Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mídia e política nas Olimpíadas

A três dias do início dos Jogos Olímpicos de Pequim, o Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (5/8) pela TV Brasil discutiu a ligação do esporte com a política. A realização dos jogos no gigante comunista revive a polêmica do esporte como palco para protestos sob os holofotes da mídia.


Participaram do programa ao vivo, no estúdio do Rio de Janeiro, o jornalista Armando Freitas, autor do Almanaque Olímpico Sportv e o professor de Relações Internacionais Willliams Gonçalves. O jornalista esportivo Orlando Duarte participou no estúdio de São Paulo.




Orlando Duarte é jornalista esportivo. Cobriu todas as Copas do Mundo desde 1950, além de diversas Olimpíadas, mundiais de Fórmula 1, tênis, pugilismo, basquete e natação. Trabalhou nas principais emissoras de rádio e TV do país e escreveu mais de 20 livros.


Armando Freitas, jornalista, é chefe do núcleo de reportagem e produção do Sportv, onde está há 12 anos. Trabalhou oito anos no jornal O Globo, em diversas editorias. Participou de várias coberturas olímpicas e esteve nos Jogos de Sydney, em 2000. Com o jornalista Marcelo Barreto, escreveu o Almanaque Olímpico Sportv.


Williams Gonçalves é professor do departamento de História da UFF e do mestrado de Relações Internacionais da UERJ. É especialista em Relações Internacionais e doutor em Sociologia pela USP.


Antes do debate ao vivo, Alberto Dines comentou os temas que estiveram em evidência nos últimos dias. A primeira entrevista coletiva da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, foi um dos enfoques da coluna ‘A mídia na semana’ [ver os tópicos abaixo]. Para Dines, o casal Kirchner, que está na presidência há cinco anos, ‘detesta a imprensa’, mas concedeu a coletiva para tentar ‘fazer as pazes’ com os meios de comunicação depois da crise com os produtores rurais do país.


O apresentador também criticou a mistura de publicidade e informação nos veículos impressos: ‘Na semana passada, O Estado de S.Paulo publicou uma capa falsa paga pela montadora Nissan. Nesta segunda-feira (4/8), O Globo foi mais longe e publicou três páginas pagas pela Eletrobrás, uma empresa pública, fingindo que não era anúncio. Engana-se o leitor e engana-se o contribuinte’.


O pódio como palco


Em 1936, em Munique, Adolf Hitler preparou as Olimpíadas para propagar a ideologia nazista e mostrar ao mundo a força de uma Alemanha recuperada da Primeira Guerra Mundial. Além de ser a primeira Olimpíada televisionada, a edição de 1936 também ficou na memória pelo documentário Olímpia, encomendado por Hitler à cineasta Leni Riefenstahl. Mas os planos de supremacia da raça ariana na competição foram estragados pelo afro-americano Jesse Owens, vencedor de quatro medalhas de ouro nas principais provas do atletismo. Hitler se recusou a apertar as mãos do atleta.


A política também esteve em evidência nas Olimpíadas de 1968, realizadas no México. No conturbado ano, marcado internacionalmente pela luta por liberdades, dois atletas americanos protestaram no pódio contra a segregação racial. A imagem dos competidores negros, calçados com luvas pretas e com os punhos cerrados apontados para o alto, correu o mundo e levantou o debate sobre a causa do grupo Panteras Negras.


Quatro anos depois, em Munique, na Alemanha, um atentado terrorista que deixou 17 mortos manchou os jogos. O grupo palestino Setembro Negro aproveitou a atenção da mídia e invadiu a Vila Olímpica em busca de atletas israelenses. Na década de 1980, os Estados Unidos e a URSS boicotaram alternadamente os jogos, impedindo que seus atletas participassem das competições de Moscou (1980) e Los Angeles (1984).


No editorial do programa [ver íntegra abaixo] Dines comentou o uso político das Olimpíadas: ‘Agora, é a vez de a China usar o mais importante evento esportivo para exibir o seu extraordinário avanço econômico. Acontece que nem a Alemanha nazista nem a China comunista podem ser considerados regimes democráticos. A aposta que fizeram envolvia altos riscos, imaginaram que a opinião pública mundial engoliria sem reclamar as altas doses de propaganda e os rigores da repressão à liberdade de expressão’.


