RPG E MÍDIA
Marinilda Carvalho
A cada crime em que a vítima está de alguma forma ligada a um jogo chamado RPG a polícia afirma que este jogo leva ao crime. A imprensa cai imediatamente na esparrela. Será que policiais e jornalistas não têm filhos? Ou seus filhos jamais "jogaram" RPG? Nunca tiveram a casa cheia de até 20 jovens devoradores de miojo, pizza e coca-cola, representando papéis de mago, ladrão, guerreiro, poeta, falando pelos cotovelos? Nunca?
Não é possível! Em que mundo vivem os filhos de policiais e jornalistas? E não digam que RPG é coisa de "alternativos" e "esquisitos". Esse grupo de RPG com que fui obrigada a conviver durante anos reunia jovens de toda parte, da Zona Sul à periferia do Rio, de colégios públicos e particulares, trabalhadores e estudantes, meninos e meninas. Uma coisa inocente, carregada de imaginação e romance, ricos diálogos, situações inesperadas, em que cada um dá o melhor de si. São dias e dias de "aventura", dias que esses jovens passam dentro de casa, em segurança, longe das drogas, da violência. E dos cemitérios!
Esses grupos popularizaram no Brasil a obra de J.R.R. Tolkien, que essa mesma mídia preconceituosa e aproveitadora põe agora nas alturas, no rastro do filme hollywoodiano O senhor dos anéis. Todos esses jovens leram "O senhor dos anéis", o livro, 1.200 páginas de fantasia de alto nível, que faz bem a crianças, jovens e adultos. Todos ouviram Enya e sua música gentil. E leram muitos outros autores. Falam e escrevem um excelente portugu&ecirecirc;s (o texto do leitor Fabiano Denardin, nesta edição, o confirma).
Às vezes, promovem festas de grande sucesso, algumas a fantasia,
em que dançam, conversam e, os que têm esse hábito,
enchem a cara. Como em qualquer festa. Ou não? Cada pai ?
inclusive o pai policial e o pai jornalista – deveria estimular
os filhos a jogar RPG. Um jogo que incentiva a leitura e a concentração,
a pesquisa, o desenvolvimento do raciocínio.
E se algum jovem se envolve em crime, queiram desculpar, isso provavelmente aconteceria se jogasse Monopólio, ou freqüentasse uma pista de skate ou o catecismo da igreja.
Jogadores de RPG que vão a cemitérios praticar rituais de morte obviamente não são jogadores de RPG. São outra coisa, obviamente doentia, que pede vigilância rigorosa dos pais e assistência médica especializada. Isso a polícia tem obrigação de investigar. Isso a imprensa tem o dever de apurar.
Que a polícia não leia e não se informe ainda se compreende. Que Hollywood brinque de terror com o RPG, admite-se ? eles querem é dinheiro. Que Bob Larson considere o RPG coisa satânica (para ele, o Metallica é satânico!) dá para entender ? afinal, ele representa uma organização americana superconservadora. Que uma mãe inconformada com sua perda intolerável reaja também com intolerância, aceita-se, admite-se ? compreende-se. Mas que jornalistas continuem nessa ignorância, nessa simplificação, nesse sensacionalismo, isso é duro de suportar.
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