Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Eugênio Bucci

GLOBO vs. RECORD

"Vocês estão rindo do quê?", copyright Jornal do Brasil, 11/10/01

"Na quinta-feira passada eu participei de um debate, aqui no Rio, durante o Primeiro encontro internacional de televisão. Foi no Hotel Glória, o predileto de Itamar Franco, de onde a gente pode ver o mar ensolarado logo ali adiante. Sim, fazia um sol dos diabos. A mesa para a qual eu fui convidado tinha outros dois oradores. Boris Casoy, editor-chefe do Jornal da Record, e Amauri Soares, diretor de jornalismo da Rede Globo de São Paulo, dividiram comigo o tema Telejornalismo e formação de opinião. Tratava-se de debater o modo pelo qual a TV induz, ou não, a opinião pública nacional.

(Há que se abrir, aqui, um parênteses. Essa tal mesa não seria assunto para uma coluna de cultura, por mais egocêntrico que fosse o colunista. Sabe-se hoje, no Rio de Janeiro e adjacências, que egocêntrico não vem a ser um adjetivo aplicável ao modesto comentarista que assina estas linhas semanalmente. Egocêntrico ele não é. Sabem todos, aliás, que se pode falar na primeira pessoa valendo-se apenas da terceira. Explica-se. Há os que o alertam, ao colunista, do vício estilístico em que consiste o emprego da primeira pessoa do singular em textos jornalísticos. Alertam-no, ao colunista, em vão. Note o leitor que aqui se cai, aos escorregões, numa breve digressão acerca do tal desvio estilístico. Mas ela, a digressão, não haverá de durar muito. E nem há necessidade de que dure, posto que é perfeitamente ociosa. Ora, todos sabem que se pode ser egocêntrico na terceira pessoa, se é que se faz claro o que se quer dizer. Pode-se até comprar sapatos na terceira pessoa. ?Quer-se um par de sapatos?, dir-se-ia ao vendedor. ?Calça-se 42?, continuar-se-ia. Pode-se falar de si sem nunca pronunciar o termo ?mim?. Pode-se defender um interesse mesquinho, mais que pessoal, sempre na terceira pessoa. Pode-se mesmo pedir um desconto na sapataria indagando ?vocês dão abatimento para quem paga à vista??, sendo o ?quem? o indicador do ?eu? oculto. O jornalismo, como tudo, pode ser subjetivo, egocentrado, pode ser até mesmo imperial sem jamais conjugar um verbo que seja na primeira pessoa do singular. Pode ser autoconfiante, auto-referenciado, e ser sempre assim ?isento?, um discurso apenas na terceira pessoa. É-se o máximo. É-se … é-se a si… e o resto é lixo. Não que esse desvio de caráter vitime o modesto acima-assinado mas, ainda assim, é de se considerar a pertinência de que o acima-assinado se veja, a si mesmo, como objeto, ainda que marginal, do próprio relato. É justo que assim seja. Donde ir-se-á fechar o parênteses.)

Pois bem, tratava-se, ali no Primeiro encontro internacional de televisão, de tecer considerações em torno da opinião pública e suas implicações televisivas. Pobres de nós três. Nenhum de nós, frise-se obstinadamente, somos egocêntricos.

Na platéia, embora eu não saiba contar multidões acima de doze unidades, imagino que existiam cerca de trezentas e onze, talvez trezentas e doze pessoas. Tudo transcorria calmamente, sem nada que fosse digno de nota na imprensa, até que Amauri Soares afirmou, como que de passagem, que a Globo era a única emissora no Brasil que vive das receitas oriundas de seus intervalos comerciais. Boris Casoy, falando logo a seguir, ousou perguntar: ?Mas como??. Dizendo-se surpreso, ele declarou que imaginava, até aquela data pelo menos, que a Record, rede para a qual trabalha, também tivesse seu financiamento garantido pelos mesmos intervalos. E pediu esclarecimentos. Iniciou-se, então, um diálogo entrecortado entre ambos. Surgiu a afirmação, da parte de Amauri Soares, de que, na Record, o dinheiro viria, também, das sacolinhas da igreja. Ao que Boris Casoy retrucou, dizendo que a Globo também dispõe de ?sacolinhas?, mas de outras origens.

O bate-boca divertia o público. E aos próprios contendores. Riam todos, menos eu. Devo ser a Poliana dessa comédia praieira. Empunhei um microfone e me dirigi a audiência: ?Vocês estão rindo do quê?? Fez-se o silêncio. (Note o leitor, insisto, que eu não sou egocêntrico.) Argumentei, em seguida, que as redes nacionais de televisão aberta são objeto de concessão pública: uma empresa, para explorar comercialmente uma determinada freqüência de sinal de TV, depende de uma concessão do poder público, outorgada em nome do cidadão. Frisei: em nome dos cidadãos do público. Se algo de errado acontece aí, se existem financiamentos indevidos, se existem recursos vindos de alguma coisa parecida com Caixa 2, o público tem o direito de saber. Se alguém ali, naquela sessão de que eu participava, estava fazendo papel de palhaço, esse alguém era exatamente o público. Exatamente quem estava rindo da bizarra troca de provocações. A platéia, no fundo, ria de si mesma. E de todos nós que compúnhamos a mesa. Que tristeza.