Na reportagem exibida antes do debate, o jornalista Marcelo Barcelo Barreto, co-autor do Almanaque Olímpico Sportv, afirmou que tanto nos jogos de 1936 quanto nos de Pequim há a intenção de usar a competição como instrumento de propaganda política. A diferença é que em 1936 os instrumentos estavam mais ao alcance do Estado, pois não se dispunha de pesadas estruturas de organização e marketing. Para ele, o governo chinês está tentando usar os instrumentos de propaganda a seu favor mas não tem obtido êxito. Um exemplo disso são os protestos ocorridos durante a passagem da tocha olímpica.


Censura em Pequim


O editor de Esportes do jornal O Globo, Antônio Nascimento, afirmou que o trabalho da imprensa já está sendo censurado em Pequim, ao contrário do compromisso acertado entre a organização dos jogos e o governo chinês. Sites sobre Tibet e direitos humanos estão bloqueados no principal centro de imprensa. Para o Nascimento, o fato é um ‘grande atentado’ ao trabalho da mídia. Vladir Lemos, apresentador do programa Cartão Verde, da TV Cultura, acredita que a China calculou mal o quanto ficaria exposta com a realização dos jogos.


Gilberto Scofield, correspondente de O Globo em Pequim, informou que a China pretende mostrar-se ao mundo como um país forte, moderno e próspero. Para ele, houve uma grande mobilização para o controle da imprensa e da oposição. Dissidentes e jornalistas foram presos e silenciados, a internet controlada, câmeras de vigilância instaladas e é ostensiva a presença de seguranças nas ruas.


O preparo dos jornalistas esportivos para cobrir questões políticas complexas como as da China foi abordado na reportagem. Antônio Nascimento afirmou que não espera que os repórteres de esporte conheçam profundamente política internacional ou diplomacia, mas que é necessário ter na equipe profissionais, como correspondentes experientes, que possam fazer uma análise da conjuntura política. Marcelo Barreto disse que os Jogos Olímpicos potencializam um problema que os jornalistas esportivos enfrentam no dia a dia: a crença de que podem viver ‘em uma ilha’.


No debate ao vivo, Orlando Duarte contou que nas 14 Copas do Mundo que cobriu sempre notou que o governo que sedia a competição pretende valorizar as informações positivas sobre seu país e atenuar os aspectos negativos. Duarte afirmou que não tinha dúvida de que os jornalistas presentes na China teriam dificuldade em apurar e divulgar informações fora do âmbito esportivo.


Armando Freitas acha natural que na fase anterior ao início das competições o noticiário esteja carregado de política, e que o cenário irá se reverter quando os jogos começarem. A imprensa focará sua atenção nos jogos e a questão política passará para segundo plano. O jornalista ressaltou a coragem da China em sediar os jogos e expor ‘suas mazelas’. Bons jornalistas conseguirão transpor os tapumes da censura e noticiar todos os fatos.


Oriente x Ocidente


Dines perguntou a Williams Gonçalves se a China teria feito uma aposta muito arriscada ao sediar os jogos. O professor de Relações Internacionais disse que o crescimento econômico fez com que os chineses se sentissem em condições de abrigar esse ‘grande acontecimento esportivo’. O estranhamento cultural dos ocidentais e as dificuldades dos chineses lidarem com a imprensa seriam naturais dentro desse contexto porque as perspectivas são diferentes. O fato de o país ter se candidatado a sediar os jogos já demonstra uma intenção de compreender o Ocidente e se integrar ao mundo globalizado.


‘Nós temos uma liberdade de imprensa muito relativa. E isso tem sido assim em todos os Jogos Olímpicos. É preciso tomar cuidado quando se fala em liberdade de imprensa. Se eu for a Nova York cobrir um concerto, eu vou cobrir um concerto. Se eu tiver mais tempo vou fazer outra coisa. Mas se eu quiser entrar na Casa Branca e discutir com Bush, eu vou preso. É um direito da China manter certas fronteiras fechadas’, disse Orlando Duarte.


