Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bernardo Kucinski

CRÍTICAS DIÁRIAS

"Cartas Ácidas", copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior

22/10/2001 – Agenda da semana

Carta Ácida inaugura esta nova seção de tópicos que poderão determinar os debates da semana. Isso permite que lideranças populares se preparem melhor para intervir na agenda de debates. Está se disseminando na mídia convencional a tese de que líderes da oposição estão ?mal assessorados?, têm posições ?ingênuas? ou estão ?mal informados?. Houve várias referências desse tipo neste final de semana. Embora motivadas pelo eterno desejo de desclassificar as oposições, exploram uma falha real. As oposições devem incluir na sua rotina a revisão e análise dos fatos. Nesta semana, deve-se supor que Antraz, dolarização Argentina, greve dos professores e sucessão devem ser alguns dos tópicos dominantes. Além da corrupção, é claro.

Bioterrorismo

É o tema que exige maior preparação, por suas vastas implicações. Já há indícios de que os ataques com a bactéria do Antraz têm um suporte técnico sofisticado, o que descarta a autoria de simples amadores. As duas maiores probabilidades são de que se trata de um grupo doméstico ligado aos programas secretos dos EUA, ou um grupo com apoio do Iraque. O artigo dos especialistas Willian Broad e Judith Miller publicado na quinta-feira passada, no New York Times, levantou essas duas hipóteses, mas foi ignorado pelos jornais brasileiros, que em geral estão evitando o tema ?quem são os bioterroristas?. ( No site www.agenciacartamaior.com.br, estará disponível a partir de hoje um primeiro trabalho do maior especialista brasileiro em bioterrorismo, o professor Roque Monteleone).

Garotinho lança ofensiva

O Globo destaca a ofensiva de Garotinho em São Paulo, onde lançou Erundina candidata a governadora, e seu recuo no Rio, onde deu por encerrado o incidente com a vice Bené. Os dois lances confirmam que Garotinho é candidato e quer manter uma ponte com o PT. A Folha informa que Erundina ainda hesita. O Estadão já começou a publicar fotos bonitas de Serra e espremeu o lançamento de Erundina em algumas linhas.

E tucanos não sabem o que fazer

Tasso lança sua ofensiva em São Paulo a partir de hoje, com apoio da família Covas e ampla cobertura da Folha. Mas entre os tucanos o ambiente é tenso. Reportagem grande do JB mostra que a cúpula ainda está mais ocupada em tentar barrar a candidatura Itamar pelo PMDB do que em definir sua própria candidatura. Pesquisa entregue a FHC, segundo a coluna de Elio Gaspari do domingo (21/10/01), revela que candidato do governo não se elege de modo nenhum. Nessa pesquisa, Lula está com a menor rejeição entre todos os candidatos e disparado na frente, com 41% da preferência popular. Gaspari tenta amenizar sua revelação com um título que não condiz com a matéria: ?Há bons e maus ventos para o PT?. O único mau vento é contra greves nos serviço público, que aparece em terceiro lugar na agenda de preocupação popular e mesmo assim, como o próprio Gaspari reconhece, porque a pesquisa coincidiu com a greve do INSS.

Mais corrupção no quintal do governo

Nova safra de denúncias de corrupção envolve o poder. Um esquema de corrupção no Ministério da Saúde veio à luz com o arresto dos documentos do lobista Alexandre Paes Santos. IstoÉ revela esquemas de remessas de dólares por assessores do ministro dos Transportes Eliseu Padilha. A revista Veja tem a melhor reportagem sobre o caso Serra, deixando claro que houve a negociação, embora Serra possa não estar envolvido. Veja escondeu bem sua reportagem, mas a Folha de hoje volta à denúncia, com novos detalhes extraídos da agenda do lobista. O JB de hoje preferiu requentar o relatório do TCU, apontando superfaturamento de R$ 29 milhões no aeroporto de Salvador. Com isso jogou para baixo da página a história do lobista, cuja agenda envolve também o dono do JB, o empresário Tanure. É possível que esse escândalo tenha algo a ver com o rompimento súbito do acordo entre Tanure e Fernando Levy, para o salvamento financeiro da Gazeta Mercantil.

Dolarização Argentina

Malan está certo ao dizer que uma dolarização completa e formal na Argentina seria o fim do Mercosul. Reportagem de Veja aposta que esse é o caminho escolhido por De la Rua. Mas, no Estadão de hoje, o presidente argentino joga água fria na dolarização. A Argentina já está semi-dolarizada. A experiência do Equador mostra que é fácil e barato dolarizar. No Equador bastaram cerca de US$ 800 milhões.

