GUERRA NA MÍDIA
"A reação dos intelectuais aos gritos de guerra", copyright O Estado de S. Paulo, 29/09/01
"E os intelectuais, como têm se comportado diante dos últimos acontecimentos? O saldo tem sido positivo. As melhores cabeças não se enrolaram na bandeira americana nem perderam a perspectiva histórica dos atentados do dia 11. Tampouco se eximiram de levantar questões que nem as bombas no World Trade Center conseguiram implantar na cabeça do presidente Bush. A questão do mal, por exemplo. Bush usa e abusa dessa palavra, com uma assustadora dose de leviandade. ?Sempre a usam quando não se consegue explicar o que de fato aconteceu?, observou o crítico de arte e expert em pós-modernismo Hal Foster, na edição especial da London Review of Books que acaba de sair, com depoimentos de seus mais ilustres colaboradores.
Satanizar é fácil. E perigoso. Como fácil e perigosa é tentação da vingança babilônica, da lei de Hamurabi e a lei de Talião: olho por olho, dente por dente. Fácil, perigosa e inútil, conforme salientou dia desses, no El País, o escritor mexicano Carlos Fuentes, convicto de que de represália em represália, acabaremos sugados por uma ?espiral incontrolável de violência?. Em escala mundial.
Se pratica o mal quem mata inocentes, os terroristas islâmicos não estão sozinhos nessa liga. Charles Glass, intelectual que mora em Jerusalém e viaja muito pelo Oriente Médio, viu os atentados nos EUA pela televisão, horrorizou-se, enlutou-se, mas nem por isso deixou de lembrar os que viu de perto: ?Na Líbia, quando aviões americanos atingiram gente dormindo e desarmada; no Iraque, quando o governo americano enviou correspondência com explosivo para o ditator iraquiano, matando gente que antes fora estimulada por Washington a pegar em armas para depor Saddam Hussein; no Líbano, quando um navio de guerra americano bombardeou um punhado de casas; na Somália, quando o governo americano decidiu armar os somalis, condenando-os à extinção mútua; e nos territórios palestinos ocupados pelas forças israelenses em 1967, onde armas e dólares americanos ajudaram a confiscar terras e impor regras aos nativos.? Para Glass, todas essas ?vítimas do mal? também tinham direito a clamar por vingança, como agora estão fazendo os americanos.
?Não sei o que é mais assustador: se o horror que engolfou Nova York ou a retórica apocalíptica da Casa Branca?, confessou Eric Foner, preocupado com as evidentes ameaças que pairam sobre as liberdades civis na América. ?Fazia tempo que políticos reacionários e autoridades repressoras esperavam uma oportunidade para implantar nos EUA um estado policial a serviço dos interesses das grandes corporações. Os terroristas islâmicos lhes deram uma boa desculpa?, comentou Gore Vidal na TV italiana.
?Pranteemos nossos mortos, sim, mas não sejamos estúpidos?, exortou Susan Sontag, na New Yorker da semana passada. Estúpidos de engolir a oratória maniqueísta, a fúria irracional, arrogante e vindicativa das ruas, a manipulação das emoções pela mídia e a confusão que se estabeleceu entre conceitos como guerra e terrorismo, bem e mal, civilização e barbárie, covardia (os camicases podem ser tudo, menos covardes) e heroísmo (é preciso incluir entre os heróis da América a deputada Barbara Lee, único membro do Congresso dos EUA a votar contra os atos de guerra de Bush).
Guerra é um conflito entre Estados ou nações. Osama bin Laden não representa Estado algum. O que estamos vendo é uma mobilização militar contra uma rede de terroristas, semelhante à ?guerra? contra as drogas (que fracassou) e não à Guerra do Golfo, Vietnã, Coréia, etc. Contra uma rede de terroristas, mas não contra o terrorismo tout court, já que isso implicaria estender as ações dos americanos ao Reino Unido (contra o IRA) e à Espanha (contra o ETA), em nenhum momento cogitadas. A comparação dos atentados do dia 11 ao ataque a Pearl Harbor foi outra hipérbole. Por trás do ataque a Pearl Harbour havia de fato um império, que, além do mais, atacou sem aviso prévio, ao contrário dos terroristas comandados ou influenciados por Bin Laden, que, não custa lembrar, fizera uma declaração de guerra aos EUA em fevereiro de 1998.
