Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa recebia verba de zelo

MATO GROSSO

Antônio Lemos Augusto (*)

O que você, jornalista, pensaria sobre sua profissão se ouvisse o presidente da Câmara Municipal da capital de seu estado admitir, para uma platéia de 70 estudantes de Direito, que a Casa pagava "verba de zelo" à imprensa? Foi o que ocorreu comigo, na quarta-feira, dia 10/10. O presidente da Câmara Municipal de Cuiabá, vereador João Antônio Malheiros, afirmou com todas as letras que havia cortado a "verba de zelo", expediente que ? segundo ele ? sempre fora utilizado na Câmara. Alguns minutos depois, outro vereador ? o secretário-geral da Câmara, Aurélio Augusto ? não só confirmou o que Malheiros falara, como destacou para a platéia a importância do ato de suspender a propina e garantiu que todas as presidências anteriores à atual pagaram "verba de zelo" à imprensa mato-grossense.

O fato ocorreu na Univag, uma universidade em Várzea Grande, município vizinho a Cuiabá. Conforme os dois vereadores, a extinção da "verba de zelo" foi um dos motivos que propiciaram à Casa colocar o salário dos servidores do Legislativo em dia, bem como garantir que ? até o fim do ano ? os vencimentos não serão atrasados. É possível compreender, portanto, que não era uma "verbinha" de zelo e, sim, uma gorda "verbona", pois chegava a influenciar no pagamento salarial.

Mais: Malheiros e Aurélio Augusto garantiram que, pelo fato da "verba de zelo" não mais existir, a imprensa não noticia coisas boas da Câmara. Por conta disso, a sociedade não fica sabendo das virtudes do Legislativo. Tudo bem que Aurélio Augusto admitiu, em outro momento, que só uns cinco ou seis vereadores, de 21 ao todo, prestam na cidade, mas isso é um detalhe…

A "verba de zelo" é um instrumento infecto utilizado por políticos e empresas para corromper a imprensa. Ajuda a manter no mercado o jornalismo marrom, os calhordas que se dizem jornalistas. Lógico: onde há o corrompido, há o corruptor. O boletim Imprensa Ética, em diversas edições, questionou duramente a prática da "verba de zelo", e não poderia ser diferente. A confirmação de que o Legislativo pagava a maldita "verba" apenas confirma o que suspeitávamos. A "verba de zelo" contradiz a democracia, que não existe sem liberdade de imprensa. Onde está a liberdade de imprensa se a publicação só acontece mediante pagamento e conforme os interesses dos clientes, neste caso os vereadores que arcavam com tal sujeira? Aliás, que erro o meu!!! Os vereadores não arcavam com a "verba de zelo" e, sim, o contribuinte, já que era dinheiro público.

Tudo bem, é louvável e merecedor de honras o ato da atual diretoria da Câmara de acabar com a maldita "verba". Foi um grande primeiro passo. Precisamos de mais. E por isso destacamos:

1. Quanto foi pago de "verba de zelo" na Câmara Municipal de Cuiabá nos últimos 15 anos?

2. Quais os vereadores que foram responsáveis por tal pagamento?

3. O que a atual Câmara pretende fazer em relação aos vereadores que arcaram com a infecta "verba de zelo"?

4. Houve alguma ação punitiva contra os vereadores por mau uso do dinheiro público?

5. O Ministério Público foi informado?

6. O Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso foi informado?

7. Quais eram os veículos de comunicação que recebiam a "verba de zelo"?

8. A "verba de zelo" era paga a jornalistas ou apenas aos donos dos veículos de comunicação?

10. Por que os vereadores João Malheiros e Aurélio Augusto, na Câmara desde 1988, não denunciaram tal prática anteriormente?

Concordo plenamente que Malheiros e Aurélio Augusto continuem divulgando que a verba de zelo existia. É importante para platéias, como os estudantes de Direito que estavam no auditório na última quarta-feira, saberem que nem tudo que se lê é notícia e que há muito de embuste nas páginas de um jornal. Mas seria interessante que em suas palestras acrescentassem respostas às perguntas acima. É uma contribuição do Imprensa Ética. E que a Assembléia Legislativa também se pronuncie sobre o caso (será que há "verba de zelo" na Assembléia?), bem como a Associação de Câmaras Municipais de Vereadores de Mato Grosso (acho que é este o nome). Gostaria muito de saber e divulgar os nomes dos corruptores. E de contribuir ? sempre ? contra a eleição de tais pessoas. Aliás, será que a imprensa cobriria uma CPI da Verba de Zelo?

Para finalizar, creio ser uma ótima oportunidade para mostrar a importância do Conselho Regional de Jornalismo, que ainda não existe. Se tivéssemos um conselho de fiscalização do exercício profissional, autarquia federal com poder de emitir e cassar registros de exercício da profissão, seria o momento de:

1. Cobrar da Câmara Municipal os nomes de todos os jornalistas que trabalharam na Casa ao menos nos últimos 15 anos e abrir processo ético de investigação;

2. Cobrar dos vereadores os nomes de jornalistas e empresas que receberam a "verba de zelo" e, da mesma forma, determinar abertura de processo ético;

3. Solicitar ao Ministério Público providências contra os vereadores que agiram a favor da "verba de zelo". Vale lembrar que vereadores não usufruem daquela mamata protecionista que garante a impunidade de deputados e senadores contra processos.

É o mínimo para acabar com o seguinte círculo vicioso: o vereador pega o dinheiro público, paga a setores da imprensa, consegue noticiário sempre positivo, aumenta sua base eleitoral, se reelege, pega o dinheiro público, paga a setores da imprensa, amplia sua participação no noticiário, vira deputado estadual, pega o dinheiro público, paga a setores da imprensa, fortalece sua base eleitoral etc etc etc.

(*) Jornalista em Cuiabá e coordenador do boletim Imprensa Ética; email <arlaarla@terra.com.br>

    
                   

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