Armando Freitas disse que tentar cercear o direito à informação funciona como um ‘tiro no pé’, porque dá a entender que se está ‘escondendo uma coisa muito perversa’. Na China haveria uma liberdade relativa e jornalistas experientes encontrariam formas de ‘cutucar’o Estado, mesmo com todas as barreiras ao trabalho da imprensa. Para Williams Gonçalves, o romantismo dos jornalistas faz com tenham a ilusão de que vão democratizar a China. Dines acrescentou que os jornalistas acreditam que vão mudar o mundo e que devem ter essa obrigação.


Espírito olímpico


‘O que se tenta preservar é o espírito olímpico, que as Olimpíadas sejam tempos de paz.’ A origem dos jogos está no estabelecimento de uma trégua entre cidades da Grécia Antiga. Reis de cidades-estado acertaram que de quatro em quatro anos as cidades gregas que estivessem em guerra mandariam seus atletas para que competissem sem armas. Williams Gonçalves disse que esse ideal foi quebrado nos tempos modernos em Berlim, nas Olimpíadas de 1936, quando os jogos foram transformados em espetáculo de força de um regime.


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Os jogos e o poder


Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 472, no ar em 5/8/2008


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


As Olimpíadas começam para os brasileiros na quarta-feira (6/8) pela manhã, com a estréia do futebol feminino. Mas, para os japoneses, começou hoje (5) com o espancamento por paramilitares chineses de dois jornalistas que foram verificar o que aconteceu na região autônoma de Xinjiang depois do atentado do dia anterior, onde morreram 16 policiais.


Tudo indica que os Jogos Olímpicos de 2008 podem seguir a linha dos outros, como os de 1936, dominados pelas tensões políticas. Há 72 anos, Adolf Hitler e o seu ministro da Propaganda, Joseph Goebells, imaginaram que poderiam utilizar as Olimpíadas para glorificar o regime nazista que conquistara o poder três anos antes.


Agora, é a vez da China usar o mais importante evento esportivo para exibir o seu extraordinário avanço econômico. Acontece que nem a Alemanha nazista nem a China comunista podem ser considerados regimes democráticos. A aposta que fizeram envolvia altos riscos: imaginaram que a opinião pública mundial engoliria sem reclamar as altas doses de propaganda e os rigores da repressão à liberdade de expressão.


Uma coisa é certa: quando Hitler recusou-se a cumprimentar o atleta negro Jesse Owens, depois de suas façanhas olímpicasd, ficaram escancaradas as reais dimensões do racismo nazista.


A China hoje ainda não aparece como uma grande vilã, é uma interrogação ou, no máximo, uma preocupação. Mas os 36 mil jornalistas que lá estão, de repente, podem encontrar razões para apresentá-la do mesmo jeito com que o Dalai Lama a encara.


Os sonhos de hegemonia mundial, às vezes, começam a desfazer-se numa simples competição de ginástica artística.


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A mídia na semana


** Ela exige que a chamem de presidenta, quando se diz que o marido é quem manda, Cristina Kirchner fica furiosa, mas a verdade é que o casal que comanda a Argentina há cinco anos detesta a imprensa como instituição autônoma. Nenhum dos dois jamais concedeu uma entrevista coletiva. Mas agora, com a popularidade em baixa, a presidenta resolveu fazer as pazes com a mídia. Talvez ajude.


** Isso é anúncio ou matéria jornalística? O fato de defender uma boa causa, a defesa do meio ambiente, justifica a confusão entre matéria paga e informação? O jornalismo de mentirinha corre solto, virou moda: na semana passada, o Estado de S.Paulo publicou uma capa falsa paga pela montadora Nissan. Nesta segunda feira, O Globo foi mais longe e publicou três páginas pagas pela Eletrobrás, uma empresa pública, fingindo que não era anúncio. Enganou o leitor e enganou o contribuinte.