estão, quero meu dinheiro de volta.

Cento e cinqüenta painéis luminosos, espalhados nas ruas do Rio de Janeiro, com um cartaz de Ziraldo, me fizeram pensar em Cambronne, Eduarda Duvivier e "putzgrila" a esta altura do campeonato. O cartaz proclama aos quatro ventos, em fundo branco, que "Droga é uma merda". Embora os sociólogos tenham previsto há muito tempo que os nomes feios perderiam aos poucos sua força expressiva, houve na imprensa carioca quem ainda se escandalizasse com a campanha da prefeitura.

Velho leitor da Folha de S.Paulo, não me abalo mais com merda alguma. A Folha passou, nos anos 90, por sua fase anal, quando a palavra "c…" era usada, com todas as letras ? em citações, é claro ? para chocar o paulista. O que é do gosto regala o peito. Ou, como diria o Cony, com seu latim, de gustus et coloribus non disputandum.

(*) Jornalista

    
                  

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