TEORIA DA COMUNICAÇÃO
Pedro Celso Campos (*)
"…és livre em não pensares como eu. A tua vida, os teus bens, tudo te será deixado. Mas, a partir deste instante, és um intruso entre nós." Tocqueville
Este trabalho pretende estudar o fenômeno da "indústria cultural" no que se refere ao jornalismo (impresso e eletrônico), relacionando o posicionamento de apocalípticos (que criticam tal fenômeno) e integrados (que o defendem entusiasticamente), a partir dos pressupostos enunciados pela Escola de Frankfurt, que define os meios de comunicação de massa como uma orquestra afinada e hegemonicamente voltada para o controle e a reprodução da sociedade dominante. Sendo o moderno jornalismo um produto da economia capitalista, visando, portanto, o lucro acima de tudo, o receptor da informação torna-se um consumidor como outro qualquer, ainda que a mídia se apresente perante ele como um simulacro de democracia, de difusão cultural, de oportunidades iguais etc. Discutiremos, também, as críticas ao pensamento de Adorno e Horkheimer, concluindo com o legado ético da civilização, embora questionando a "civilização bárbara" de nosso tempo, que comporta exatamente essa noção de "indústria cultural" e de manipulação.
Introdução
Projeções da ONU indicam que o mundo terá entre 7,3 bilhões e 10,7 bilhões de pessoas em 2050, significando um crescimento entre 21,3% e 77,7% em relação aos atuais 6 bilhões de habitantes do planeta. Parece estranho abrir um artigo sobre a conceituação de "indústria cultural" apresentando dados demográficos. Mas é curioso notar que há pouco mais de 50 anos, em 1947, a população mundial era de 2,3 bilhões de pessoas, segundo a mesma fonte. Há 2000 anos, no alvorecer da Era Cristã, o mundo contava apenas 170 milhões de moradores.
Percebe-se que as grandes invenções e a tecnologia não só ajudaram a alongar a vida do homem sobre a Terra, envelhecendo a população neste novo século, mas contribuíram, também para o surgimento dessa coisa chamada "mercado". Nele insere-se a vida moderna em todas as suas nuances, em todos os seus aspectos. Nele se movem as pessoas do mundo, com suas histórias, seus costumes, suas experiências de vida. Naturalmente o processo de comunicação está intimamente relacionado com esse macromercado de seres humanos que precisam de informação e comunicação todos os dias, da mesma maneira que precisam do ar que respiram, embora pelo menos um terço da humanidade viva completamente à margem do consumo.
Falta saber se os meios de comunicação relacionam-se com esse universo de pessoas para ajudá-las a conquistar um mundo melhor ou apenas para que se limitem a consumir, mecanicamente, o que for recomendado ? principalmente idéias ? sem "dar muito trabalho" à ordem estabelecida. Cabe até mesmo discutir o conceito de "eficiência" da comunicação tal qual a conhecemos. Com tal avalanche de informações estamos sendo bem-informados? Ou assistimos passivamente a esse desfilar monumental de notícias disponibilizadas 24 horas por dia, todo o tempo, o tempo todo, em todo lugar, a qualquer hora? Em 1954, McLuhan escreveu na revista canadense Commonweal, Vol. 60: "Antes da imprensa, um leitor era alguém que discernia e sondava enigmas. Após a imprensa, passou a significar alguém que corria os olhos, que escapulia ao longo das superfícies macadamizadas do texto impresso… à imprensa, à mecanização da escrita, sucedeu, no século 19, a fotografia e, em seguida, a mecanização da fala ao telefone, no fonógrafo e no rádio. Com o cinema e a televisão sobreveio a mecanização da totalidade da expressão humana, da voz, do gesto e da figura humana em ação… cada um desses estágios da mecanização da expressão humana comparou-se, no seu âmbito, à revolução deflagrada pela própria mecanização da escrita."
O filósofo acha que chegamos a um tempo em que a habilidade de ler velozmente está relacionada com distração e não com saber, com conhecimento, com reflexão.
Seria ingênuo imaginar que os meios de comunicação de massa destinam-se apenas à diversão popular. Desde a primeira linha de montagem comunicacional baseada nos tipos móveis (1455), a imprensa escrita, depois também eletrônica, não fez outra coisa senão desenvolver seu aparato tecnológico para influenciar psicologicamente seus leitores, ouvintes, espectadores e, agora, também os internautas. Bem antes da internet, McLuhan já se admirava com o poder que o rádio, o cinema e a TV tinham no sentido de influenciar as pessoas: " [esses meios] situam certas personalidades num novo plano de existência. Elas existem não tanto em si mesmas, mas como tipos da vida coletiva sentidos e percebidos através de um meio de massa. Bob Hope, o Pato Donald e Marilyn Monroe tornam-se pontos de consciência coletiva e comunicação para uma sociedade inteira."