Porque somos crias da cultura americana, que tantos momentos de prazer nos deu e dá, por certo nos repugna a idéia de um mundo inteiramente dominado pelo fanatismo islâmico, irracional, intolerante, teocrático/ideocrático, agônico, sem cinema, TV, jazz e outros civilizados deleites, com aqueles energúmenos martelando a cabeça com o punho, interpretando malevolamente o Alcorão e sem nada a oferecer às nossas necessidades de alegria, felicidade e estesia. Mas os fanáticos são a exceção e, por isso, não devem ser tomados como modelos representativos da cultura, da civilização islâmica.
Sim, eles representam a barbárie. Mas como qualificar os americanos que contribuíram para a morte de quase meio milhão de crianças no Iraque, os israelenses que trucidaram 17.500 civis durante a invasão do Líbano em 1982 e as ditaduras sanguinárias que os EUA apoiaram, armaram e financiaram pelo mundo afora nos últimos 50 anos? Aliás, onde mora a barbárie? Tem ela residência fixa? Que língua ou línguas fala? Terry Eagleton propôs um embate curioso: de um lado, ?os fundamentalistas fanáticos de Montana?; do outro, ?a sabedoria de artistas como Naguib Mahfouz ou Abd al-Hakim Qasim?. Nesse embate, por exemplo, a barbárie mora no interior dos EUA, fala inglês e não faz a menor idéia de quem sejam Mahfouz e Qasim.
É bastante provável que Bush também desconheça esses dois orgulhos da civilização árabe. A cultura não é o forte desse texano de poucas luzes, deficiência que os marqueteiros da presidência vêm tentando dissimular, até agora sem sucesso. Horas depois de sua furiosa fala no Congresso, ele desfilou pelos jardins da Casa Branca gestualizando com uma das mãos um tiro de revólver e trazendo um livro debaixo do braço.
Estaria tentando forjar para si próprio a imagem de um caubói intelectual e humanista? O único caubói intelectual que conheço é o ator e dramaturgo Sam Shepard. Talvez seja mais fácil o Taleban permitir que suas mulheres andem nas ruas de biquíni do que Bush virar um intelectual humanista.
Até ontem, ao menos, ele continuava falando como sempre falou. Ou seja, como Bruce Willis. O excelente crítico de cinema da New Yorker Anthony Lane reviu em vídeo Nova York Sitiada e comprovou uma suspeita: quase todas as bravatas do presidente, desde os atentados, foram (inconscientemente?) plagiadas daquele profético disaster movie – razão pela qual já lhe deram o merecido apelido de Bush Willis.
O fim da inocência dos americanos é outro tema que escritores, poetas, artistas e pensadores têm discutido com enorme freqüência. ?O vôo 175 da United Arlines era um míssil intercontinental apontado para a inocência americana, uma ilusão anacrônica e um luxo?, escreveu no El País o escritor britânico Martin Amis. O poeta polonês Czeslaw Milosz, Nobel de literatura em 1980, incomodava-se à beça com a vocação para avestruz dos americanos, com sua crença de que nenhuma desgraça, salvo as naturais, podia atingi-los; que jamais precisariam purificar-se através do que Milosz chamava de ?sofrimento histórico?; que lhes bastava fechar os olhos e virar as costas para o resto do mundo, pois Deus tomaria sempre conta da redoma, cuidando para que as bombas caíssem sobre outros lugares e outras gentes. A redoma quebrou, explodiu, a inocência pode ter acabado, mas a arrogância, infelizmente, permanece intacta.
Dia desses, a CNN mostrou um histérico chofer de táxi nova-iorquino, gritando: ?Vamos mostrar ao mundo que nós ainda somos o número 1!? O que mais precisa acontecer para amansar o húbris americano?"
"Adrenalina motiva jornalista na guerra", copyright Folha de S. Paulo, 30/09/01
"Sangue frio e muita ousadia compõem a receita para repórteres e cinegrafistas de TV que se aventuram por um país em conflito -o que pode voltar a ocorrer caso os EUA decidam atacar o Afeganistão, desencadeando uma guerra. Para quem já trabalhou num campo de batalha, a adrenalina e a emoção de estar ?presenciando a história? parecem compensar os riscos.
