Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O despacho da juíza


DIPLOMA EM XEQUE

Trecho da decisão da juíza substituta da 16a Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo, Carla Abrantkoski Rister, que suspende a exigência do diploma de nível superior para a obtenção de registro profissional de jornalista.

"Dentro do escopo conferido pela Constituição de 1988, consagrador das liberdades públicas, donde se insere a liberdade de manifestação do pensamento, a liberdade de expressão intelectual, artística e científica, independentemente de censura prévia, tenho que, em princípio, um diploma legal anterior à Constituição, a par do fato de ter sido editado sob a forma de Decreto-Lei e não de lei em sentido formal, que impõe a necessidade de formação superior para o exercício da profissão de jornalista, elaborado em época eminentemente diversa, em termos dos valores sociais vigentes, em que inexistia tal liberdade de expressão, inclusive nos meios de comunicação, à época fortemente controlados pela censura, não foi recepcionado pela Constituição atual, em função da colidência com tais princípios nela consagrados.

"Tal se deve, ademais, à propalada irrazoabilidade do requisito exigido para o exercício da profissão, tendo em vista que a profissão de jornalista não requer qualificações profissionais específicas, indispensáveis à (sic) técnicas (a de Engenharia, por exemplo), em que o profissional que não tenha cumprido os requisitos do curso superior pode vir a colocar em risco a vida de pessoas, como também ocorre com os profissionais da área de saúde (por exemplo, de Medicina ou de Farmácia).

"O jornalista deve possuir formação cultural sólida e diversificada, o que não se adquire apenas com a freqüência a uma faculdade (muito embora seja forçoso reconhecer que aquele que o faz poderá vir a enriquecer tal formação cultural), mas sim pelo hábito da leitura e pelo próprio exercício da prática profissional.

"Ademais, a estipulação de tal requisito, de cunho elitista, considerada a realidade social do país, vem a perpetrar ofensa aos princípios constitucionais mencionados, na medida em que se impede o acesso de profissionais talentosos à profissão, mas que, por um revés da vida, que todos nós bem conhecemos, não pôde (sic) ter acesso a um curso de nível superior, restringindo-lhes a liberdade de manifestação do pensamento e da expressão intelectual.

"E nem se levante a objeção, ademais, de que tal pessoa poderia enviar uma carta ao jornal, expressando-se livremente, pois é certo que há enorme diferença em assinar uma matéria como jornalista, expressando suas idéias, e ter uma carta, sintetizada em duas linhas, publicada na seção de leitores, eis que a livre manifestação do pensamento importa em manifestar-se num veículo em que aquele que se expressa seja ouvido.

"Outra irrazoabilidade na exigência do diploma ao jornalista consiste na decorrência lógica que isso cria, levantada por um dos pareceristas a que se refere o autor na inicial: caso tal exigência prevalecesse, o economista não poderia ser o responsável pelo editorial da área econômica, o professor de português não poderia ser o revisor ortográfico, o jurista não poderia ser o responsável pela coluna jurídica e, assim, por diante, gerando distorções em prejuízo do público, que tem o direito de ser informado pelos melhores especialistas da matéria em questão.

"Outrossim, verifica-se também o problema de locais de escassa população, em que inexistem os profissionais com diploma, em que a atividade jornalística restaria comprometida, em detrimento do público, que tem o direito à informação (artigo 5?, inciso XIV, da C.F.).

"Sobre o tema da liberdade de imprensa, trago as oportunas palavras de Jean Rivero, trazidas em sua obra Les Libertés Publiques (Tome 2, PUF, 6? edição, 1997, pág. 233), cuja universalidade de suas premissas pode ser aplicada ao presente caso, em que pondera: ?É necessário sublinhar que a profissão de jornalista é uma das raras profissões a cujo acesso não se exige diploma algum, nenhuma formação anterior, nenhuma qualificação particular?.