O filósofo canadense alerta para a necessidade de se estudar, aguda e extensivamente, o processo inteiro da transformação mágica que a intermediação tecnológica produz na sociedade através da comunicação dirigida a bilhões de seres humanos. É notável que a transmissão de eventos mundialmente importantes, como partidas de futebol ou ataques terroristas ao vivo, como os de 11 de setembro deste ano nos EUA, sejam vistos, ao mesmo tempo, no mundo todo, por 1, 2 ou 3 bilhões de seres humanos. São números impressionantes que parecem solenizar a importância de se estudar a fundo os processos de comunicação. Por sua natureza polêmica, todavia, tais estudos têm levado aos mais diferentes pontos de vista sobre o mesmo tema.
É polêmica, por exemplo, a visão dos chamados "apocalípticos", de um lado, e "integrados", de outro. Estes defendem a "indústria cultural", alegando que ela democratiza o acesso à cultura e à informação. Para os integrados, conforme Umberto Eco (1993), "a massa, superadas as diferenças de classe, é, agora, a protagonista da história. Portanto, sua cultura, a cultura produzida para ela, e por ela consumida, é um fato positivo".
Entretanto essa ideologia otimista tem finalidade utilitária e é denunciada como profundamente falsa e de má-fé pelos "apocalípticos". Se realmente as massas estivessem no controle da história, se fossem sujeito do tempo presente, provavelmente já se teria realizado a antevisão de Marx: "As massas, tão logo adquiram consciência de classe, poderão tomar a direção da história e colocar-se como única e real alternativa." Mas, a partir da "Dialética do Iluminismo", livro de Theodor Adorno e Max Horkheimer, publicado em 1947, em Amsterdã, deixou-se de ver o proletariado como o sujeito revolucionário da história. Segundo observa Bonner (1999), "a possibilidade de transformação revolucionária foi vista como evanescente diante de uma ordem burocrática aparentemente sem brechas, reforçada pela "indústria cultural" e dedicada a eliminar a subjetividade e as fontes reflexivas de oposição às condições reinantes. Um certo elitismo cultural tomou forma".
Se a "indústria cultural" não abre espaço para a conscientização das massas e se "a emancipação é uma função direta apenas das lutas em que as massas participam", como defendiam os radicais de 1968, já que o socialismo, como alternativa emancipatória, não pode ser imposto por decreto, que esperanças restam num futuro em que o povo venha a ser sujeito da história? A Dialética Negativa dos frankfurtianos está fundada nessa angustiosa impotência diante do racionalismo objetivo: "No trajeto da mitologia à logística, o pensamento perdeu o elemento da reflexão sobre si mesmo, e hoje a maquinaria mutila os homens mesmo quando os alimenta", afirma a "Dialética do Iluminismo", numa imagem que bem se poderia aplicar, em termos práticos, ao que americanos e ingleses chamam de "ajuda humanitária", neste momento da história, ao jogar mísseis e alimentos, ao mesmo tempo, sobre um dos países mais pobres do mundo, o Afeganistão.
Mas a "dialética negativa", por sua ausência de compromisso político, seu descolamento da práxis, torna-se uma atitude intelectual de recusa abstrata, assumida por um observador individual e privilegiado. Ela percebe apenas o aspecto divergente entre o movimento da razão, de um lado, e o movimento da realidade objetiva, de outro. Não reconhece a instituição progressiva, no curso da própria objetivação, de uma possibilidade superior da razão, na crítica adorniana de Adelmo Genro Filho (1987). Segundo ele, o limite teórico e político da "dialética negativa" de Adorno está em que, "por mais profunda que seja, a crítica torna-se diletante e não revolucionária, se não contém o momento concretamente afirmativo".
No que se refere ao jornalismo, o pessimismo de Frankfurt e seus seguidores não veria outra saída senão a volta à fase literária do século 19, único modo de extirpar a característica de "indústria cultural" acentuadamente presente na fase moderna do jornalismo de mercado. Em seus estudos sobre o conceito de esfera pública, Habermas, um dos últimos teóricos da Escola de Frankfurt, vê contradição entre um "jornalismo crítico" e a "publicidade jornalística", esta exercida com finalidades meramente manipulatórias (Adelmo, 1987). O primeiro estaria identificado com a fase literária do jornalismo "de opinião" (século 19), enquanto o segundo está ligado à forma moderna do jornalismo enquanto estrutura empresarial, cujo único sujeito efetivo é o capital, portanto totalmente subordinado à lógica do mercado. Para Habermas, este tipo de jornalismo é dispensável e não merece ser preservado, se queremos um mundo em que a massa se torne sujeito da história. "Aceitas as premissas teóricas da Escola de Frankfurt sobre a "indústria cultural", não há como propor um futuro melhor para o jornalismo: ou ele permanece na mesquinharia que o caracteriza atualmente, enquanto instrumento de mercado, ou será extinto", pondera Adelmo Genro Filho.