?Gosto dessas coberturas, têm adrenalina. Claro que o medo sempre está lá, mas faz parte. Sem ele, um câmera se arrisca demais, e aí é morte na certa?, diz o cinegrafista Sérgio Gilz, que cobriu guerras no Kuait, Líbano e em Sarajevo, entre outras. ?E os câmeras são os que mais correm perigo, pois estão sempre na frente e são mais visados, já que captam imagens muitas vezes proibidas. Em Sarajevo, os guerrilheiros chegavam a pagar US$ 500 por um cinegrafista morto.?
Imagens indesejadas -pelo menos para as partes em guerra- costumam ser o elemento que acentua o perigo para as equipes de TV. ?No Afeganistão, andávamos com as fitas gravadas amarradas na cintura, com medo de perdê-las?, conta Ana Paula Padrão, da Globo, que também esteve em Kosovo.
Além do constante risco de vida, outros fatores, como falta de comida, energia elétrica, e, muitas vezes, a impossibilidade de descanso contribuem para o estresse nesse tipo de cobertura. ?Na guerra do Golfo, cheguei a ficar quatro dias sem dormir. De tão cansado, entrei no ar, por telefone, no ?Jornal da Globo? e não me concentrava. Repetia a mesma coisa sem parar, não lembrava o nome de um ministro e ficava dizendo: ?Espera aí que eu vou me lembrar?. E isso ao vivo?, conta o repórter Carlos Dorneles.
Há também a dificuldade de se conseguir notícias. ?Sempre há um cerceamento?, diz Luiz Carlos Azenha, que cobriu a invasão americana no Panamá, nos anos 80, para a TV Manchete. Mas ser brasileiro pode ajudar. ?As pessoas simpatizam com a gente, falam de futebol, nos consideram neutros. Aí fica mais fácil conseguir informação?, diz o repórter Ernesto Paglia, que esteve no conflito entre Irã e Iraque."
"?Temo um novo macarthismo?", copyright Jornal do Brasil, 30/09/01
"Além de apoiarem como nunca o presidente George W. Bush, que atingiu recentemente o recorde de 90% de aprovação popular, os americanos são amplamente favoráveis à redução das liberdades civis em troca de duras medidas policiais que evitem novos atentados como os do dia 11 contra o World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono, em Washington, conforme uma pesquisa publicada ontem pelo jornal The Washington Post. Segundo o diário, mais de 70% dos americanos aprovam ações como a interceptação de mensagens eletrônicas sem uma permissão expressa dos tribunais e a detenção por tempo indeterminado de estrangeiros. Essas propostas fazem parte de um pacote de segurança enviado ao Congresso pelo governo, que pediu sua aprovação com urgência. Na contramão da maioria, Nadine Strossen, presidente da Associação Americana de Liberdades Civis (ACLU na sigla em inglês), diz que essas medidas podem levar a uma caça às bruxas semelhante à perseguição liderada nos anos 50 pelo senador Joseph McCarthy, que se lançava contra qualquer pessoa acusada de ser comunista. ?Muitas das medidas propostas agora copiam algumas das piores características da era McCarthy?, disse Nadine ao Jornal do Brasil, por telefone, de sua casa em Nova York. Para a presidente da ACLU, o governo já tem poderes demais e a questão é outra: ?Vários dos supostos envolvidos nos atentados do dia 11 aparentemente já estavam em listas de suspeitos do FBI. As autoridades agiram? Fizeram uso dessa informação??
***
-Que conseqüências o pacote proposto pelo governo pode trazer para a sociedade americana?
-Ainda é cedo para fazer previsões mas, se aprovado, esse pacote reduziria dramaticamente as liberdades nos Estados Unidos, mesmo no caso de pessoas que não são suspeitas de crime algum. No entanto, estou muito animada devido a acontecimentos recentes. Parlamentares dos dois grandes partidos políticos ouviram as críticas feitas pela minha organização e por outros grupos preocupados com os direitos individuais, e disseram ao secretário de Justiça, John Ashcroft: ?Não, nós não vamos aprovar essa legislação imediatamente.? É verdade que o Congresso aprovou uma resolução que autoriza o uso de força militar, mas mesmo isto foi relativamente limitado. Por exemplo, os parlamentares chegaram a examinar uma resolução que daria mais poderes ao presidente, tanto nos Estados Unidos quanto fora do país. Mas, como resultado da pressão da minha organização e de outros grupos, o Congresso não aprovou a proposta.
-Que tipo de poderes?
