Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Em busca do equilíbrio na programação esportiva

TV PAGA

Fundada em 5 de agosto de 1999, a NEO TV é uma associação
sem fins lucrativos formada por empresas do setor de TV por assinatura
que atendem cerca de 310 cidades brasileiras ? das quais 19 são
capitais. Atualmente conta com 750 mil assinantes e apresenta
uma projeção de 1,4 milhão de assinantes para
o final de 2002.

Além de fortalecer o segmento no Brasil, a entidade tem
como objetivo flexibilizar ofertas de pacotes de canais e conteúdo
para as operadoras associadas; obter ganhos de escala; aumentar
o valor agregado do produto perante o consumidor; e desenvolver
produtos adequados para atender a necessidade de seus assinantes.

A NEO TV produziu o dossiê publicado a seguir, no qual esmiúça
a forma como se dá a concentração da programação
esportiva e suas conseqüências para o desenvolvimento
da TV por assinatura no Brasil

1. A TV por assinatura nos Estados Unidos

A TV por assinatura surgiu nos Estados Unidos, na década
de 50, para suprir a necessidade de famílias americanas que
moravam em locais de difícil captação dos sinais
abertos. A partir dos anos 70 houve uma expansão do serviço
para todo o território norte-americano, desencadeando uma
árdua batalha entre as redes abertas e as pagas.

Na época, a principal preocupação dos órgãos
oficiais americanos era garantir a diversidade das fontes de informação
e acesso universal a todos os serviços de televisão,
particularmente os de notícias e de interesse público.
Acreditava-se que a melhor maneira para tal era proteger as TVs
abertas e gratuitas. Com o tempo, ficou comprovado que as redes
pagas também cumpriam esta missão e iam além
ao levar informações econômicas e sociais a
micro-regiões anteriormente inacessíveis.

A partir daí, o órgão regulador norte-americano,
o "Federal Communications Commission" (FCC), adotou medidas
para propiciar uma competição saudável entre
as TVs abertas e as pagas, evitando qualquer monopólio, principalmente
na geração de conteúdo. Entre os mecanismos
podem ser destacados:

  • Edição de uma norma, em 1971, proibindo que uma
    empresa tivesse a licença para operar na mesma região
    uma TV aberta e outra por assinatura. Assim, as redes abertas
    nacionais ficaram impedidas de atuar nos sistemas pagos;
  • Cada local podia ter apenas um operador de TV por assinatura,
    que é obrigado a transmitir os canais abertos;
  • Proibição da exclusividade de programação:
    os geradores de conteúdo deviam oferecer seus programas
    a todos os sistemas, com preços competitivos;
  • Proibição de qualquer pessoa atingir, por meio
    de propriedade ou controle dos sistemas de cabo, mais de 30% de
    todas as residências.

As medidas evitaram o monopólio de conteúdo e distribuição,
protegendo os negócios da TV aberta e da TV por assinatura.
Assim, a competição foi estimulada e o consumidor
pôde ter acesso a uma diversidade de informações.
O resultado foi um rápido crescimento deste mercado, que
conta, atualmente, com mais de 70 milhões de assinantes.

2. A TV por assinatura no Brasil

Composição do mercado

Com o início dos serviços de TV por assinatura no
Brasil, no final dos anos 80, o mercado de televisão no país
passou a ser composto por três grandes segmentos:

  • redes abertas, que oferecem programação gratuita;
  • programadoras, empresas que produzem conteúdo para canais
    abertos e pagos;
  • operadoras, empresas que transmitem programação,
    por meio de assinatura mensal, pelas tecnologias de cabo, MMDS
    (microondas) e DTH (satélite)

Modelo de mercado

Na primeira fase, as concessões do Ministério das
Telecomunicações contemplavam as principais cidades
brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro, com mais de
uma licença. No total, foram distribuídas cerca de
cem concessões para os sistemas de cabo e MMDS, as quais
foram contempladas por alguns grupos, entre eles Organizações
Globo, Multicanal, RBS e Grupo Abril.

Ao contrário dos Estados Unidos, no Brasil as medidas legislativas
adotadas para regular o mercado permitiram práticas que levaram
à concentração do mercado, entre elas:

  • A possibilidade de concessionárias de TV aberta também
    serem operadoras e distribuidoras de TV por assinatura, nas três
    tecnologias: em âmbito nacional, por DTH (satélite)
    e, regionalmente, por Cabo e MMDS (microondas);
  • Concentração na propriedade dos diferentes meios
    de distribuição;
  • Acordos de exclusividade no licenciamento de programação;
  • A não-liberação da participação
    do capital estrangeiro no sistema por cabo, sendo que para os
    sistemas de DTH e MMDS houve tal liberação.

