FOX NEWS
Arnaldo Dines, de Nova York
Segundo os analistas de mídia, a final do campeonato mundial de luta
livre da informação já começou. No canto
direito do ringue, vestindo as cores da bandeira americana, os críticos
colocam o atual campeão mundial peso-pesado, o império
televisivo da CNN. No canto esquerdo, vestindo o turbante da guerrilha
jornalística árabe, aparece o novo pretendente peso-mosca
ao título, a rede al-Jazira, do Catar.
O problema com este cenário é que, além de fictício, é também ultrapassado. Por um lado, a al-Jazira se revelou totalmente parcial à causa árabe em primeiro lugar e ao movimento Islâmico em um distante segundo, haja visto seu apoio tácito ao Talibã e aos terroristas árabes da al-Qaeda em detrimento da população do Afeganistão. Por outro lado, a outrora todo-poderosa CNN vem perdendo gradualmente sua importância como formadora de opinião pública nos Estados Unidos frente aos avanços da Fox News, a rede de notícias que faz parte do estábulo de mídia do magnata australiano Rupert Murdoch.
A realidade é que em meio a uma guerra contra um inimigo invisível, com o país traumatizado pela chacina terrorista de 11 de setembro e constantemente sob ameaça de novos ataques, o telespectador americano cansou-se do mantra do balanço editorial torto da CNN, optando por veículos que expressem, sem cerimônias, pontos de vista compatíveis com a atual psique do país. E seja por convicção ideológica ou por motivação comercial, a Fox News funciona perfeitamente como instrumento canalizador desta tendência.
Distribuída por cabo e satélite nos Estados Unidos, a rede atingiu em novembro uma audiência média de 623 mil residências, com piques de 1,5 milhão no horário nobre, representando um aumento de 47% sobre o ano passado. Como comparação, a CNN ainda lidera, com 782 mil, mas com um crescimento de apenas 3%, sendo que perde de cadeira no horário nobre, com 1,3 milhão. Já a MSNBC, parceria da Microsoft com a NBC, não consegue passar de um distante terceiro lugar entre as redes de notícias, mesmo com o apoio maciço de Bill Gates e Cia. O detalhe é que a Fox News é distribuída em 10 milhões de residências a menos do que a CNN, favorecida pelos vastos sistemas de cabo da sua entidade materna, a AOL Time Warner.
Complacência internacional
O fato é que com a alma da nação unida agora em torno de um ideal único, a guerra contra o terrorismo, era inevitável que a Fox News alcançasse a posição de solista principal em um coro popular contra o pragmatismo liberal da maior parte da imprensa. Um exemplo foi a cobertura, no primeiro fim de semana de dezembro, dos atentados cometidos por terroristas palestinos em Jerusalém e Haifa. O principal convidado da rede foi o ex-primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, cujos comentários logo após as primeiras explosões em Jerusalém, tiveram repercussão muito positiva, inclusive nas esferas governamentais. Ele foi posteriormente chamado para entrevistas tanto na CNN como na MSNBC.
A diferença é que a CNN abriu imediatamente seus microfones para um desfile de líderes palestinos com seus habituais argumentos para racionalizar as motivações dos terroristas. Seria o equivalente ? mantidas as devidas proporções ? a convidar os líderes do Talibã para debater os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, ainda na própria manhã de 11 de setembro. É justamente esta falta de sensibilidade, a pretexto de imparcialidade jornalística, que leva o público a se refugiar no ponto de vista teoricamente menos objetivo, mas por outro lado mais humano, da Fox News.
No aspecto comercial, a CNN errou também ao tentar conciliar os interesses da sua audiência nacional com seus planos de expansão no mercado internacional, onde compete principalmente com a BBC. A solução encontrada foi justamente um balanço editorial subjetivo: enquanto condena o terrorismo antiamericano, mostra-se mais complacente quando o alvo recai em outras partes do mundo. A falha adicional da CNN, e da qual a Fox New se aproveitou, foi de não perceber a solidariedade do público americano com vítimas do terrorismo, independentemente de suas nacionalidades.
Bobos eles não são
Outro fator diferencial entre as duas redes é a deferência da Fox News ao segmento militar americano, antes mesmo dos eventos de 11 de setembro. Um dos programas de maior sucesso da rede é War Stories (Histórias de Guerra), apresentado pelo ex-marine Oliver North, notório pelo seu envolvimento no escândalo Irã-contras durante a presidência de Ronald Reagan. A proposta do programa é simples, contar histórias de heroísmo em tempos de guerra. Como resultado, criou-se um elo emocional com as forças armadas, evidenciado na cobertura da chegada aos Estados Unidos dos corpos dos dois primeiros soldados mortos em combate no Afeganistão. A Fox News manteve no ar as imagens do cerimonial militar sem nenhuma narração de seus âncoras, em demonstração de respeito à solenidade do momento. Já na CNN, as mesmas imagens foram convertidas em pano de fundo para a tagarelice incessante de seus repórteres. No final, o silencio da Fox News informou muito mais do que o barulho da competidora.
Mas é perante a grande audiência do horário nobre que o contraste entre as duas redes fica mais nítido, em função do comportamento de seus principais entrevistadores. Na Fox News, Bill O?Reilly é um dos jornalistas mais combativos da imprensa americana. Em programa recente, ele interrompeu o representante da OLP nos Estados Unidos, Hasan Abdul Rahman, no meio de mais um discurso desassociando Yasser Arafat da organização terrorista Hamas, para perguntar se o entrevistado achava que o público americano é idiota. Incrédulo, o representante palestino acabou por responder que não. Já na CNN, a grande virtude de Larry King é sua capacidade de recitar sem tropeços perguntas cuidadosamente elaboradas pela produção do programa para não antagonizar o entrevistado.
E como bobo o público americano não é, o programa de OReilly
consegue uma audiência de 1,55 milhão de residências,
dando uma boa rasteira na perna bamba de Larry King, que não
passa de 1,32 milhão. A realidade é que, se a Fox
News continuar neste ritmo, a CNN corre forte risco de ter que jogar
a toalha no meio do ringue e abdicar do título de campeã
mundial no vale-tudo da informação.