Nos dias seguintes ao debate, sexta e sábado, jornais e sites noticiaram o episódio folclórico. Mas nada foi apurado. Eu, de minha parte, continuo sem saber, com mais precisão, que sacolinhas são essas. Sei que, ainda na década de 60, a sociedade da Globo com a Time-Life foi denunciada e chegou a ser objeto de uma CPI. Depois disso, que eu saiba, nenhuma irregularidade foi sistematicamente investigada pelos órgãos competentes e noticiada pela imprensa. Onde estão as ?sacolinhas?? Se a Record se vale de expedientes desse tipo, nós, o público, temos o direito de saber. Se a Globo tem ?sacolinhas? de outro tipo, nós também temos o direito de saber. E de julgar. Mas nada está esclarecido. E a platéia continua rindo. Aquelas risadas ainda ecoam nos meus ouvidos – nos ouvidos das terceiras pessoas da nação.

Estou eu aqui a acusar Amauri Soares e Boris Casoy? De modo algum. Não estou. Respeito os dois como profissionais do jornalismo. Minha divergência não é com a pessoa de nenhum deles. Quanto a Boris, devo dizer, é um inovador do telejornalismo no nosso país, alguém que influenciou decisivamente o que veio depois – o telejornalismo da Globo se modernizou somente após a estréia do TJ Brasil, que ele inaugurou e ancorou no SBT a partir de 1988. Aliás, a minha acusação não é uma acusação. É apenas uma pergunta. Ela se dirige à prática – e não aos profissionais – das empresas que exploram o negócio da mídia televisiva em nosso país. Essas têm mesmo suas ?sacolinhas?, como afirmaram dois de seus mais altos dirigentes? Se têm, eu quero saber quais são. Quero e tenho o direito de saber. O poder público deveria controlar o negócio das televisões abertas no Brasil, televisões que não apenas influenciam, mas determinam a opinião pública nacional. O poder público deveria controlar mas não controla. Onde está o dinheiro? De onde ele vem?

A propósito, a pergunta do Encontro internacional de televisão não deveria ser a que foi: de que modo a TV é capaz de ?moldar a opinião pública? no Brasil. Deveria ser outra: de que modo a opinião pública consegue definir a televisão que tem? E você aí, que não é Roberto Marinho, nem Silvio Santos, nem Edir Macedo: você está rindo de quê?"

IBOPE INFANTIL

"Desenhos ameaçam até o ibope da guerra", copyright Folha de S. Paulo, 15/10/01

"Um grande consumidor, pequeno apenas no tamanho, está provocando uma das maiores disputas dos últimos tempos na televisão brasileira. De olho no público infantil, os seis canais de TV paga voltados para crianças e pré-adolescentes travam uma batalha ferrenha por uma audiência que, até por falta de opções, se revela a mais fiel do meio televisivo.

No dia 11 de setembro, por exemplo, logo depois dos primeiros ataques terroristas nos Estados Unidos, os canais de notícia Globo News, CNN, CNN em espanhol e Band News dividiram os sete primeiros lugares na audiência medida pelo Ibope com o Cartoon Network, o Fox Kids e o Nickelodeon. Prova de que, mesmo em tempo de guerra, o desenho animado tem seu nicho preservado.

?É um mercado muito competitivo, em que há um investimento significativo. As crianças têm sido muito seletivas na escolha dos canais?, afirma Emiliano Calemzuk, presidente da Fox Kids América Latina, que, no Brasil, ameaça de perto a liderança do Cartoon na faixa etária entre 4 e 11 anos.

Os aparelhos ?people meter?, que o Ibope utiliza para aferir a audiência com base em uma amostragem de domicílios (250 em São Paulo e 150 no Rio), revelaram que, entre março e agosto deste ano, 36,9% das crianças de 4 a 11 anos passaram pelo menos um minuto sintonizadas no Cartoon. Em seguida, aparece o Fox Kids, com 26,9%; o Nickelodeon é o terceiro, com 19,5%. O primeiro canal não-infantil a surgir na lista é o TNT, em quarto lugar, com 9%.

O cardápio oferecido ao público mirim é baseado em desenhos animados e séries, mas as promoções de eventos são outro pilar importante. ?O sucesso do Cartoon hoje e no futuro dependerá de nossa habilidade em ter um relacionamento integrado e interativo com nosso público-alvo?, diz o vice-presidente de marketing do Cartoon Network para a América Latina, Fernando de Los Reyes.

