MÍDIA, PÚBLICO, MP
Jessé Nascimento (*)
"Do meu ponto de vista, as provas apresentadas pela imprensa são mais do que suficientes." Esta afirmação, feita por um deputado em referência ao caso de outro também deputado "ex-trabalhista", supostamente envolvido em maracutaias, indica o que é hoje o veredicto da opinião pública quando denúncias são feitas na imprensa. Matérias viram provas, artigos agora são evidências; crônicas, inquéritos. Tudo estaria bem se o que foi dito pelo deputado em referência ao seu par, com o qual tem intriga pessoal, fosse sua opinião própria e totalmente desconexa da pública. O problema é que não é. Mais do que nunca tem havido harmonia entre o insano desejo das massas por sangue e justiça a qualquer preço e a mídia como catalizadora e promotora deste estado de coisas. "Deu na imprensa", é verdade e ponto final.
Já foi o tempo em que apenas os chamados iletrados e parcelas do povão supostamente ávidos por notícias populares criam nisso. As massas adoradoras da mídia hoje têm públicos mais ecléticos e sofisticados. Em conseqüência, e baseados na brilhante conclusão de S. Excia., não precisamos mais da justiça, o contraditório e o direito de defesa. Todos somos culpados até que provemos o contrário.
Quanta verdade no ditado popular: não se pode dar asas à cobra. Quem diria que a mídia brasileira, num passado recente espezinhada, proibida e condenada pelos ditadores de opereta a rastejar comendo o pó da censura, daria no que deu. A neomídia brasileira é hoje o símbolo do autoritarismo, da militância e da arrogância, resultado da presunção e absoluta segurança que tem de que não precisa dar satisfações a ninguém numa sociedade em que criticá-la significa pedir a si próprio a condenação e a maldição. Tendo a reverência cativa dos que dela dependem para autopromoção, alguns vendendo a alma e a dignidade para ter entre 2 e 15 minutos de fama, a mídia alimenta-se deles próprios numa espécie de reciclagem em que as carcaças dos que são a bola da vez alimentam as próximas e, assim, sucessivamente.
O abuso do sigilo de fonte, que se transformou em arma de manipulação, ao contrário de proteção e argumento para que fatos duvidosos sejam divulgados, pelo jornalismo investigativo, eufemismo brilhantemente definido por Cesar Maia como uma espécie de síndrome do Washington Post, o conhecido jornal americano que atingiu o estrelato divulgando comprovados esquemas de conspiração política. Marcadamente desde então, o tal jornalismo investigativo virou objeto de desejo e prática, e hoje, assim como muitos em busca da fama fácil, a mídia, no afã de maior circulação e prêmios, não se acanha de circular "verdades duvidosas" em nome da investigação jornalística. Às favas o escrúpulo! Porém, a verdade verdadeira é que isto tem se dado, aparentemente, muito mais por vaidade e interesses próprios e em desrespeito aos consagrados princípios do próprio jornalismo. Quanta contradição.
Ainda mais preocupante é que aquele que talvez seja o mais leal aliado da sociedade civil tem demonstrado possuir em seus quadros, supostamente, alguns poucos mas ruidosos, vaidosas e vaidosos promotores com livre trânsito na imprensa, ávidos por capas de revistas, transformados em fontes "isentas", pautando a imprensa que, inebriada por supostos escândalos e sem nenhum pudor, reproduz fatos não comprovados. Após publicados, os supostos fatos tornam-se "provas" que são então apresentadas à Justiça e alardeadas pela mesma mídia que sagazmente alega sigilo da fonte para se eximir de mostrar provas concretas. E nesta ciranda-cirandinha, vamos todos? cirandar. Literalmente. Onde fica o direito do cidadão acusado? Onde ficam o contraditório, o direito de defesa e a obrigação profissional da mídia de ouvir o "outro lado", antes da divulgação de supostos ilícitos?
Mesmo na Justiça, onde o equilíbrio é nossa segurança, e decisões não são feitas com o fígado , a subserviência à mídia tem-se em alguns casos manifestado. O medo de ser acusado pela mídia de julgar com leniência tem levado alguns poucos juízes, data venia, a agir por motivações políticas e sentimentos pessoais. Em nome da justiça, injustiças ainda maiores parecem estar sendo cometidas, alerta o advogado Antonio Mariz. Isto é extremamente grave num pais cujo histórico de respeito aos direitos individuais não é dos mais, vamos assim dizer, abonadores.
Para ilustrar, tome-se o caso do presidente da CPI (mal acabada) das obras inacabadas. Surgiu a denúncia de tentativa de suborno supostamente feito por emissários ligados a integrantes da CPI. O apresentador da denúncia, alegando sigilo da fonte, não revelou o nome do suposto subornador. Porém, a simples menção de que havia a denúncia de suborno foi o suficiente para que a mídia embarcasse no esquema e passasse a condenar o presidente da CPI, que no pouco espaço de defesa que teve na grande mídia, acuado e jurando inocência, atribui ao racismo a razão da perseguição.
Acontece que até agora não se conseguiu o depoimento de um único empresário que afirme ter sido subornado! Enquanto isso, o propósito real da CPI, apurar fraudes em obras que deveriam ter sido construídas com o dinheiro do contribuinte, foi completamente esquecido, numa aparente manobra em que a "mídia esperta" pagou o mico, pois parece ter sido manipulada e usada, graças a seu insaciável apetite pelo denuncismo, ainda que não comprovado, e sua habilidade em transformar denúncias vazias em instrumentos de inquisição.
Que mídia é essa? Que país é esse? Aos que vibram com os escândalos, deliciam-se com dossiês fabricados e lucram com o falso testemunho: cuidado. Estamos todos em risco. Você ou eu poderemos ser a próxima bola da vez.
(*) Doutorando em Sistemas de Informação, mestre em Comunicação pela University of Leicester, consultor de Tecnologia da Informação e Comunicação em Massachusetts, EUA