Os que defendem a "indústria cultural" acham que a própria história (e não apenas o jornalismo) chegou ao fim, pelo menos nos moldes imaginados pela teoria crítica. Acreditam que os antigos ideais de progresso, conforto e bem-estar foram todos realizados, por isso não há mais motivos para se preocupar nesta era pós-moderna (Tofler-1980). Esse pensamento de dominação, que a "indústria cultural" se encarrega de estereotipar, é vivamente condenado por educadores como Paulo Freire (1994). Ele considera artimanha do capitalismo neoliberal a estratégia de dizer que as utopias morreram, que não adianta mais sonhar, que a pobreza é um determinismo histórico, que as pessoas devem se conformar com a vida que levam. Pelo contrário, diz o educador/formador, vale dizer, o comunicador, deve resgatar a esperança das pessoas num mundo melhor e mais justo, denunciando a manipulação e a mentira.
O resgate da cidadania proposto na pedagogia de Paulo Freire poderia contribuir enormemente com toda essa polêmica sobre as finalidades dos meios de comunicação. Entretanto, considerando-se a motivação capitalista dos próprios meios e o fato de que existem em função do mercado, e não da sociedade, como já foi dito, talvez o resgate da cidadania e dos pressupostos éticos devessem situar-se primeiramente entre os próprios comunicadores. Melhor, entre os futuros jornalistas, quando ainda estão nos bancos da faculdade. Despertar no jovem essa visão crítica em relação ao mundo e ao mercado talvez possa contribuir, de algum modo, para um jornalismo se não meramente literário, como quer Habermas, pelo menos mais voltado para a conscientização do ser humano e para a humanização das estruturas em que todos estão inseridos. Marx disse: "Se o homem é fruto das estruturas, humanizemos as estruturas." Não humanizaremos as estruturas transformando os meios de comunicação num picadeiro de circo, distribuindo "panem et circenses" em vez de reflexão crítica. "O sistema inflado pela indústria dos divertimentos não torna, de fato, mais humana a vida para os homens", declaram Adorno e Horkheimer na "Dialética do Iluminismo".
O debate sobre "indústria cultural" está sempre na ordem do dia porque, como afirma Eco (1993), "…o problema da cultura de massa nos envolve profundamente e é sinal de contradição para a nossa civilização". Afinal, ele está no centro da vida moderna.
Nem apocalipticos, nem integrados
Nem os que se maravilham com o poder da mídia tal qual ela é nem os que a odeiam por sua capacidade de manipular e iludir parecem ter esgotado os argumentos a favor ou contra a "indústria cultural". O que sobra do debate, entretanto, é uma grande confusão, porque, enquanto uns vêem na mídia a diabólica planificação da sociedade, outros alardeiam que a sociedade se tornou transparente e democrática em virtude da economia informacional. Há os que apostam nas novas tecnologias da informação e da comunicação (a "telemática") para superar a "crise de civilização" instalada na economia e na política. A idéia seria um novo modo global de regulação da sociedade ? o sistema nervoso das organizações e da sociedade como um todo ? recriando uma "ágora" informacional, ampliada para as dimensões da nação moderna e deixar desabrochar a abundância da sociedade civil, conforme analisam Simon Nora e Alain Minc em "A informatização da sociedade", de 1978, citados por Mattelart (1999).
Seria como "devolver a voz ao povo", se levarmos em conta que os cidadãos tinham direito a voz e voto nas reuniões cívicas da "ágora" grega. Os integrados acham que os modernos meios de comunicação já permitem ampla voz ao povo. Mas isto se dá episodicamente através de cartas, emails, telefonemas, entrevistas etc. Sendo a mídia um espaço de "mercado", todos sabemos que o acesso das pessoas é limitado aos interesses da empresa de comunicação. Só quem tem acesso pleno nessa área da "esfera pública" de que fala Benjamin são os donos dos meios. No Brasil eles podem ser contados nos dedos: são sete as famílias que comandam os principais veículos de comunicação do país. No exterior, pelo menos no Ocidente, não muda muito: Um número ainda menor de agências de notícias decidem o que é notícia e entopem as redações do mundo todo com a visão do seu próprio mundo. Certamente é um mundo democrático, desde que se entenda por democracia "o direito pleno de uns" e não o pleno direito de todos. Por isto o Sr. Bush ou o Sr. Blair podem falar em "inimigos da democracia" e apontá-los com o dedo, pois são considerados inimigos todos aqueles que dificultam, de alguma maneira, o culto ao deus Moloc dos negócios.
Os críticos da "indústria cultural", os apocalípticos, acham que não se trata de "devolver a voz ao povo", pelo fato elementar de que ela nunca esteve com o povo. Quando eram meramente literários, culturais e opinativos, os jornais eram produzidos para uma elite intelectualizada. Depois, com a fase mercadológica, os jornais tornaram-se um negócio de poucos. Com o rádio, na década de 20, não foi diferente. No Brasil, por exemplo, onde o governo Vargas proibiu, nos primeiros anos, a veiculação de publicidade, só as grandes famílias podiam investir na instalação de emissoras de rádio. Na década de 50 a televisão surgiu da mesma forma, atraindo o pessoal do rádio e beneficiando-se dos favores oficiais. Só na última década do século 20 surgiram as rádios comunitárias, mas a falta de regulamentação as impede de funcionar. E falta regulamentação porque se trata de pequenas emissoras, com alcance de 1 km, destinadas a pequenas comunidades, portanto de pouco retorno político ou econômico para os interesses do governo e dos empresários. Com a chegada dos canais pagos de TV, criou-se a obrigatoriedade de implantação de TVs comunitárias, mas poucas estão em funcionamento no país.
