WALTER AVANCINI, 1935-2001
"Walter Avancini: o primeiro diretor a se preocupar com a linguagem da televisão", copyright Jornal da Tarde, 26/09/01
"Não são muitos os realizadores da televisão brasileira preocupados com estética. Quer eles se preocupem ou não, a estética da tevê existe, e pode ser definida simplificadamente assim: é o modo como ela se expressa. O excelente roteirista que foi Walter George Durst me disse certa vez, no início dos anos 80:
?O Avancini é o único diretor de televisão que se preocupa com a linguagem.?
Estavam então, os dois, por sugestão de Durst, começando a trabalhar na concepção de Grande Sertão: Veredas, excelente minissérie baseada no romance de Guimarães Rosa. Para qualquer artista, soa estranho um criador não se preocupar com a linguagem do seu meio de expressão. Transpondo para a literatura: seria como dizer que um escritor não trabalha a língua em que escreve, não se capacita tecnicamente para explorar sua novidade, frescor, força, interatividade, sintaxe, densidade, musicalidade, história, vocabulário, expressividade, capacidade narrativa, imaginário…
Walter Avancini, a julgar pelos seus melhores trabalhos – e todo artista tem o direito de ser julgado pelo que fez de melhor – tinha essa preocupação, que hoje se sente em alguns raros diretores. Há trinta anos não havia isso, seria preciosismo. Buscavam-se resultados. No máximo, criava-se um padrão de qualidade para atrair e servir a outra linguagem, a da publicidade.
Avancini, depois de aprender o metiê fazendo novelões, e enquanto se sistematizava o padrão de qualidade, enveredou pelo lado da exploração da linguagem, da vanguarda. Como as novelas Beto Rockfeller e Super Plá, por exemplo, de 68 e 69.
Da sua associação com Durst surgiram consistentes realizações de teleficção, aquelas em que a busca de uma linguagem mais nova, densa, rica e brasileira marcaram um período de aproximadamente 10 anos, desde a ótima novela Nina (de 77), até a igualmente ótima minissérie Memórias de um Gigolô (de 86).
Nesses anos fizeram juntos vários trabalhos de qualidade, como a novela Gabriela (79) e as minisséries Anarquistas Graças a Deus (84, adaptação do livro de Zélia Gatai), Rabo de Saia (84, aquela do caixeiro-viajante casado em três cidades com três mulheres, uma das melhores interpretações de Ney Latorraca), a excelente Grande Sertão: Veredas (85) e Memórias de um Gigolô (86, baseado no livro de Marcos Rey).
Durst, um refinado, dizia que não procurava reproduzir a obra, mas compor ?variações jazzísticas?; segundo ele, ?variações que se fazem sobre a trama central?.
Essas obras, e mais o excelente Morte e Vida Severina (82), premiada transposição do poema de João Cabral de Melo Neto feita por Avancini, influenciaram uma elite de dois ou três diretores, que há 15 anos vem mantendo um compromisso com a qualidade estética da televisão. A adaptação de bons textos literários é uma característica desse grupo. Durst dizia que ?adaptar é trair por amor?. Na transposição, trai-se o autor original, mas nos melhores casos busca-se um bom resultado por amor ao texto-base.
Avancini trabalhou com vários escritores do meio literário, não especialistas de tevê, como os dramaturgos Bráulio Pedroso (O Rebu), Jorge Andrade (O Grito) e Leilah Assunção (Avenida Paulista), e dirigiu muitas obras adaptadas de romances. Disse que buscava personagens ?mais aprofundados.?
É o que está faltando, enquanto se louvam superficialidades só porque têm algo que ver com a realidade. Louva-se não em função da estética, mas do ibope.
Decibéis – Como se não bastasse a briga Gugu/Faustão, inventaram outra: Gil x Huck.
Tenho uma suspeita nada confiável de que a briga é a mesma e gira em torno de decibéis. Uma parte maior do público prefere índices menores de ruído.
Faustão fala mais alto que Gugu, Luciano Huck grita mais do que Raul Gil.
Telespectadores querem menos stress no sábado e no domingo, quando os filhos estão zoando em outros quintais e muitos maridos estão bebendo cerveja na padaria. Quando há futebol, aí sim, eles vão tomar cerveja no sofá e tome gritaria de Galvão Bueno. Boleiros amam decibéis. No futebol do rádio, quem faz sucesso? Gritadores, que interpretam torcedores. Na tevê não dá. Atores gritadores também não dão muito certo. Menos, gente, menos.
Cazé – Será que Cazé Peçanha vai ter quadro fixo no Fantástico? O de domingo passado, no trânsito de São Paulo, estava divertido. Tomara."
"Avancini e o dom de iludir", copyright Folha de S. Paulo, 30/09/01
"No melhor sentido que possa haver, o dom de iludir é o predicado mais democrático da televisão. Por seu intermédio é possível viajar, fantasiar, amar, sonhar, sofrer, condenar ou absolver, independentemente da classe social, da situação econômica ou da raça a que se pertença.
