DIÁRIO DE NOTÍCIAS
"O autor e a sua obra", copyright Diário de Notícias, 5/11/01
"O historiador José Freire Antunes dirigiu-se à provedora, a propósito de um texto publicado no DN, no passado dia 6 de Setembro, subscrito pelo jornalista Nuno Simas, sobre os 50 anos da Base das Lajes. Segundo Freire Antunes, o jornalista ?plagiou? o seu livro Kennedy e Salazar, ?mas omitiu na peça qualquer referência à obra. Após muita insistência?, afirma Freire Antunes, ?consegui (…) a promessa de um esclarecimento com o destaque atribuído à peça. Contudo,no dia seguinte, verifiquei que o DN publicou apenas um tímido ?esclarecimento? numa página diferente?. Pergunta Freire Antunes: ?Será isto exemplo do jornalismo de referência??
Solicitado a pronunciar-se, o jornalista Nuno Simas reconhece o erro e afirma que essa ?não foi a única obra? que consultou. ?A título de exemplo?, apresenta alguns títulos, ?sem querer ser exaustivo: Os Açores e o Controlo do Atlântico, Asa (1993), Portugal e a NATO, Cosmos (1996), ambos de António José Telo; Portugal e NATO (1949-1999), de Nuno Severiano Teixeira, publicado na revista Nação e Defesa, 1999?. Leu ainda, segundo afirma, A Consolidação da Democracia Portuguesa, de Kenneth Maxwell.
O jornalista reconhece ?dever (…) esta explicação aos autores?, acrescentando que foram ainda citados documentos que obteve ?junto da Gerald Ford Library, com sede nos Estados Unidos, ao abrigo do Freedom Information Act?. Afirma, ainda, que pretende deixar claro que não existiu nenhuma ?relutância? em publicar a rectificação da falta, ao contrário do que pode depreender-se das palavras de Freire Antunes.
Relativamente ao local de publicação e aos termos do ?esclarecimento? – publicado na secção Meu caro DN -, o jornalista afirma que essa é a secção ?usada, por regra, para o efeito?. Por seu turno, a editora Maria de Lurdes Vale confirma que na conversa havida com José Freire Antunes, ?ficou combinado que o esclarecimento relativo à ausência da fonte no artigo de Nuno Simas sairia na página das cartas aos leitores, com um texto que lhe foi comunicado telefonicamente e com o qual concordou?.
Analisando os textos em causa, verifica-se que não possuem, de facto, qualquer indicação das fontes utilizadas, o que justifica a queixa de Freire Antunes. Ora, além de constituir um dever ético, a indicação das fontes consultadas teria conferido ao trabalho uma maior credibilidade, além de proporcionar aos leitores, interessados na consulta directa dos documentos, o aprofundamento das informações fornecidas.
Quanto ao ?esclarecimento? publicado no dia seguinte, era o seguinte o seu teor: ?Uma das fontes utilizadas no artigo sobre os 50 anos da Base das Lajes, ontem publicado no DN, foi o livro Kennedy e Salazar–ý O Leão e a Raposa, de José Freire Antunes, editado em 1991 pelo Círculo de Leitores. Por lapso não o referimos.?
Freire Antunes ?concordou com o texto?, refere a editora da secção Nacional. Contudo, na sua mensagem à provedora, Freire Antunes considera-o um ?tímido esclarecimento?. Ora, independentemente da contradição entre as duas posições, não se compreende que o esclarecimento não tenha abrangido, também, os restantes autores que o jornalista diz ter consultado, mas que continuaram omitidos.
Nuno Simas reconhece a omissão praticada, depreendendo-se das suas palavras que não houve intenção de causar prejuízo ao(s) autor(es) da(s) obra(s) utilizada(s).
Poderá perguntar-se, então, o que terá levado um jornalista consciencioso, como é o caso, a cometer essa falta? Porque não citar, sem reservas, fontes e referências?
As limitações de espaço e de tempo – que Nuno Simas, aliás, não invoca – são, por vezes, responsáveis por omissões e mesmo simplificações graves. Também questões relacionadas com a técnica e ?estética? do texto jornalístico – igualmente não invocadas neste caso – são, por vezes, causa de omissão de dados considerados (impropriamente) demasiado académicos, como sejam referências bibliográficas. Mas os leitores têm o direito de saber quem diz o quê, em cada notícia, artigo, reportagem, etc. que lhes é apresentada, assim como possuem o direito de conhecer quem são os autores de obras reproduzidas, total ou parcialmente, nos media.
Apesar de os códigos deontológicos se referirem, de uma maneira muito vaga, à questão do plágio, não deixam de a considerar uma falta profissional grave. A maioria das referências abrange, aliás, o plágio praticado entre os próprios jornalistas. Com efeito, não é raro que um jornal, rádio, ou televisão utilize notícias lançadas por outros, sem indicação de proveniência, sendo as agências de informação as principais vítimas.
A Internet veio tornar mais frequente e banal a prática de plágio, o que representa uma séria ameaça, não apenas aos direitos de autor dos criadores (jornalistas incluídos), mas, também, à credibilidade do próprio jornalismo.
A avaliar pelas palavras do autor da peça sobre a Base das Lajes, a omissão das fontes utilizadas deveu-se a um lapso seu. Errar é humano e o jornalismo é uma profissão difícil. Contudo, num ambiente em que os cidadãos são envolvidos por todo o tipo de mensagens e de media, torna-se cada vez mais importante que os jornais de referência evitem erros que possam comprometer a sua credibilidade."