Como se pode notar, é difícil dar voz ao povo. As emissoras comerciais, por exemplo, ciosas do faturamento publicitário, caluniam as rádio comunitárias de todos os modos, classificando-as de "piratas" e divulgando que o sinal transmitido por elas pode derrubar aviões e até desviar ambulâncias.
Criticando a tese de Mattelart de que o povo mesmo deve ser o gerador das mensagens no universo da comunicação, Adelmo Genro Filho esclarece: "…essa tese é de uma pobreza teórica evidente. Ela corresponde, sem dúvida que em nível diferente, à tese da autogestão sobre a economia, proposta de índole pequeno-burguesa que toma a solução da alienação mercantil de modo absolutamente idealista, ou seja, como o controle imediato dos indivíduos sobre as ?suas? condições de produção, não percebendo aquilo que o capitalismo avançado tornou óbvio: que as condições de produção de quaisquer trabalhadores, seja onde for, constituem parte de uma rede universal de relações, uma totalidade que só pode ser dominada politicamente na relação com esse todo. E se é verdade que, em certo sentido, a distância entre emissor e receptor é a mesma que existe entre produtor e consumidor ? como já afirmava a Escola de Frankfurt e Mattelart repete ?, o proletariado e os setores revolucionários devem controlar o conjunto das condições de produção, incluindo aí a informação e a cultura como uma totalidade, isto é, politicamente. O que é muito distinto de ?devolver a palavra ao povo?, uma idéia ingênua que, entre outras coisas, não leva em conta que o ?povo? jamais teve acesso ao tipo de ?palavra? que agora se pretende devolver-lhe: os jornais, o rádio, a televisão e os demais meios eletrônicos de comunicação."
Apesar de Adelmo ter escrito esta crítica em 1987, portanto bem antes do surgimento da internet no Brasil, em 1995, é preciso lembrar que a internet, por si só, também não assegura a democratização dos meios, pois as barreiras sociais, econômicas e culturais impostas pelo sistema afastam milhões de pessoas do uso regular da internet. Ela se torna meio de expressão apenas para a minoria que tem acesso ao computador e à conexão telefônica.
Os teóricos não se entendem a respeito da "indústria cultural". Autor de renomados títulos sobre comunicação, especialmente sobre jornalismo, Ciro Marcondes Filho escreveu que "somente no momento em que a imprensa passa a funcionar como instrumento de classe é que ela assume o seu caráter rigorosamente jornalístico", e não escapou da ferina análise de Genro Filho: "Na verdade ocorre exatamente o contrário: a imprensa só assume um caráter rigorosamente jornalístico quando ultrapassa o seu funcionamento estrito enquanto instrumento de classe. Para Marcondes Filho, com seu ?marxismo? diretamente inspirado em Habermas e sob a grande sombra da árvore de Frankfurt, o capital é uma categoria que adquire um poder quase místico: possui um espelho mágico que faz o jornalismo aparecer apenas para mirar-se nele e reproduzir as condições da sua acumulação."
Criticando outra afirmação de Ciro, segundo a qual "imprensa e capitalismo são pares gêmeos", Adelmo reconhece que "o jornalismo é informação transformada em mercadoria. Mas nem todas as mercadorias são iguais. Além disso, será que todo o jornalismo será sempre, inevitavelmente, mercadoria?"
Além de mercadoria, o jornalismo capitalista é atravessado pela ideologia como uma fruta é passada por uma espada, ou seja, de modo flagrante, evidente, doloroso, compara Adelmo, citando uma imagem de João Cabral.
Até mesmo o "clássico" da professora Cremilda Medina, que todo estudante de Jornalismo carrega na sacola já nos primeiros anos de faculdade, " Notícia ? um produto à venda", passou pelo rigor crítico do filósofo gaúcho: "A tradição da Escola de Frankfurt é um espectro que ronda as abordagens sobre o jornalismo. Mesmo entre os autores que se colocam numa perspectiva ideológica pouco crítica em relação ao capitalismo, comparecem pressupostos daquela visão, evidentemente que recombinados numa salada eclética temperada a gosto. O livro de Cremilda Medina é um exemplo desse fenômeno." Em seguida ele transcreve o trecho a ser comentado:
"Nesse momento, é preciso examinar o problema no seu enquadramento geral: informação jornalística como produto da comunicação de massa, comunicação de massa como indústria cultural e indústria cultural como fenômeno da sociedade urbana industrializada."