Campeonatos de futebol e outras competições, excursões com crianças selecionadas, premiações de artistas, desenhos animados com finais decididos pelo público… Qualquer idéia para estreitar os laços da criança com o canal é bem-vinda. O prêmio Kids? Choice 2001, promovido pelo Nickelodeon, por exemplo, levou 2,5 mil crianças e pais ao ATL Hall, no Rio, no mês passado, para festejar os artistas mais populares entre os 35 mil eleitores que votaram em seus favoritos por e-mail ou carta.

Para Herbert Grecco, gerente de marketing do Disney Channel Brasil, porém, essas promoções são importantes apenas para chamar a atenção do público. ?Se a programação não for boa, o evento acaba multiplicando o desapontamento?, diz o executivo.

Tirar a criança de casa ou, pelo menos, levá-la da frente da TV até o computador parece ser uma estratégia comum a todos os canais infantis. Os três sites do Cartoon registram cerca de 1 milhão de acessos mensais. No mesmo período o Nickelodeon recebe 60 mil e-mails só da América Latina.

Com os pais cada vez mais ocupados com o trabalho, as áreas de lazer em extinção nas grandes cidades e o fantasma da violência urbana sempre à espreita, o tempo médio que uma criança passa diante da TV está na casa das três horas diárias (dado do Ibope, de 96).

?A criança está muito entregue à TV, que deve ser objeto e não sujeito. É um veículo que encanta e a família fica mais livre?, afirma a premiada escritora de livros infantis Ruth Rocha, que tem 140 obras publicadas no Brasil e no exterior.

Violência

Ruth joga no time dos que criticam a violência ?absurda? de alguns desenhos animados e diz que procura dar outras opções de lazer aos netos pequenos. ?Levo a teatro, mostro livros interessantes, exposições. Mas não dá para manter uma criança alheia à TV.?

No time que não acredita nos efeitos nocivos de socos, tiros e pontapés sobre a mente infantil joga, entre outros, a pedagoga e psicóloga Elza Dias Pacheco, que há 20 anos pesquisa a relação entre o público infantil e a TV. ?A criança reelabora o que vê e distingue ficção de realidade, como quando brinca de boneca ou de bandido e mocinho.? Para a pesquisadora, entretanto, os pais devem acompanhar o que a criança assiste.

Elza diz que a programação infantil tem um papel importante no desenvolvimento cognitivo e de vocabulário. ?Através de desenhos que duram em média 375 segundos, a criança aprende a estruturar e a contar uma história. É um veículo que deveria ser mais utilizado pelos professores nas escolas.?

?Acho que não existe um canal 100% vida cor-de-rosa. Dependendo do contexto, a violência pode levar a criança a uma resolução catártica?, afirma a diretora de programação e produção do Discovery Kids na América Latina, Beth Carmona. O canal centra seu foco no público pré-escolar e consegue bons índices exibindo o inocente ?Teletubbies? e o educativo ?Bob, o Construtor?.

Publicidade

É bom lembrar que o Ibope começou a medir a audiência da TV paga este ano e o bom desempenho dos canais infantis deve atrair mais verbas de publicidade nos próximos meses. Entre janeiro e junho de 2001, ainda de acordo com o Ibope, Cartoon, Fox Kids e Nickelodeon ficaram com pouco mais de 6% do montante investido pelos anunciantes em 22 canais de TV paga pesquisados.

?Na primeira infância, com os pais ausentes por longos períodos, a publicidade insere produtos que, simbolicamente, vão representar o afeto materno. Quando cresce mais um pouco, a criança fixa a idéia do consumo como algo que supre uma falta, um desejo?, afirma o professor Alexandre Dias Paza, do Laboratório de Pesquisa sobre Infância, Imaginário e Comunicação, da ECA-USP. Ele, no entanto, não vê a publicidade como única vilã. ?Ela é um espelho cruel da nossa sociedade e do fascismo da linguagem.?

E não são só os fabricantes de biscoitos, iogurtes, sorvetes e brinquedos que incluíram os canais infantis em seus planos de mídia. Até fabricas de automóveis aderiram. ?Alguns anunciantes percebem que as crianças exercem grande influência na decisão de compra dos pais?, diz Tatiana Rodríguez, diretora de Programação e Aquisições do Nickelodeon.

Mas muitos adultos assistem sozinhos ao canal infantil. Desenhos e séries antigas são a isca. O Boomerang, especializado em clássicos, quer atrair não só crianças na primeira infância como os saudosos da inocência perdida. E a faixa ?Insomnia?, do Fox Kids, exibida diariamente a partir de 0h, cativa adultos que adoram os velhos ?Batman? e ?Picapau?."

    
    

                     

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