GUERRA NA MÍDIA
"Al-Jazira não é pró-saudita, diz jornalista", copyright O Estado de S. Paulo, 8/11/01
"Se a Guerra do Golfo, em 1991, foi a oportunidade de a CNN se consolidar como a principal agência de notícias, a guerra no Afeganistão está revelando ao mundo a rede Al-Jazira, do Catar. A rede do emirado tem a exclusividade da transmissão dos pronunicamentos de Osama bin Laden e é a única que conta com correspondentes em Cabul, deixando o governo americano incomodado com as imagens da população afegã sofrendo com os ataques.
Apesar disso, Mhamed Krichene, um dos principais jornalistas da rede alerta: ?Não somos a TV de Osama Bin Laden, como o Ocidente tenta nos caracterizar.? Ele conta que, mesmo antes dos atentados terroristas, a curta história da Al-Jazira, criada em 1996, foi marcada crises diplomáticas constantes entre o Catar e governos árabes que teriam sido criticados pela rede de televisão. ?Tivemos problemas com Marrocos, Tunísia, Líbia, Egito, Arábia Saudita e Kuwait. Somos uma emissora que faz barulho e crise, pois falamos de direitos humanos e eleições livres nos países árabes?, afirma Krichene, que nasceu na Tunísia.
?Já disseram que éramos financiados pela CIA, pelos israelenses, por Saddam Hussein e agora dizem que estamos à serviço de Bin Laden?, afirma o jornalista.
O slogan da emissora – ?A opinião e a outra opinião? – parece ser levado ao pé da letra pelos seus diretores. Krichene garante que a TV critica também a tortura e a corrupção no Catar, mesmo que a sobrevivência da emissora dependa de um orçamenrto de US$ 40 milhões dado pelo emir do Catar.
O jornalista afirma ainda que após todas as transmissões de mensagens de Bin Laden, a TV convidou especialistas para comentar as declarações, até mesmo ex-diplomatas americanos. O jornalista conta que a emissora está, agora, tentando convencer o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, a dar uma entrevista para a TV.
Sobre os pronunciamentos de Bin Laden, Krichene conta que as fitas são entregues pelo Taleban ao correspondente da rede em Cabul. ?Temos um escritório em Cabul há dois anos e a CNN também tinha o seu, mas eles fecharam pois não consideraram que valeria à pena. Nós mantivemos o nosso escritório e hoje estamos recompensados.?"
"É o mundo de cabeça para baixo?", copyright O Globo, 11/11/01
"Fundador da ONG Repórteres sem Fronteiras em 1985, e hoje diretor da entidade que está presente em 102 países, o francês Robert Ménard já estava acostumado a denunciar a falta de liberdade de expressão em países autoritários como a China, caóticos como o Congo, fundamentalistas como Iraque. Em Paris, sede da RSF, Ménard contou ao GLOBO que nunca imaginou que iria preocupar-se com atentados à liberdade de informação em países democráticos como EUA, Grã-Bretanha e Suíça.
Qual a repercussão do 11 de setembro de 2001 no contexto da liberdade de expressão?
ROBERT MÉNARD: A maior e mais triste novidade é que, na cabeça de muitos dirigentes, inclusive dirigentes ocidentais, certas liberdades individuais, a começar pela liberdade de expressão, devem ser subordinadas à guerra contra o terrorismo. Essa idéia já foi de alguma maneira posta em prática nos EUA, onde já se viu dirigentes defendendo que os jornalistas devem estar a serviço da pátria, que o patriotismo deve vir antes do profissionalismo.
Mas além da censura do governo, a imprensa parece ter aceito tal papel.
MÉNARD: Há dois casos graves, a tentativa de censura por parte das autoridades, de um lado, e o reflexo da autocensura. Vê-se o patriotismo florir na imprensa americana, o que me deixa boquiaberto. Diante da atitude de inúmeros comentaristas, articulistas, repórteres, tenho a impressão que o país da primeira emenda parece ter esquecido a sua própria filosofia. Isso, a nosso ver, é muito grave, tanto que pela primeira vez publicamos um relatório sobre os EUA e sobre a imprensa americana.
A que o senhor atribui essa tentativa ocidental de se reduzir a liberdade de expressão?
MÉNARD: A emoção nunca é um bom critério para se reagir a eventos graves. Desde o dia 11 decidiram-se coisas importantes sob uma emoção evidentemente legítima e que não é, de jeito nenhum, uma exclusividade americana. São medidas que nunca seriam tomadas se não houvesse a intensa emoção causada pelo 11 de setembro.
Quais são então os perigos que ameaçam a liberdade de expressão?