"Cremilda reconhece o jornalismo, bem como a indústria cultural no seu conjunto, na qual ele est&aaaacute; inserido, não apenas como instrumento de dominação ideológica, mas como um aspecto da ?moderna sociedade industrial? inaugurada pelo capitalismo. O jornalismo é entendido como produto de uma nova dinâmica social, liberando potenciais democratizantes. No entanto, os limites ideológicos e teóricos de sua divergência com o pessimismo da Escola de Frankfurt é que ela pensa o desenvolvimento de tais potenciais em termos ?evolucionistas?, e não numa perspectiva revolucionária. Embora recorra a Benjamin e Enzensberger, sua filiação teórica está mais próxima do funcionalismo do que do marxismo. Quando se propõe a discutir um modelo de análise dos elementos do processo de codificação da mensagem, ela o faz adotando uma classificação tipicamente funcionalista. O problema da ?angulação? no jornalismo aparece decomposto em ?nível grupal? (empresa jornalística), ?nível massa? (necessidade da grande indústria levar em conta o consumo de massa das informações) e o ?nível pessoal? (originalidade, estilo e talento pessoais na elaboração da mensagem)", comenta Adelmo.
Ele acha que esse "reducionismo" acaba levando o jornalismo a perder sua especificidade e concreticidade histórica: "Primeiro ele é tratado como um aspecto da indústria cultural, depois como uma modalidade de ?linguagem? e, finalmente, essa linguagem é considerada como uma gradação da linguagem comum."
Sobram críticas e contra-críticas para todos os lados. Mas o debate deve durar muito, especialmente com as novas tecnologias que estão revolucionando, senão o conteúdo, como queria Adelmo, o modo de fazer jornalismo de papel, de internet, de rádio, de TV etc. Na verdade, o debate contribui com aquilo que o homem tem de melhor e que lhe confere superioridade: o saber. "Nele, muitas coisas estão guardadas que os reis, com todos os seus tesouros, não podem comprar, sobre as quais sua vontade não impera, das quais seus espias e informantes nenhuma notícia trazem, e que provêm de países que seus navegantes e descobridores não podem alcançar", declaram Adorno e Horkheimer na "Dialética do Iluminismo".
Até mesmo a orientação marxista da Escola de Frankfurt, na qual nasceu o próprio conceito de "indústria cultural", é criticada quando se analisa a modernidade na qual se inserem os meios de comunicação de massa. Essa análise crítica está muito clara em Sérgio Paulo Rouanet (1987), quando ele afirma: "Benjamin se enganou, como tantos outros marxistas, quando considerou que sua época estava madura para a mudança das relações sociais, e por isso julgou que seria possível despertar a modernidade, para interpretar seu sonho. Ela continua dormindo, e o sonho pós-moderno, por mais banal que seja, é o prolongamento do sonho da modernidade, e essa é a melhor demonstração de que não existe ruptura entre as duas épocas."
Todavia, Rouanet observa que, se não há ruptura, há vontade de ruptura: "Se tantos críticos e artistas perfeitamente inteligentes acham que estamos vivendo uma época pós-moderna é porque querem distanciar-se de uma modernidade vista como falida e desumana."
Como a humanidade pode chegar a um tal nível de progresso tecnológico e mesmo assim ser acusada de desumana e cruel? Como os meios de comunicação, sendo tão bem estruturados tecnologicamente, podem colocar-se meramente a favor do mercado, enquanto simulam estar obsequiosamente voltados para o público? Rouanet parece acertar na resposta: "A crença no progresso expôs o homem a todas as regressões. Seu individualismo estimulou o advento do sujeito egoísta, preocupado unicamente com o ganho e a acumulação. A crença na mudança das relações sociais como forma de implantar o paraíso na Terra levou a uma utopia concentracionária, e resultou na criação de todos os ?gulags?. Sua cruzada desmistificadora solapou as bases de todos os valores, deixando o homem solitário, sob um céu deserto, num mundo privado de sentido."
Para o filósofo, "o novo Iluminismo proclama sua crença no pluralismo e na tolerância e combate todos os fanatismos, sabendo que eles não se originam da manipulação consciente do clero e dos tiranos, como julgava a Ilustração, e sim da ação de mecanismos sociais e psíquicos muito mais profundos. Revive a crença no progresso, mas o dissocia de toda filosofia da história, que o concebe como uma tendência linear e automática, e passa a vê-lo como algo de contagiante, probabilístico e dependente da ação consciente do homem. O único progresso humanamente relevante é o que contribui de fato para o bem-estar de todos, e os automatismos do crescimento econômico não bastam para assegurá-lo. O progresso, nesse sentido, não é uma doação espontânea da técnica, mas uma construção intencional, pela qual os homens decidem o que deve ser produzido, como e para quem, evitando ao máximo os custos sociais e ecológicos de uma industrialização selvagem. Esse progresso não pode depender nem de decisões empresariais isoladas nem das diretrizes burocráticas de um Estado centralizador, e sim de impulsos emanados da própria sociedade."
A falsa interatividade
Estudos antigos examinavam o fenômeno da comunicação por sua capacidade de reduzir ou derrubar as barreiras do tempo e do espaço na aproximação das pessoas (Rüdiger-1998). Hoje as telecomunicações provocaram formas de interação tão intensas que o indivíduo já não consegue viver normalmente, em sociedade, se não estiver conectado com o ambiente midiático. O volume de notícias disponível na internet ou na TV a cabo torna-se referência na conversa diária das pessoas no trabalho, em casa, na rua, na escola etc. Segundo Mark Poster ("The Mode of Information". Cambridge: Polity Press, 1990), citado por Rüdiger, "a aldeia global mcluhiana tornou-se tecnicamente factível, engendrando importantes conseqüências que questionam a adequação das teorias e pontos de vista existentes a respeito da comunicação". Para McLuhan, "eletricamente contraído, o globo já não é mais do que uma vila, uma aldeia global, em que o meio é a mensagem".