Basta uma telinha luminosa acoplada a uma antena e um bom bando de artistas por trás dela que tudo de criativo será possível, para o desfrute de praticamente qualquer um.
O diretor Walter Avancini, que morreu na quarta-feira, viveu um paradoxo profissional. Bem possivelmente por causa de suas origens comunistas, ele era adepto e propagador do realismo na teledramaturgia. Mas foi responsável por momentos importantíssimos dessa mesma teledramaturgia, em novelas, minisséries e especiais nos quais o tal dom de iludir foi levado a extremos, para deleite do telespectador cuja preocupação mais remota talvez fosse qualquer tipo de confrontação com a realidade social.
Mas Walter Avancini não precisaria ter feito mais nada na vida para passar à posteridade na história da televisão brasileira: lançou Sônia Braga ao estrelato, capturando-a do (excelente) programa infantil ?Vila Sésamo?, e transformou a até então totalmente desconhecida Regina Duarte na namoradinha do Brasil.
Em tempo: é tido como o principal responsável pela implementação das minisséries na TV Globo, segmento em que a emissora consegue seus maiores feitos na área da ficção (exemplo recente é a realização de ?Os Maias?). E participou do advento, junto com muitos outros, de ?Beto Rockfeller?, novela que marcou a transição do gênero dramalhão mexicano (que hoje sobrevive apenas no SBT) para as produções modernas.
Obviamente, em suas cinco décadas de labuta, fez muito mais, e talvez seja ocioso repetir aqui. Mesmo correndo o risco da redundância, creio ser preciso relembrar que ele foi responsável por ?Morte e Vida Severina? (prêmio Emmy Internacional em 1982), ?Gabriela? (em que lançou Sônia Braga,1975), ?A Deusa Vencida? (com Regina Duarte, Excelsior, 1965), ?Saramandaia? e ?Selva de Pedra? (versão 1972).
Como (quase) todo bom artista, era tido como louco, insuportável, por diversos colegas. Fez inimigos, teve discípulos e deixa sua marca no mais efêmero dos meios de se fazer arte.
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Duas semanas atrás, reportagem de Armando Antenore publicada na Folha revelava que o irreverente pessoal do Casseta & Planeta não obteve permissão da Rede Globo para pôr no ar, em seu programa semanal, piadas alusivas ao ataque terrorista a Nova York e seus bélicos desdobramentos patrocinados por George W. Bush.
Segundo declarações do ?casseta? Marcelo Madureira, cenas chegaram a ser gravadas, mas a equipe de humoristas teria cedido aos argumentos da direção da emissora, segundo os quais não era o momento de fazer piada, havia um clima de comoção etc.
Tendo os ?cassetas? concordado ou não com o que dizia a Globo, o fato é que houve um veto: sem brincadeiras com o atentado.
Não foi a primeira vez que isso aconteceu, diga-se: há pouco tempo os rapazes foram impedidos de ?tirar uma casquinha? da dublê de cantora e atriz Sandy. A pedido da moça, nada de piadinhas.
Mas, voltando ao caso terrorismo/ EUA/piadas, é até compreensível que a emissora não quisesse humor com a desgraça alheia -embora eles, os ?cassetas?, sejam especialistas nisso- e acabasse surgindo um ?consenso? a respeito, como foi oficialmente dito.
Estaria de fato tudo na mais perfeita ordem não fosse o fato de, na terça-feira seguinte, a da semana passada, o programa ter, sim, abordado o assunto, ainda que de forma ligeira: duas piadinhas com o Osama bin Laden.
Brincadeiras com o ímpeto belicista de Bush ou com a xenofobia dos americanos? Não, nada, embora o mundo (quase) todo esteja falando nisso.
Ainda que tangencialmente, e por intermédio de duas piadas, houve a opção política de poupar os EUA.
Aliás, opção essa que ficou clara em vários programas jornalísticos da emissora. Quem viu o ?Fantástico? do último domingo sabe bem do que estou falando. O tema é certamente delicado, e todo cuidado deve ser tomado. Porque a opinião pública tem se mostrado atenta quanto às generalizações antimuçulmanas (dê uma olhadinha na seção de cartas deste caderno, à pág. 10).
Mas amanhã estréia ?O Clone? é tudo ficará de acordo. Ali só haverá árabes ?do bem?.
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Ainda a respeito do humor na TV: em nome da saúde mental dos telespectadores da emissora líder de audiência, três programas deveriam sumir do mapa. Pela ordem de ?pavorosidade?: ?Zorra Total?, ?Sai de Baixo? e a jurássica ?Escolinha do Professor Raimundo?. Os três reúnem os mesmos intragáveis ingredientes: falta de originalidade, mau gosto e apelação."