Coronelismo eletrônico

A Folha de hoje denuncia que o ministro das comunicações Pimenta da Veiga distribui licenças de rádio comunitárias para seus apadrinhados, enquanto veta pedidos de outras origens. A denúncia em qualquer país civilizado seria o motivo para demissão. No sábado, no mesmo jornal, o relator da emenda constitucional sobre entrada de capital estrangeiro nos meios de comunicação, Eduardo Alves, do PMDB, revelou, em entrevista muito interessante, que Pimenta da Veiga se opõe totalmente a que haja um Conselho de Comunicação para aprovar licenças. Está explicado o porquê.

Os neoliberais e a fome dos brasileiros

Vem aumentando o fogo contra Lula e o PT na mídia escrita, especialmente depois do projeto ?Fome Zero?, que parece ter incomodado muito. É constrangedor um projeto que tem na fome seu objeto central, porque isso desmonta todo o discurso neoliberal que tenta apresentar o Brasil como um país moderno. Foram mobilizados os colunistas de plantão que, a serviço do Palácio e municiados por Malan, atacaram o projeto de modo virulento. O tom geral foi de desclassificar a proposta, apontando falhas supostamente grosseiras. Miriam Leitão, em O Globo, inventou uma complicada questão de taxa de câmbio; Fabio Gambiagi, no Estadão de domingo, atacou por todos os lados. A maior violência veio dos editores de Veja, que deturparam os termos da reportagem escrita por seu próprio repórter.

E o terrorismo da mídia

A Folha parece reconhecer que exagerou em manchetes hostis a Marta, porque a direção do jornal aprovou a publicação de uma carta de leitor neste domingo em que ele acusa o jornal de praticar ?terrorismo editorial?. O jornal tentou assustar os paulistanos com a tese de que o novo IPTU progressivo, proposto por Marta, destruiria 80 mil empregos. O número foi um chute da Força Sindical. Marta sustenta que o IPTU progressivo, ao contrário, criará novos empregos pelo efeito de redistribuição de renda. O leitor reviveu um conceito que não é novo. O ?terrorismo editorial? foi usado pela grande imprensa chilena para ajudar a derrubar Allende, e pela grande imprensa brasileira para abalar Lula em 1989, quando espalhou que ele iria confiscar a poupança.

Buracos negros

A greve das federais, que hoje completa 60 dias, é o grande buraco negro na mídia. Ontem, em assembléia, os docentes rejeitaram a proposta do governo, mas é difícil achar a notícia nos jornais de hoje. O desastre humanitário provocado no Afeganistão pelos bombardeios americanos, que aparece tão vivamente na cobertura televisiva da guerra, está quase totalmente ausente da cobertura da mídia impressa.

Não deixe de ler

Timothy Ash e Rubens Ricúpero abordam o mesmo tema da nova geopolítica mundial, decorrente do atentado do 11 de setembro, e suas implicações em algumas regiões chave. Estão na Folha de domingo. Mas quem melhor trata o assunto é o especialista Edward Luttwak, em entrevista a Paulo Sotero, na página A22 do Estadão do domingo.

19/10/2001 – O ataque terrorista dos tucanos contra Marta

A Folha de S. Paulo, que não cai de amores por Marta Suplicy, apontou ontem para a grosseria do panfleto publicado pelo Diretório Municipal do PSDB paulistano atacando a prefeita. ?O estilo agressivo do jornal não agradou a alguns integrantes do PSDB?, diz a sucursal da Folha de Brasília. Um deles estava tão aborrecido que se disse feliz por não ter ido lançamento do panfleto.

Mas FHC está muito feliz e endossou a ofensiva. Valor de ontem revela que a operação tem caráter estratégico, foi decidida pelo alto comando dos tucanos e bancada pelo Diretório Nacional. Seu objetivo é atacar o PT no plano ético, difamando Marta. Dois dias antes, o mesmo FHC, que não tem tempo em sua agenda para discutir com Marta a dívida deixada pelos malufistas em São Paulo, recebeu os vereadores paulistanos do PSDB, que foram pedir a intensificação de programas sociais do governo federal na cidade. Os tucanos estão preocupados com a ?visibilidade dos programas sociais? de Marta.