"Há escolas de jornalismo, mas a passagem por uma delas não é requerida para se adentrar na profissão. Essa total liberdade de recrutamento tem os seus aspectos positivos, sendo que o aprendizado pela prática atende bem às peculiaridades da profissão. A despeito disso, é mesmo paradoxal que uma atividade que confere um poder excepcional sobre o conjunto da opinião pública seja subtraída da verificação de qualidade daqueles que a exercem.

"Nem seria necessário aprofundamento em demasia da questão, na atual fase processual, mas incumbe notar que adoto posicionamento favorável ao caráter vinculante da Convenção Americana de Direitos Humanos, em face da sua ratificação pelo Brasil aos 25/9/1992, conforme, aliás, já defendi na monografia: ?A relação entre o ordenamento internacional e o ordenamento interno em matéria de direito humanos? (in Boletim dos Procuradores da República, Ano II, n? 16, Agosto/99).

"Assim verifico que o art. 13 da referida Convenção consagra a liberdade de expressão e a proibição de qualquer forma de obstáculos ou meios indiretos ao direito de informação, como se verifica com a exigência do diploma de nível superior para o exercício da profissão do jornalista.

"Concluo, assim, que não houve a recepção do art. 4?, inciso V, do Decreto-Lei n? 972/69, pela CF/88, no que tange à exigência do diploma de nível superior para o exercício da profissão de jornalista. Porém, não acredito que a existência do registro junto ao Ministério do Trabalho seja de todo despropositada, desde que não se faça a exigência do referido diploma, tendo em vista que, em todas as profissões, é salutar que exista uma entidade de controle e fiscalização daquelas pessoas que as exercem de modo profissional.

"Nesse sentido, trago novamente as palavras de Jean Rivero, na obra citada, pág. 232: ?A qualidade de jornalista profissional supõe duas condições de fundo: 1) a profissão deve ser exercida a título principal, de forma regular e remunerada, em uma publicação periódica, uma agência de imprensa, ou em rádio e televisão; 2) o interessado deve ter esta como a principal de suas fontes de renda (Código do Trabalho, art. L. 761-2). A reunião dessas condições é constatada pela Comissão da Carteira de Identidade Profissional?.

"A carteira permite ao titular prevalecer-se de medidas tomadas pelas autoridades administrativas em favor dos representantes da imprensa. Assim, tenho que a idéia subjacente ao trecho mencionado pode ser aproveitada no presente, ou seja, o registro em si mesmo não importa em qualquer cerceamento de direitos, diferentemente do que ocorre com a exigência do diploma de nível superior.

"Resta presente, outrossim, o requisito do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, na medida em que aqueles que exercem a profissão de jornalista sem o devido registro (por não possuírem o diploma) podem vir a ser autuados a qualquer momento pela ré, bem assim a sofrer constrangimentos de toda sorte.

"Não obstante, o pedido não merece atendimento em sua integralidade, na medida em que a declaração de nulidade de todos os autos de infração já lavrados importaria em irreversibilidade do provimento, o que é vedado em sede de antecipação de tutela, a teor do ? 2? do art. 273 do C.P.C.. Também a providência pleiteada de expedição de ofícios aos Tribunais pode aguardar a prolação de eventual sentença favorável, a fim de evitar tumultos desnecessários, que poderiam surgir no caso de sentença desfavorável ao autor.

"Diante do exposto, Defiro Parcialmente o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, para determinar que a ré União Federal, em todo o país, não mais exija o diploma de curso superior em Jornalismo para o registro no Ministério do Trabalho para o exercício da profissão de jornalista, informando aos interessados a desnecessidade de apresentação de tal diploma para tanto, bem assim que não execute mais fiscalização sobre o exercício da profissão de jornalista por profissionais desprovidos de grau de nível universitário de Jornalismo, assim como deixe de exarar os autos de infração correspondentes, até decisão ulterior do presente Juízo, sob pena de comissão de multa diária, nos termos do artigo 11 da Lei n? 7.347/85."

    
    
                     

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