Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Mídia na guerra da informação

AL-JAZIRA & BIN LADEN

Leneide Duarte, de Paris

Ouvir os dois lados. Esta é uma das regras básicas do jornalismo, ensinada pelos profissionais mais experientes aos jovens focas, tanto nos manuais quanto nas redações dos grandes órgãos de imprensa. Mas, em época de guerra, a propaganda costuma vir acoplada à notícia. Nesse caso é difícil para o leitor ou telespectador, e até mesmo para os jornalistas, distinguir informação de propaganda.

Fundada em 1996 pelo emir Hamad ben Khalifa al-Thani no menos populoso país árabe (560 mil habitantes, um pequeno território que não passa de apêndice da Arábia Saudita), a rede de TV do Catar al-Jazira pretende fazer um jornalismo "leigo, moderno e panarábico". Mas, apesar de ser a televisão mais ocidentalizada do mundo árabe e de buscar "ouvir os dois lados", a rede ? que pretende ser a CNN do mundo árabe ? costuma ser acusada de partidária. Ao difundir duas entrevistas com Osama Bin Laden, a primeira no início de outubro e a segunda em 3 de novembro, al-Jazira passou a ser vista com desconfiança nos Estados Unidos e na Europa. O escritor e filósofo francês Bernard-Henri Lévy chamou-a de "rede de Bin Laden", em seu artigo semanal na revista Le Point, logo depois da primeira transmissão de uma entrevista exclusiva com o líder saudita, que convocou o Islã à guerra santa contra os infiéis.

Mas engana-se quem pensa que a rede é uma unanimidade no mundo árabe. Apesar de mostrar simpatia pela causa palestina, a al-Jazira também exibe entrevistas com Shimon Peres e com os pacifistas da esquerda israelense. Os países árabes, sobretudo a Arábia Saudita, fazem pressão sobre publicitários para boicotarem a rede. E o governo saudita foi mais longe: proibiu-a no país, porque a emissora transmite entrevistas exclusivas com os opositores do regime. Ao tentar fazer um jornalismo isento durante a guerra, o que a rede al-Jazira conseguiu até agora foi desagradar tanto aos americanos e a intelectuais como Bernard-Henri Lévy quanto a países do mundo árabe.

"Critérios profissionais"

A polêmica não impede a al-Jazira de crescer. Ao contrário: foi graças à suas entrevistas exclusivas com Bin Laden e às reportagens do correspondente em Kabul, Teyssir Allouni, que a cadeia do Catar ganhou projeção. Seu estatuto prevê que ela deve ser autônoma financeiramente a partir deste ano, graças à publicidade. É provável que não consiga atingir essa meta [clique abaixo em PRÓXIMO TEXTO para ler entrevista com M?hammed Krichene, âncora da al-Jazira].

Criada pelo emir para sustentar seu governo, que resultou de um golpe de Estado contra seu pai, a "CNN do Catar" quer exibir uma imagem de "independência, modernidade e liberalismo ponderado" do regime. E apesar de criticarem a divulgação dos dois vídeos de Bin Laden, os Estados Unidos não se opõem ao governo do Catar. Ao contrário. Washington não somente apoiou o golpe como tem uma estreita relação com o emir Al-Thani, pois é no Catar que os Estados Unidos estocam a maior parte de material militar fora de seu território.

Por intermédio de sua mídia mais importante, o Catar quer aparecer como uma ilha de independência e moderação ? aliás, al-Jazira quer dizer "a ilha", em árabe. Essa moderação é defendida pelo chefe do escritório em Londres, Sami Haddad, que diz: "Todo mundo tem direito à palavra: tese e antítese, cabendo ao telespectador fazer sua síntese".

Apesar de ser acusada pelos americanos como uma mídia de propaganda, al-Jazira também pode ser acusada de fazer o jogo do Ocidente. Foi o que aconteceu quando a rede transmitiu com cortes a entrevista de Bin Laden, no sábado, dia 3 de novembro. Depois da polêmica difusão da primeira entrevista de outubro, na qual os Estados Unidos suspeitaram que podia haver mensagens codificadas em gestos ou frases para os aliados de Bin Laden de fora do Afeganistão, al-Jazira foi acusada de fazer censura ao cortar trechos da entrevista de 3 de novembro. Apesar de se vangloriar de sua linha editorial independente, a rede do Catar não soube explicar por que demorou três dias para levar ao ar a fita com novas ameaças de Bin Laden. Observadores explicam: foi o tempo necessário para a fita ser vista pelos americanos e pelos ingleses, que fizeram a análise do seu conteúdo.

E o que teria sido cortado da entrevista de Bin Laden? O jornal Le Monde levanta a hipótese de que o líder da organização terrorista al-Qaeda possa ter sido "editado" nos trechos em que fazia ameaças personalizadas contra alguns chefes de Estado ou ameaças diretas contra os Estados Unidos. Mas segundo o diretor da rede Mohammed Jassem Ali, os cortes foram feitos com "critérios profissionais" para suprimir repetições de Bin Laden. Como o tempo para a edição foi de três dias, a hipótese de que a fita tenha sido mostrada a americanos e ingleses é bastante plausível.

E ninguém pode acusar Al-Jazira de não ter ouvido "os dois lados".

Furo comprovado

Uma semana depois de sua entrevista censurada (ou "editada") à televisão do Catar, Bin Laden deu uma entrevista exclusiva ao jornal Ausaf, de Islamabad, publicada também no jornal paquistanês de língua inglesa The Dawn [sábado, 10/11]. Na entrevista, Bin Laden anuncia que "se os Estados Unidos utilizarem armas químicas ou nucleares contra nós, poderíamos revidar com armas químicas e nucleares". Ao ser perguntado pelo jornalista Hamid Mir ? que está concluindo a biografia do líder da Al-Qaeda ? onde ele conseguiu tais armas, Bin Laden apenas respondeu : "Passemos à próxima pergunta".

Não há dúvida da autenticidade da entrevista. Junto com o texto, foram publicadas duas fotos do jornalista com Laden, com a data de 8 de novembro.