TELEJORNAIS
Vera Silva (*)
Contei a vocês como o racionamento mudou a minha vida. Quase não vejo mais TV, leio muito. Talvez por isto mesmo, quando vejo, encontro um monte de coisa esquisita, pouco reflexiva, incompleta, boboca, piegas. Acho que cortar o contato faz com que a gente veja o velho com novos olhos. Boa dica de mudança, não é mesmo?
Os telejornais matutinos a que andei assistindo têm um jeito estranho de discutir as notícias. Abusam das entrevistas ancoradas por perguntas tolas. Em geral dão a resposta na pergunta, igualzinho àqueles professores que querem ficar bem com todos os alunos. Dão um espaço enorme às figuras do governo e escoram suas declarações com ênfases e salamaleques. Quando a figura é de oposição ou grevista deixam sua fala seca, sem ênfase, desnutrida. Se for grevista classe econômica, assim como funcionário do INSS, nem isso.
A edição dos telejornais é um tiro na igualdade de oportunidades. Manipulando-se o espaço e a seqüência das falas, é possível tornar uma coisa conclusão de outra. Usando adequadamente os verbos, podem-se lançar dúvidas sobre o que alguém falou, indiretamente, sem que o próprio entrevistado se dê conta. É possível também ignorar o que alguém disse e tirar conclusões alterando totalmente o contexto dos fatos.
Cena I: Fala, Brasil do dia 29/10
A reportagem dizia que os estudantes do Colégio de Aplicação haviam tentado impedir o vestibular da UFRJ porque, com a greve, não terminaram o semestre e iam ser prejudicados. As entrevistas seguintes ignoraram estes fatos e sequer perguntaram ao reitor se ele não achava estranho punir nos alunos a raiva que sentia dos professores em greve.
No final da matéria, Mônica Waldvogel e Rodolfo Gamberini (o Bóris Casoy está fazendo escola) emitiram longo comentário sobre o absurdo que os estudantes cometeram ao desrespeitar a decisão da Justiça e promover aquele tumulto. Não apareceu ninguém para estranhar o motivo de o reitor da UFRJ precisar fazer o vestibular agora, sem antes tentar resolver o problema de seus atuais alunos. Os apresentadores, muito sérios, sábios e descontextualizados, criticaram os estudantes por desobedecerem à Justiça, mas esqueceram de criticar o ministro que também o fizera.
Cena II: Bom dia, Brasil do dia 31/10
O sindicalista fala sobre a greve dos docentes do ensino superior. Corte rápido, para a secretária do MEC, sentadinha no estúdio, muito bem vestida, gentilmente entrevistada, rebatendo o que os professores diziam e dizendo que gostaria de saber o que os pais destes alunos pensam de seus filhos estarem sendo prejudicados. Final do ato. Ninguém entrevistou estudantes, ninguém lembrou de sumariar as duas entrevistas, para identificar os pontos de conflito. A palavra final ficou com o governo, deixando a impressão psicológica de que o que os professores disseram antes era bobagem ou "política".
Fala, Brasil, Bom dia, Brasil, Cala a boca, Brasil, Vai logo trabalhar porque senão vai chegar atrasado. Parece ser esta a mensagem dos telejornais matinais. Você pensa que se informa, eu penso que faço telejornalismo. Isto é uma vergonha!
(*) Psicóloga