Conseqüências do modelo adotado

A falta de exclusividade na concessão em grandes cidades
provocou uma verdadeira guerra para oferecer conteúdo diferenciado.
Além de gerar programação própria, os
dois principais concorrentes ? Globosat e TVA ? passaram a comprar
canais e programas internacionais exclusivos. Com isso, o mercado
ficou da seguinte forma:

  • Canais exclusivos da Globosat: SPORTV, Telecine, Multishow,
    GNT e GloboNews;
  • Canais exclusivos da TVA: ESPN Brasil, CMT, Bravo Brasil e Eurochannel;
  • Canais oferecidos a todos os sistemas: HBO, Cartoon Network,
    Discovery, ESPN International, Sony Entertainment, Warner, CNN
    International e muitos outros.

O consumidor foi o principal prejudicado com essa disputa, uma
vez que as operadoras não podiam oferecer toda a programação
disponível no mercado. Por outro lado, para ceder os direitos
de transmissão com exclusividade às operadoras, os
produtores de conteúdo começaram a ditar regras ao
mercado, como a imposição de pacotes de canais, alguns
de pouca relevância. Isto acabou provocando uma elevação
nos preços finais.

Outro ponto importante neste mercado é a relação
comercial entre as programadoras (produtoras de conteúdo)
e as operadoras (distribuidoras do serviço). Todas as negociações
são baseadas no jogo de forças entre estas duas pontas.
Isto quer dizer que, quando duas operadoras disputam o mesmo assinante,
leva vantagem substancial aquela que tiver acesso exclusivo a determinados
canais (filmes, infantil e, principalmente esporte). A exclusividade
de programação pode resultar em monopólio,
principalmente se a programadora e a operadora pertencerem ao mesmo
grupo.

Todos estes fatores combinados geram a percepção
de um produto caro e de baixo valor agregado. Hoje a penetração
da TV por assinatura no país é inferior a 10% dos
domicílios com TV, contando com aproximadamente três
milhões de assinantes. Este baixo índice cria um círculo
vicioso: quanto menos assinantes, menos investimentos em produções
locais e quanto menos produções locais, menor o número
de assinantes. E, assim, a TV aberta não encontra concorrente
à altura.

Como conseqüência das práticas que vêm
sendo adotadas desde o surgimento da TV por assinatura no país,
o mercado brasileiro se tornou um dos mais concentrados do mundo,
com as Organizações Globo participando com 63%, se
totalizados os assinantes dos sistemas de cabo, MMDS e DTH. Assim,
as operadoras independentes concorrem, direta ou indiretamente,
com as seguintes empresas:

  • TV Globo ? com cobertura nacional, presta serviços de
    radiodifusão e de TV aberta, com uma rede de afiliadas:
    geradoras, retransmissoras ou repetidoras.
  • Globosat ? programadora, licenciadora e distribuidora de programação
    para TV paga, além de ser detentora dos direitos de transmissão
    SPORTV, Multishow, Telecine, Globonews, GNT e ESPN Brasil e International.
  • Globo Cabo ? controladora de operações de TV a
    cabo das organizações Globo que se apresentam com
    a marca NET.
  • Net Brasil ? comercializa os canais por assinatura e licencia
    a marca NET.
  • Net Sat ? responsável pela operação do
    serviço DTH, em todo o território nacional, com
    a marca SKY.

3. Canais de esportes

Perfil dos canais de esporte

Inicialmente, o mercado de TV por assinatura no Brasil contava
com três canais de esportes: SPORTV (de propriedade da Globosat);
ESPN International (ABC / Disney e Hearst) e ESPN Brasil (50% Abril
e 50% ESPN International). Em 2000 foi lançado o PSN, do
grupo norte-americano de investimentos Hicks, Muse, Furst and Tate,
que possui direitos de transmissão no serviço dos
torneios de futebol Libertadores da América e Copa Mercosul,
entre outros.

A partir de 1997, após intensa batalha jurídica,
o ESPN Brasil perdeu o direito de transmissão do Campeonato
Brasileiro, que se tornou exclusivo do SPORTV. Apesar de haver um
contrato com validade para as temporadas de 1997 a 2001 – firmado
com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o
Clube dos Treze – o mesmo foi rompido unilateralmente e os direitos
repassados ao SPORTV com exclusividade, e sem que houvesse possibilidade
de renegociação dos valores. O ESPN Brasil perdia,
assim, o mais popular evento do esporte de maior repercussão
do Brasil.

O ESPN Brasil também foi prejudicado quando perdeu o direito
de transmissão dos principais jogos dos Campeonatos Paulista
e Carioca, adquiridos com exclusividade pela Globosat que passou
a vendê-los para transmissão em pay-per-view
(pague para ver). O mesmo tem ocorrido com jogos do Campeonato Brasileiro.

A implantação do pay-per-view também
foi um fator decisivo na concentração dos canais esportivos.
Até meados dos anos 90 as TVs por assinatura transmitiam,
ao vivo, os jogos para as cidades onde estes eram realizados, sem
nenhum custo adicional ao assinante. Com a introdução
do novo sistema, o consumidor passou a pagar duplamente para
assistir ao seu evento favorito: mensalidade + taxa da transmissão
do pay-per-view. Esta política restringe ainda mais
a audiência.

