BOMBAS EDUCADAS
Álvaro Larangeira (*)
Faz três semanas. Manhã, tarde e noite. Segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado e domingo. Nem descanso há para tragar um cigarrito. Uma, dez, vinte, trinta, quarenta, cinqüenta, mil, cinco mil, dez mil, cem mil. Chegar-se-á ao milhão. Mas pelo dito por porta-vozes dos Estados Unidos da América, esta enxurrada de bombas não mata. De vez em quando, por patetice, acerta hospital e ônibus de linha. No mais, os artefatos atingem a sombra das árvores, os microorganismos itinerantes, os formigueiros, as cavernas da consciência e a bolsa escrotal do bin Laden. Pessoas? Estas não, porque os americanos criaram, depois dos projéteis atômico e de hidrogênio, a bomba educada.
Ela pede licença antes de detonar. "Excuse me, lord/lady." Se acertar a cabeça do vivente por descuido, retrata-se: "I’m sorry!" Antes do ataque ianque, as informações a respeito do Afeganistão pupulavam. Duas décadas de conflito interno haviam defenestrado um milhão de afegãos. Dois milhões e meio tinham picado a mula do país, número apresentado como o maior contingente de refugiados do mundo. Eis que agora, quase um mês de ataque diário com bombas de fragmentação, das quais os estilhaços têm o mesmo poder do tiro da metralhadora, as baixas são noticiadas em conta-gotas.
A mídia sorve as informações do Pentágono e lambe os beiços. Daí ficamos nós diante de um chuvisco na tela, borrada por eventuais pontos luminosos, a acreditar ser aquilo um bombardeio da cavalaria aérea do Tio Sam. Um general apresenta uma foto semelhante àquelas tiradas de Urano e esclarece: "Aqui fica a base da organização al-Qaeda. O terrorista à esquerda de quem vai é irmão do moço da direita. Os dois, como se pode notar pelas feições, os olhos e a barba, são parentes do mentor do atentado ao World Trade Center. Aquele ali, sob as montanhas Hindu Kush, é o bin Laden em retirada. Notem a magreza, de tanto se esquivar dos mísseis." A mídia, fascinada, assente.
Em seguida nos aparece um apresentador com um pé no Paquistão, outro no Tajiquistão, o terceiro no Irã e o quarto na Turcmênia, a apontar o Afeganistão, país no qual 35% por cento da população é subnutrida, 60% são analfabetos e é o segundo colocado no ranking mundial da mortandade infantil ? além de ser governado por um bando de retardados religiosos. Resta-nos rezar para que o jornalista não caia e amasse de vez a Ásia. Mas se isto ocorrer, certamente ele também será obrigado a enxergar os cadáveres empilhados embaixo da cama da mídia, resultados da distração das bombas educadas.
(*) Jornalista e doutorando em Comunicação Social / Puc-RS