-Eram muito amplos e vagos: todos os poderes necessários para combater o terrorismo nos Estados Unidos e no exterior. O Congresso também examinou uma declaração formal de guerra, e não a aprovou. Isto é muito significativo porque, conforme nossa Constituição, uma declaração desse tipo dá automaticamente ao presidente poderes de emergência para suspender algumas liberdades civis. O presidente, os militares e outros funcionários do governo dizem o tempo todo que estamos em estado de guerra contra o terrorismo. Mas tudo isto não passa de retórica. Em termos legais, não estamos em guerra. Mas há outras coisas que causam preocupação. Uma delas é o preconceito e a violência contra os árabes-americanos, as pessoas que vêm do Oriente Médio, as pessoas com raízes islâmicas ou aquelas que são confundidas com árabes. No entanto, tenho que ressaltar que não me lembro de situação alguma em que funcionários do governo não tenham respondido apropriadamente às queixas a respeito desse tipo de discriminação. O prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, e o presidente Bush, em suas primeiras declarações no dia 11 de setembro, disseram que não deveríamos admitir intolerância de tipo algum com base em crenças religiosas ou diferenças étnicas, e que não poderíamos permitir que alguém fosse tomado como bode expiatório.
-Mas o FBI está pedindo a universidades arquivos sobre estudantes estrangeiros.
-Sim. De fato há problemas em torno dos estrangeiros. Tanto a legislação proposta pelo governo quanto as investigações, não apenas a respeito dos estudantes, mas também sobre as dezenas de pessoas que foram detidas, estão baseadas, em muitos casos, no fato de os suspeitos serem imigrantes. Infelizmente, como resultado da Lei Antiterror de 1996, o Executivo já tem poderes amplos para deter e investigar pessoas mesmo com base em provas secretas. Estamos fazendo uma pesquisa para ver que instrumentos legais podemos usar em defesa dessas pessoas.
-A respeito do pacote apresentado pelo governo ao Congresso, quais são os riscos que essas medidas representam caso aprovadas?
-Há três grandes perigos. Primeiro, o Executivo teria poder para deter indefinidamente e para deportar qualquer estrangeiro, mesmo os que vivem há muito tempo no país em situação legal, caso o secretário de Justiça afirme que a pessoa em questão pode representar um perigo para a segurança nacional. O secretário de Justiça não precisa fornecer prova alguma. Já é ruim o bastante o fato de que, de acordo com as leis de 1996, esse tipo de detenção possa acontecer com base em provas secretas. Agora, o governo está propondo que as detenções ocorram sem prova alguma. O segundo grande problema seria o poder do Executivo para fazer vigilância eletrônica, também sem limites judiciais. O governo americano já tem amplos poderes nessa área. A maioria das informações interceptadas atualmente inclui muito mais mensagens inocentes do que dados relacionados a crimes. Com a nova legislação, esses poderes seriam ampliados, e as barreiras judiciais, reduzidas. Isto resultaria em violação da privacidade, da liberdade de expressão e da liberdade de associação. A terceira maior área de preocupação está relacionada ao poder que o Executivo teria para garantir o cumprimento da lei. Embora a proposta de Ashcroft tenha sido apresentada como algo necessário para combater o terrorismo, na verdade a maioria das medidas se referem não apenas a crimes dessa natureza, mas a todos os crimes. Nos Estados Unidos levam-se aos tribunais vários casos envolvendo drogas, incluindo a posse e o uso de maconha, algo que, para muitos, sequer deveria ser considerado um crime. Mas mesmo nesses casos o governo poderia usar seus novos poderes, incluindo a permissão para realizar buscas secretas. Atualmente, apenas em circunstâncias muito excepcionais o governo pode pedir à Justiça que atrase a notificação de busca a um suspeito. Isso só acontece quando se está investigando um crime muito sério e quando as provas correm o risco de serem destruídas caso a notificação fosse feita. Segundo o pacote apresentado ao Congresso, essas buscas secretas poderiam se tornar muito mais comuns. Outro problema da legislação é que a definição de terrorismo é muito extensa e engloba também protestos políticos legítimos e pouco violentos. Por exemplo, alguém que participe de uma manifestação contra o Banco Mundial e quebre a janela de um prédio pode ser enquadrado na definição, porque os elementos em questão são a motivação ideológica e os danos à propriedade.
-Se o pacote não for aprovado, o que poderia usado em seu lugar para combater o terror?
