Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Se a farinha é pouca, meu pirão primeiro!

ECONOMIA & ESCRAVIDÃO

Vera Silva (*)

Leio duas revistas de economia por necessidade de conhecer o mundo econômico em que vivemos e as pressões que sofremos. São, e por isso leio as duas, diferentes em suas abordagens, facilitando-me o exercício de pensar: Exame, do Grupo Abril, e Carta Capital, da Carta Editorial.

A Carta Capital n.? 156, edição de 12/9/01, publicou artigo de Sérgio Lírio, de Rosário, no Maranhão, intitulado "A turma do Ronald", em que conta em 2 páginas a história de menores que trabalham numa cooperativa (que de cooperativa não tem nada) enchendo o Berinjela, um boneco da Turma do Ronald. São 2 milhões de peças que serão produzidas até o final de setembro, numa cadeia de empresa contratando empresa, de McDonald?s para Estrela, para confecções El Charro, para a Cooperativa (!) de Rosário. O detalhe é que as pessoas, inclusive as crianças, trabalham 10 horas por dia para receber R$ 30 por 2 semanas de trabalho.

A Exame n.? 19, edição de 19/9/01, publicou reportagem (com chamada de capa) de 12 páginas, assinada por Cláudia Vassallo, intitulada "Nós adoramos esse lugar". Na reportagem desfilam os funcionários da McDonald?s contando como e por que a empresa foi eleita por eles a melhor empresa para você trabalhar no Brasil. Podem-se ler depoimentos como o de uma gerente de restaurante que diz: "Considero-me um pouco mãe e muito amiga das pessoas que trabalham comigo."; ou o da autora do artigo, que diz: "Na hora do sufoco, não há lugar para hierarquia e individualismo na cozinha do McDonald?s."

Fiquei espantada tanto com o descaso das autoridades de proteção à criança da cidade de Rosário quanto com a ignorância dos funcionários da McDonald?s sobre a origem do seu bem-estar. Os bonecos da Turma do Ronald são o chamariz de seu lucro, assim como o chamado McDia Feliz. Ao longo do mundo, a empresa faz dinheiro usando o trabalho infantil, quando finge ignorar a cadeia perversa da terceirização, mas os seus empregados de carteira assinada, nas grandes cidades, estão felizes com os benefícios advindos do trabalho escravo.

Agora, perguntei-me, faço o quê? Lamento a ignorância da redatora-chefe da Exame ou duvido da reportagem da Carta Capital? Faço o que com as listas de melhor isto e aquilo, aplique aqui ou ali, analiso assim ou assado? Paro de ler tudo e vou catar coquinho? Optei por escrever este artigo porque até aqui nunca tive motivos para duvidar da seriedade dos órgãos de informação dirigidos pelo Mino Carta, mas confesso que tremi.

Os analistas econômicos de nossa mídia estão cada dia mais parecidos com o serviço de inteligência americano. Nem desconfiaram do que acontecia debaixo de seus narizes. Ou será que sabiam e apostam nos seus empregos, pois "Na hora do sufoco, não há lugar para hierarquia e individualismo"?

Não preciso explicar o título deste artigo, preciso? Talvez lembrar que a violência começa com essas pequenas tragédias diárias.

(*) Psicóloga

    
    
              

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