Tucanos erram na dose e no timing

O panfleto tucano faz uma colagem de manchetes hostis a Marta, muitas delas distorcendo os fatos, e todas retiradas de contexto, mesmo porque se referem a um tempo passado. Questionado por Maria Lídia ontem, na CBN, sobre o uso descontextualizado das manchetes, o presidente do PSDB, José Aníbal, foi ainda mais grosseiro.

As posturas de Maria Lídia e da Folha denotam que os tucanos exageraram na dose e erraram no timing. Os paulistas basicamente querem ajudar Marta a dar certo, não se importando com petismo ou antipetismo. Decepcionaram-se bastante no começo, e com razão, mas já perceberam a diferença essencial de qualidade entre a seriedade da administração de Marta – mesmo errando muitas vezes – e a irresponsabilidade e a corrupção das administrações malufistas. Nesse clima em que todos querem ajudar a prefeitura a recuperar a cidade, o objetivo claramente difamatório das manchetes do panfleto tucano pode se voltar contra os próprios tucanos.

No Rio, tiros contra o PT já saíram pela culatra

Hoje, os jornais trazem o recuo do Anthony Garotinho, que também tentou enlamear o PT com acusações infundadas contra Benê, no Rio. O JB dá uma página inteira ao episódio e anuncia que, apesar da retratação, Benê vai entrar na justiça contra Garotinho. No caso das manchetes paulistas, é mais difícil ir à justiça. As manchetes, especialmente as da Folha, usam truques de linguagem indireta para difamar, sem correr o risco de serem processados por calúnia ou terem de conceder o direito de resposta. O uso posterior dessas manchetes para difamar, mais uma vez e ainda mais a prefeita, mostra a importância de uma postura pedagógica junto à imprensa desde o primeiro dia da administração, cobrando com rigor a ética jornalística.

A volta da propaganda subliminar

Não fica só nos bombardeios ostensivos a contra-ofensiva tucana. Vocês se lembram da campanha subliminar do Bom Astral, bolada por Mauro Salles na campanha de 98 para ajudar a eleger FHC? A campanha está de volta, agora com o nome Movimento o Brasil é Mais. O truque de 1998 consistiu em associar à publicidade de produtos de grandes empresas as cores da campanha tucana e frases otimistas. A primeira peça da nova campanha apareceu esta semana na Folha, com a mesma Hebe Camargo da campanha de 98. Ganhou meia página e o slogan: ?Pense positivo?.

E a propaganda pesada do malho

No JB, um encarte de 36 páginas travestido de reportagem jornalística derrama elogios ao sistema de transportes do Brasil. É o governo jogando pesado na propaganda. Esse tipo de propaganda de governo, paga com dinheiro público e apresentada como reportagem, é tão tradicional no jornalismo brasileiro que tem um nome: malho. O governo separou R$ 900 milhões de munição para cooptar a mídia com malhos e outras peças de propaganda.

Alguns dos títulos das matérias do encarte do JB revelam o seu conteúdo propagandístico:

Um país voltando aos trilhos

Corporativismo é o maior entrave

Portos recebem novos investimentos

Rodovias inteligentes

Uma semana antes, a maioria dos jornais trazia um balanço chocante da Confederação Nacional dos Transportes (CNT): pelo menos 68% das rodovias brasileiras estavam de estado de conservação ruim.

A greve dos professores

O Estadão de hoje dá uma página inteira à greve das universidades federais, repetindo em vários lugares o custo das demandas dos professores no orçamento, caso fossem atendidas. Mas em nenhum lugar diz os valores dos salários dos professores. Ou seja, o motivo da greve. Quem revela os salários é Jânio de Freiras em sua coluna de hoje na Folha: cerca de vinte mil professores ganham abaixo de R$ 2.000 brutos, dos quais dez mil ganham cerca de R$ 1.000.

Não deixe de ler

A reportagem de Clovis Rossi, na página B4 do caderno Dinheiro da Folha, e o seu comentário na página 2 do mesmo jornal, revelando o despreparo do governo frente à intensidade das negociações internacionais atualmente em curso. Um exemplo: faltando 13 dias para o prazo fatal, o Mercosul ainda não tem uma proposta consensual para a negociação de um tratado de livre comércio com a União Européia.