A tecnologia moderna produziu um êxtase na comunicação. Com a mediação tecnológica, a comunicação criou uma nova realidade em que tudo se faz visível e imediato. Os indivíduos, os seres e as coisas digitalizaram-se e os segredos do mundo, pouco a pouco, tornaram-se transparentes (Rüdiger). Mas comunicação não é só técnica:
"Perde sentido a comunicação que tenta instituir tecnicamente o simbólico. A comunicação só faz sentido contra o pano de fundo da práxis vital imediata, tecida simbolicamente", afirma Rüdiger, para quem tanto apocalípticos como integrados acabam participando de um determinismo tecnológico que tende a fazer-nos cair na confusão mortal entre expressão (o instituído) e intenção (o instituinte) da comunicação.
Se a comunicação é uma mediação simbólica da práxis social ? conforme Habermas ?, é natural que a redutibilidade técnica não pode dar conta de explicar um processo intrinsecamente relacionado com a história humana e as instâncias míticas do coletivo.
"Da oralidade tribal apoiada nas mitologias ? ditando os parâmetros da conversa cotidiana ? à formidável revolução produzida pelas técnicas de impressão e a crescente difusão da mídia impressa, a história da comunicação registra a secularização fundamental da práxis", insiste Francisco Rüdiger ("Introdução à Teoria da Comunicação". São Paulo: Edicom, 1998), completando que a técnica passou a explicar o caráter terreno e humano da produção e troca social das mensagens.
Quem estuda os efeitos sociais dos meios de comunicação encontrará pensamento semelhante em Adriano Rodrigues ("Estratégias da Comunicação". Lisboa: Prensa, 1990): "Nas sociedades tradicionais, as relações intersubjetivas estavam relativamente confinadas a um lugar concreto de enraizamento, a uma comunidade de pertença. Na distinção entre os que partilhavam conosco idêntico destino, os de dentro e os outros, assentava o reconhecimento de regras de convivência e de conivência."
As tecnologias modernas, ao contrário, desenvolveram-se ao ponto de superar essas barreiras de espaço e tempo. Noções de desterritorialização das pessoas e de desenraizamento das experiências estão presentes no espaço globalizado da mídia que transmite em tempo real, intercomunicando realidades dos lugares mais distantes e díspares do universo. O homem está em contato direto com a história. A animação por computador permite "admirar" como viviam, em seu próprio habitat, os dinossauros, tema que antes era intermediado apenas através das lendas e da narrativa mítica.
Entretanto, a crítica que se faz hoje ao avanço tecnológico da mídia ? a partir da mecanização descrita por McLuhan ? por sua planificação da vida social, é a perda da espontaneidade na comunicação. Fundada temporalmente na instantaneidade, a mídia eletrônica torna-se instrumental, sem margem à reflexão, ao aprofundamento (Rüdiger-1998).
A sublimação da ação comunitária acabou reduzindo tudo à técnica. Comunicar tornou-se sinônimo de empregar máquinas e aparatos tecnológicos. O sentido da ação comunicativa como uma "ação em comum" vai desaparecendo na funcionalidade da linguagem tecnificada, rompendo-se as ligações simbólicas que sustentam a interação. Em vez de unir, o processo separa e isola as pessoas, observa o autor.
Observando o poder que a mídia tem de influenciar a sociedade, ditando modos de vida e costumes muitas vezes alheios à cultura de nosso povo, temos a falsa impressão de interatividade entre emissor e receptor. Sem uma análise mais profunda, podemos achar, com os integrados, que a "indústria cultural" veio ampliar os horizontes das pessoas. Entretanto, trata-se, como afirma Rüdiger, de uma interação que não se dá mais a partir de pressupostos históricos, de vivências, experiências e emoções, mas a partir da informação fria, solta, descontextualizada que às vezes chega de um mundo distante cujo contexto social, econômico e cultural escapa ao nosso repertório. A mistura de ficção e realidade acaba confundindo as pessoas porque tudo está baseado na técnica de transmissão. Imagens que outrora causavam impacto, como cenas violentas de terrorismo ao vivo ou de corpos tombando em nossa tela de TV, já não nos remetem mais à lembrança de que ali está morrendo um cidadão, um trabalhador, um pai de família, um jovem que tinha um futuro pela frente, uma criança que não chegou a experimentar a vida… é apenas mais uma cena de cinema a que se assiste comendo pipoca. É a desvalorização da vida, a banalização da morte.
Mesmo assim existe a falsa interatividade que se dá através da divulgação de modismos, expressões pré-fabricadas etc., de modo que as pessoas são consideradas bem-informadas quando, no local de trabalho, declaram ter visto a mesma cena, a mesma imagem, a mesma entrevista, a mesma notícia ou o mesmo concurso que lançou a última moda ou ainda o mesmo avião entrando com todos os seus ocupantes na mesma torre do World Trade Center, em Nova York.