-Em primeiro lugar, o governo já tem poderes muito amplos. E é importante notar que conseguimos formar uma grande aliança para lutar pela liberdade, uma coalizão que inclui não apenas a ACLU e outros grupos de defesa dos direitos civis, mas também algumas das entidades mais conservadoras dos Estados Unidos, como a Organização dos Valores Tradicionais da Família. Numa sociedade democrática não podemos aceitar uma mera afirmação, feita pelo Executivo, de que é necessário aprovar esta ou aquela medida. O Congresso tem o dever de examinar os poderes que já existem e de perguntar por que esses poderes não foram suficientes para impedir um ataque terrorista. Vários dos supostos envolvidos nos atentados do dia 11 aparentemente já estavam em listas de suspeitos do FBI. As autoridades agiram? Fizeram uso dessa informação? Alguns especialistas em inteligência disseram já dispor de tanta informação, que não podem sequer analisá-las. É claro que o governo tentará aumentar seus próprios poderes apelando para o medo das pessoas. Mas temos tido exemplos repetidos na história americana de reações de pânico que depois lamentamos profundamente: o confinamento de japoneses americanos durante a Segunda Guerra Mundial e a lista negra composta de pessoas com tendência de esquerda durante o macarthismo, além da deportação de estrangeiros e a prisão de jornalistas que criticaram o governo no século 18. O FBI é notório por seus abusos de poder, não para nos proteger de ameaças internas ou externas, mas para proteger o governo de movimentos legítimos de reforma.
-Existe um risco de se criar um novo marcarthismo?
-Certamente. Temo um novo macarthismo. Muitas das medidas propostas agora copiam algumas das piores características da era McCarthy. Reproduziu-se a noção de culpa por associação, além da caracterização de crime ideológico e do poder do governo de impedir que certas pessoas entrem no país devido a suas crenças políticas. Há uma medida retroativa no novo pacote segundo a qual se alguém deu dinheiro a uma organização legal, que depois é considerada terrorista, então essa pessoa pode ser condenada por um crime muito sério, o de apoiar atividades terroristas, mesmo que essa não tenha sido sua intenção.
-Há outra medida segundo a qual podem-se conseguir provas fora do território americano seguindo as diretrizes de inteligência e não as diretrizes judiciais. O que isso significa?
-Atualmente, o governo não pode procurar informação sobre alguém sem a suspeita de que essa pessoa cometeu ou cometerá um crime, e sem autorização da Justiça. Em 1978 foi aprovada uma lei que deu à CIA e outras agências poder para vigiar estrangeiros fora do país, ou agentes de governos e organizações estrangeiros nos Estados Unidos. Mas essa lei é restrita à área de inteligência internacional e não pode ser usada para reunir dados sobre americanos. Conforme o novo pacote, o FBI e a CIA poderiam obter informações também sobre americanos, mesmo nos Estados Unidos e sem que houvesse uma forte suspeita contra essas pessoas.
-Há risco de o Congresso aprovar o pacote apenas com pequenas mudanças?
-Certamente, embora eu não saiba dizer o quão grande é esse risco. Ainda é cedo para fazer qualquer previsão. Há parlamentares que são favoráveis à aprovação de algumas medidas não muito polêmicas, há outros favoráveis à aprovação de todo o pacote, mas em caráter provisório, e outros que defendem que não se aprove medida alguma da proposta do governo.
-Se algumas das medidas mais drásticas forem aprovadas, há alguma forma de derrubá-las?
-Sim. Depois do atentado de 1995 em Oklahoma, aprovaram-se dois grandes blocos de leis com o mesmo objetivo das medidas propostas agora: aumentar o poder de vigilância eletrônica das autoridades e estender o poder do governo sobre estrangeiros. A ACLU foi à Justiça argumentando que várias daquelas medidas violavam direitos constitucionais, e fomos bem-sucedidos. Mais recentemente, ganhamos dois casos na Suprema Corte.
-Essas medidas não representam uma contradição para um governo que diz lutar contra o terrorismo em nome da liberdade e da democracia?
-Certamente. E é interessante observar que toda a retórica do presidente Bush e de vários parlamentares se dedica a afirmar repetidamente que os terroristas conquistariam uma vitória se nos aterrorizassem a ponto que abandonássemos a liberdade, a igualdade, a democracia e a diversidade, que são as características da sociedade e que teriam provocado o ódio dos que nos atacaram.