17/10/2001 – A pesquisa que não agradou ao sistema

Os jornais não gostaram nada da pesquisa Vox Populi, liberada ontem, que confirmou a baixíssima popularidade dos candidatos governistas, em contraste com a crescente popularidade de Lula. Folha, JB e Gazeta Mercantil chegaram a ignorar essa pesquisa, apesar de sua amplitude, ouvindo mais de 3.500 pessoas. O Estadão noticiou discretamente e centrou o foco em itens secundários. Mesmo assim, registrou que na aferição espontânea Lula dispara na frente com 24% das intenções de voto, o que é extraordinário para esse tipo de medida, em que se deixa o eleitor indicar sua preferência sem nenhuma indução ou limitação de nomes. Ciro teve 7%, Itamar, Garotinho e Roseana apenas 3% cada . Serra nem isso: ficou com 2%. E Tasso, coitado, teve só 1%.

O que os jornais disseram do encontro dos desesperados

A pesquisa explica o desespero dos trêecirc;s governadores representativos do bloco do poder, em busca de uma saída para sua derrota anunciada nas pesquisas. Espremendo o palavreado vazio das reportagens sobre o encontro, resta a única informação de que os três acham que Lula nunca esteve tão perto de chegar ao poder e que concordam em tentar ganhar apoio de seus partidos para uma candidatura governista única.

A Gazeta Mercantil enfatiza a decisão de Tasso Jereissati de sair à luta, e descreve a maratona de encontros que dá início à sua campanha pela pré-candidatura dentro do PSDB. A Folha fez jornalismo de intriga, como é o seu estilo: foi cobrir o encontro com uma pauta pré-determinada de que era uma tentativa de isolar Serra, e engasgou-se nas próprias palavras, a partir da manchete: ?Tasso e Roseana selam pacto e Jarbas nega ação anti-Serra?.

E o que os jornais deixaram de dizer

A proposta de uma prévia dos três partidos para definir o candidato único, que teve tanto destaque antes do encontro, quase desapareceu do noticiário por sua evidente inviabilidade. Mas essa era a proposta mais reveladora do que podia ter sido o verdadeiro objetivo de FHC, ao sancionar o encontro: uma nova tentativa de impedir o PMDB de ter candidato próprio e, dessa forma, isolar Itamar Franco. Mauro Santayana, no seu comentário de ontem à noite na Band, mencionou essa hipótese. Colunistas políticos escaldados, como Dora Kremer e Franklin Martins, ignoraram.

As razões da popularidade de Lula

Entre as razões da popularidade crescente de Lula, pode estar, paradoxalmente, a má vontade da mídia para com os projetos de políticas públicas alternativas que o Instituto Cidadania vem apresentando ao debate público. Ontem, foi a vez do projeto ?Fome Zero?, apresentado em grande estilo em Brasília. A Folha, para destacar as divergências entre Lula e Suplicy, acabou dando enorme destaque ao encontro. Também a ênfase que os jornais deram à proposta de criar uma taxa de 5% nos restaurantes de luxo, para poder ridicularizar o projeto ?Fome Zero?, pode ser lida pelo público ao contrário, ou seja, favoravelmente.

Massacre na periferia

A Reuters mandou aos jornais despachos contraditórios e fragmentados sobre massacres de 20 ou de 200 pessoas em Kano, na Nigéria, ocorrido em quatro dias de confronto entre muçulmanos e cristãos. Os muçulmanos protestavam contra o bombardeio do Afeganistão. Os jornais tiveram a coragem de dar apenas diminutas notinhas sobre o massacre. A própria discrepância entre os números nos despachos originais da Reuters mostra o pouco que vale para a mídia Ocidental uma vida na periferia. Vinte ou 200, que importância têm? Nenhuma.

Nas entrelinhas

O Brasil é o país em que a corrupção mais avançou nos últimos cinco anos, segundo relatório da ONG Transparência Internacional, divulgado pelo The Guardian, por sua vez citado na coluna de Boechat, do JB de hoje. Daria uma bela manchete de primeira página em qualquer jornal. Mas ficou para as entrelinhas.

Escamoteando a natureza da corrupção

Por que nenhum jornal publicou o relatório da Transparency? No mesmo dia, os jornais noticiam novos casos de corrupção, inclusive envolvendo altas figuras originárias do tucanato, como o governador do Espírito Santo. Mas cada caso é tratado como fenômeno isolado. A corrupção como traço central do sistema de apoio político amarrado por FHC é escamoteada do público.

Não deixe de ler

A entrevista com o embaixador do Brasil no Irã, Cesário Melantônio, no JB da terça-feira. Deixa claro que, apesar de terem interesses geopolíticos contrários aos do Taleban, os Ayatollas exigem o respaldo da ONU para apoiar uma intervenção no Afeganistão. Estão mais em linha com a lei internacional do que os EUA. A entrevista é muito esclarecedora sob vários outros aspectos."

    
    

                     

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