Todavia, esse tipo de "interação" não leva a nenhuma ação, a nenhuma reflexão, a nenhuma atitude prática. As pessoas parecem até mais confusas, com tanta informação. Se não reagissem como autômatas, certamente sairiam em passeatas de protesto exigindo justiça e paz. Ao contrário, contemplam passivamente as manifestações das minorias de sempre contra os problemas da humanidade, contra a insensibilidade do G-8, contra as exigências do FMI, contra as estratégias de guerra tratadas como "Justiça Infinita"…
Voltemos a Rüdiger: "Aparentemente a comunicação parou de remeter à mensagem, para voltar-se apenas à sua própria realimentação. Entretanto, podemos perguntar se, realmente, isso é uma novidade do ponto de vista epistemológico… ou a comunicação se tornou uma categoria destinada à contaminação ideológica por parte do dispositivo de poder/saber que, com esse nome, se estabeleceu em nossa sociedade?"
É um questionamento razoável, afinal defende-se a comunicação como um bem social que contribuiria para a compreensão mútua entre os homens e o progresso do indivíduo. Mas será que ela realmente promove isto? Em que medida? Quando usada ideologicamente em busca do puro consenso ? através da reiteração de imagens conceituais ? a comunicação está a serviço do homem ou do sistema? O volume de informação imediatista não acaba "emudecendo" o homem? O reconhecimento de que a política depende cada vez mais da comunicação (pois "tudo é comunicação") não pode levar a um mecanismo sistêmico de reprodução da sociedade dominante?
Para contribuir com o debate entre apocalípticos e integrados, podemos tomar de empréstimo a conclusão de Rüdiger: "A fundamentação conceitual básica, em última instância, não deve ser buscada no registro teórico da comunicação, mas numa teoria crítica da sociedade."
Conclusão: saída ética
Se é preciso "humanizar as estruturas" na tentativa de curar esse "mal-estar da civilização" de que falou Freud, também é importante compreender, com Walter Benjamin, citado por Michael Löwy (2000), que o processo técnico e industrial pode ser portador de catástrofes sem precedentes. E a maior catástrofe que pode ocorrer é acharmos que nós, perfeitamente integrados com o mundo pela mídia, somos os povos civilizados da história e que os outros, aqueles que fizeram picadinho do Império Romano, é que eram os bárbaros. Ou, para ficar na agenda do dia, e repetir o primeiro-ministro italiano, Berlusconi, nós, os cristãos ocidentais, é que somos superiores, os outros, árabes e muçulmanos, é que são "bárbaros".
É aceitando, inermes, o discurso da mídia que chegamos a declarações tão crassas e preconceituosas. Na verdade, as ações dos antigos bárbaros podem ser consideradas monásticas se comparadas à máquina de matar gente em que se transformou a moderna "civilização". O século 20 descrito por Eric Hobsbawm foi de brilhantes avanços tecnológicos, mas também foi o mais bárbaro da história humana, com tantos casos de tortura, massacres, Auschwitz, Hiroxima, goulags, Treblinka, Sobibor, Terceiro Reich, Oriente Médio, Guerra Fria, bombardeios da Otan, Afeganistão, Tempestade no Deserto, armas biológicas etc.
"Mesmo Benjamin, o mais pessimista dos filósofos frankfurtianos, não podia adivinhar a que ponto chegaria a capacidade maléfica e destrutiva da modernidade", comenta Löwy.
A neurose coletiva causada pelos atentados terroristas e pela reação americana, multiplicada insistentemente pela mídia, parece encaixar-se perfeitamente na indagação que Freud faz no final de seu texto "O mal-estar da civilização", nos anos 30: "Se o desenvolvimento da civilização possui uma semelhança tão grande com o desenvolvimento do indivíduo, e se emprega os mesmos métodos, não temos nós justificativas em diagnosticar que, sob a influência de premências culturais, algumas civilizações, ou algumas épocas da civilização ? possivelmente a totalidade da humanidade ? se tornaram neuróticas?"
Contra a agressividade do ser humano, Freud lembra o maior de todos os mandamentos: "Ama o teu próximo como a ti mesmo", mas logo em seguida se revela cético na viabilidade prática do postulado que traria felicidade ao mundo, diante de tanta injustiça e de tanta violência.
Os meios de comunicação contribuem para reduzir a violência ou fazem dela, com regozijo, a manchete de cada dia argumentando que "notícia boa não vende"? Se os meios têm tanto poder de influência, se eles acabam "agendando" a vida social, quem deve ser responsabilizado pelo agravamento da crise no mundo? Será que os pacifistas do Greenpeace gastam mais em anúncios na mídia que as indústrias fabricantes de armas? A relação não será, exatamente e inusitadamente, a imagem do barquinho frágil, de cor laranja, cavalgando ondas encapeladas na tentativa de parar o transatlântico de ferro cheio de lixo nuclear, como na referência bíblica de Davi contra Golias?