Em meados de outubro de 2000, a Globosat realizou uma série
de transações que acentuou o desequilíbrio
do mercado: a primeira foi aquisição de 25% da ESPN
Brasil; a segunda a compra de 33% da ESPN International para transformá-lo
em ESPN Fox e, por fim, decidiu disponibilizar o ESPN Brasil (até
então exclusivo de fato de outras operadoras) para os assinantes
Net/Sky. Em contrapartida, não ofereceu aos concorrentes
o SPORTV, que transmite a maioria dos eventos esportivos nacionais,
sobretudo os futebolísticos, e cujo contrato de exclusividade
vigora até o final de 2004.

O ESPN International sempre se posicionou como um canal não-exclusivo,
enquanto o SPORTV e o ESPN Brasil davam exclusividade territorial
às operações de propriedade da Globo e Abril,
respectivamente. Estes dois canais sempre disputaram a transmissão
de eventos esportivos nacionais, principalmente os campeonatos de
futebol.

A grande preocupação das empresas que não
contratam programação por meio da Globosat diz respeito
às condições de renovação dos
contratos com os canais ESPN Brasil e ESPN International, uma vez
que serão negociados com a anuência da Globosat. Também
é motivo de apreensão a forma como serão distribuídos
os principais eventos esportivos entre os canais com participação
da Globosat. O temor é que o SPORTV, por ser de propriedade
e de distribuição da Globosat, fique ainda com os
principais eventos, acentuando a diferença frente aos seus
concorrentes.

A concentração na distribuição da programação
esportiva

A prática do mercado deixa claro que Organizações
Globo utilizam seu poderio econômico na TV aberta para adquirir
com exclusividade os eventos esportivos,
em especial jogos de futebol, para os canais de esporte das suas
operações de TV por assinatura. Os valores envolvidos
na transação dos direitos para a TV aberta são
bem superiores aos da TV paga, o que garante ao Grupo vantagem sobre
os concorrentes. Há um evidente abuso de poder econômico.

Ao adquirir os direitos dos principais eventos esportivos, as Organizações
Globo também passam a ter o direito de:

  • captar e não transmitir;
  • não autorizar que terceiros captem;
  • captar e não licenciar a transmissão a terceiros;
  • licenciar para distribuição somente às
    suas controladas ou franqueadas.

Um exemplo claro disso foi a não-exibição
do jogo de futebol Estados Unidos x Brasil, no início de
2001. Como não houve licenciamento da transmissão
a terceiros, ninguém pôde assistir à partida.

A Globosat deve oferecer o canal SPORTV para todas as operadoras
do mercado de TV por assinatura, nas mesmas condições
mercadológicas. Os conteúdos dos eventos esportivos
? principalmente futebol – são essenciais para o sucesso
de qualquer empresa que queira atuar no segmento de TV por assinatura
no Brasil. Uma operadora (DTH, cabo ou MMDS) que não oferece
eventos esportivos perde no seu poder de competição.

A recusa da Globosat em autorizar o licenciamento do canal SPORTV
às operadoras independentes não é comparável
à recusa para licenciar a distribuição de qualquer
outro canal de sua titularidade. O canal de eventos esportivos tem
peculiaridade conceitual e estrutural que o distingue de todos os
demais canais.

Alguns canais de gêneros relevantes, como filmes e desenhos,
encontram substitutos perfeitos no mercado, caso de HBO/Telecine
e Cartoon Networks/Fox Kids. Fato que notadamente não ocorre
para os canais de esportes. Neste gênero aquele que contar
com os principais eventos esportivos nacionais e internacionais
provocará um desequilíbrio na concorrência por
não haver como substitui-lo.

4. Conclusão

Uma vez que os canais esportivos são importantes para o
sucesso de operadoras de TV por Assinatura no Brasil, o equilíbrio
no segmento deve ser restaurado. Também é imprescindível
que sejam revistos pontos da legislação que impõem
regras prejudiciais a este mercado.

Para a livre concorrência e saudável disputa nos canais
de esporte, é preciso que a Globosat ofereça a programação
do SPORTV a todas as operadoras do mercado brasileiro. Caso este
quadro não seja alterado, os riscos para o mercado e o consumidor
são:

  • Mercado: pode ocorrer
    uma concentração ainda maior do segmento, que nos
    últimos dez anos conquistou apenas três milhões
    e meio de assinantes, num país com pouco mais de 40 milhões
    domicílios com TV, segundo dados do IBGE. A falta de competição
    desestimula o investimento em produtos diferenciados e de qualidade,
    o que gera pouco interesse do público em adquiri-los.
  • Consumidor: os efeitos
    da concentração podem atingir diretamente o consumidor,
    que deixa de ter acesso à informação diversificada,
    perde seu poder de escolha e fica sujeito a práticas de
    preços discriminatórias. Também se corre
    o risco de haver um aumento dos eventos esportivos, principalmente
    os jogos de futebol, transmitidos pelo sistema pay-per-view,
    fazendo com que o assinante pague duplamente para assistir o seu
    esporte favorito.

[São Paulo, outubro de 2001]

    
                   
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