MÉNARD: Os perigos de que estou falando são relativos aos países democráticos. Nos países não democráticos hoje há uma tentação de ser ainda mais duro com a imprensa. Porque o que conta em termos de imagem internacional é ser contra o terrorismo. O Paquistão e o Uzbesquistão, países essenciais na situação atual, continuam a desrespeitar os direitos do homem, como antes do 11 de setembro. Mas como hoje a prioridade é ser contra o terrorismo, não há Estado democrático que venha dizer algo contra esses aliados na guerra contra o terror. Se você for contra o terrorismo, mas aterroriza sua população, ninguém vai lhe incomodar.
E nos países democráticos?
MÉNARD: Países com os quais nunca nos preocupamos como EUA, Grã-Bretanha, Alemanha, França e Suíça estão no foco dos Repórteres Sem Fronteira. O normal era nos preocuparmos com o que acontecia na China, no Iraque ou na República Democrática do Congo. A Suíça é o país dos direitos humanos, da Cruz Vermelha Internacional, sede da Comissão de Direitos Humanos da ONU, do Alto Comissariado de Refugiados. Pois nós tivemos que intervir na Suíça, que recusou visto de entrada a um jornalista da rede al-Jazeera ( emissora do Qatar ). Outro exemplo: Tony Blair tentou fazer pressão sobre a velha BBC que, para nós jornalistas, é um monumento de profissionalismo, um modelo na história da informação. É o mundo de cabeça para baixo e temos que ter atenção: nada justifica esses atentados à liberdade de expressão.
Como o senhor vê o fenômeno al-Jazeera, e a pressão feita sobre ela?
MÉNARD: Acompanhamos o trabalho deles desde que começaram, em 1996, e eles tiveram sempre problemas com os regimes mais autoritários do mundo árabe. Hoje, eles sofrem pressão também dos EUA. Em todos os anos observando a imprensa nunca pensei em ver algo assim, um país ocidental democrático pedindo a um país árabe para fazer pressão sobre um órgão de imprensa."
"Obsessão pode tornar a mídia cúmplice do terror", copyright O Estado de S.Paulo / The Washington Post, 13/11/01
"A mídia jornalística está entre as grandes vencedoras de 11 de setembro: o terrorismo nos deu uma história imensa e restaurou a seriedade de nossos objetivos. Agora o que fazemos mudou dramaticamente. Eis aí uma história que realmente importa. É sobre o bem e o mal, vida e morte, guerra e paz, religião, tecnologia, o choque de culturas, nosso futuro como sociedade. Inesperadamente, não estamos mais concentrados, obsessivamente, no mais recente escândalo sexual. O tema é importante.
Entretanto, há perigos jornalísticos à espreita. O mais óbvio é o perigo de nos convertermos em um passivo órgão de propaganda do governo, não-crítico e crédulo. Naturalmente, ninguém esperaria que a mídia jornalística fossse neutra. Por acaso deveríamos ser indiferentes ao resultado?
Mas o fato de nossas simpatias serem claras não significa que tenhamos perdido nosso ceticismo. Os jornais e programas noticiosos de TV já estão repletos de comentários indicando que a ?guerra contra o terrorismo? está indo mal e o Pentágono, a CIA e o FBI não sabem o que estão fazendo. Para melhor ou pior, o jornalismo moderno é automaticamente cético em relação aos membros do governo (embora não necessariamente em relação ao governo). A Guerra do Vietnã e o caso Wategate deixaram suas marcas. A outra salvaguarda contra o provincianismo é a natureza internacional da guerra.
O maior perigo é o risco de que a nossa obsessão pelo terrorismo nos converta em cúmplices involuntários. Nesse caso nos tornaríamos (e já nos tornamos, em parte) mercadores do medo.
Um exemplo: o terror do antraz. Até aqui, o antraz era uma ameaça trivial à saúde e à segurança pública: das 17 pessoas que foram infectadas, segundo sabemos, 4 morreram. Até o presente, esse é o equivalente funcional de um louco armado andando à solta, ou de um Unabomber biológico. Em contraste, houve 42 mil mortes causadas por acidentes automobilísticos e 17 mil causadas por homicídios em 1998.
Entretanto, a mídia trata o antraz como um flagelo à espreita, que poderia atingir todos rapidamente. Compreendo as causas disso: o fato de o antraz estar no sistema de correios, seu aparecimento em lugares de grande destaque (o Congresso, a Suprema Corte, organizações jornalísticas), a rapidez com que ele pode matar, se for inalado. Entretanto, a cobertura, até aqui, tem sido desproporcional à ameaça real.
Mas um resultado negativo é o risco de nos tornarmos aliados silenciosos dos terroristas. Terrorismo não é só morte e destruição, mas também provocar medo, semear suspeitas, solapar a confiança na liderança pública.É uma agressão psicológica e também uma agressão física.
Enquanto trabalhamos em torno dessa (história) reportagem tão importante, nós, integrantes da imprensa, devemos reconhecer que nosso próprio empenho nos converte em parte da história e, provavelmente, não para o bem."