Aprendemos no catecismo que Davi só derrotou Golias com "ajuda externa".
Quem poderá nos defender se a mídia está tão envolvida com o sistema?
Mas quem faz a mídia não são as máquinas, não é apenas a tecnologia.
São pessoas.
As pessoas não têm bits, têm memória, cultura, coração, mente, alma, história de vida, visão de mundo… Elas são as "circunstâncias" de que fala Marx.
Não seria o caso de alimentar os comunicadores com fartas doses de solidariedade humana, respeito aos excluídos, honestidade na informação, visão crítica do mundo, sentido de justiça social, formação moral e ética?
Ética. É a palavra.
No entanto, Ética é uma disciplina que, em muitos cursos de Comunicação Social, vale exatamente 50% menos que as demais: apenas dois créditos. É julgada tão desnecessária que a grade curricular a situa no último ano, antes de o aluno ingressar no mercado, ao qual chega com os ensinamentos sobre ética todos muito frescos e bem lembrados… mas depois de passar o curso inteiro, quatro anos, fazendo tudo errado, solidariamente, com colegas, professores, funcionários, chefias etc.
Fala-se muito em ética, mas ninguém liga.
No entanto trata-se de um debate tão oportuno como o dos apocalípticos e integrados a respeito de indústria cultural. Para o jornalista francês (Le Monde) Alain Accardo, há uma cooptação aberta ou dissimulada nas redações dos grandes grupos de comunicação. Como os réus de Nuremberg, os jornalistas não querem tomar conhecimento do estrago causado pela falta de ética, alegando apenas que estão "cumprindo ordens". Ele critica a "docilidade" dos jornalistas perante as empresas em que trabalham e diante das pautas mais absurdas e anti-sociais ao declarar: "…com profissionais ideologicamente confiáveis nos postos de comando, o mecanismo de cooptação, aberta ou dissimulada, garante, aí como em toda parte, um recrutamento destinado a impedir a entrada de raposas no galinheiro ou de hereges na missa. Esse mecanismo começa a funcionar nos cursos de Jornalismo e continua permanentemente em ação nas redações dos jornais. Portanto, os meios de comunicação são solidamente dominados por uma rede na qual basta trabalhar ?como se sente? para trabalhar ?como se deve?, isto é, em defesa das normas e valores do modelo dominante ? modelo esse no qual se produziu o consenso entre uma direita em pane de idéias e uma esquerda em crise de ideais."
Não se pode obrigar as pessoas a serem honestas senão por força de lei. Mas é desejável que sintam a necessidade de serem moralmente idôneas, eticamente corretas. Na linha de Maquiavel, os homens são todos egoístas e ambiciosos e só deixam de praticar o mal quando são obrigados pela repressão da lei. "Os desejos e as paixões são os mesmos em todos os tempos e locais", disse o mestre florentino. Na internet, por exemplo, quando o jornal eletrônico erra, não basta substituir o arquivo que contém o erro. É preciso informar que errou durante o tempo exato em que a matéria esteve exposta. Afinal, no jornalismo digital trabalhamos com o velho texto de Gutenberg ? agora com tipos tão móveis quanto eletrônicos ? e com o conceito de tempo que caracteriza o jornal do rádio ou da TV. Qualquer advogado saberá aplicar a Lei 5.250 ao portal e ao jornalista que informou erradamente, pois ele vai correlacionar, naturalmente, o conteúdo do texto e o tempo de exposição, podendo aquilatar o total do dano a partir do tempo de veiculação, prejulgando a audiência que teve acesso ao erro.
Afinal, como já disse nosso guru Alberto Dines, "jornalismo digital é, antes de tudo, jornalismo". O surgimento da internet pode ser comparado à descoberta do fogo, mas não é a reinvenção da roda. Os jornalistas precisam continuar escrevendo, informando, opinando, interpretando, apurando, investigando, checando, corrigindo, fazendo jornalismo de qualidade e com ética.
Existe a Lei de Imprensa, existem os códigos próprios para que todos escrevam somente a verdade, nada mais que a verdade… ainda que não se saiba a verdade de quem… Afinal, o que é a Verdade?
Mas, voltando a Maquiavel, se não se pode esperar "virtú" do príncipe, isto é, do sistema ? e o exercício da "virtú" consiste exatamente em ser ético ? então a saída pode ser discutir ética à exaustão com os futuros comunicadores, e não apenas no final do curso.
É certo que os jornalistas não são donos dos meios de comunicação. Mas os que se destacam chegam a posições de comando e aí poderão agir para influenciar as empresas a colocarem seus veículos a favor da humanidade, e não apenas do mercado.
Só assim teríamos mais cultura (autêntica) e menos indústria (cultura inútil) nos meios de comunicação, dirimindo-se a enorme peleja entre apocalípticos e integrados.
Quem sabe, porém, tudo isto não passe de Utopia…
Consola saber, porém, que são os utópicos que mudam o mundo, tenha ele 6 bilhões ou 12 bilhões de humanos.
(*) Professor-mestre de Jornalismo Comunitário na Unesp-Bauru. E-mail: <pedrocelsocampos@terra.com.br>
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