CRIME NO AMAPÁ
Chico Bruno (*)
"…hoje os jornais e revistas nacionais se ocupam apenas da corrupção e das tragédias amazônicas…"
Este trecho é parte do artigo publicado no OI da semana passada [veja remissão abaixo] sobre o desconhecimento que o país tem da Amazônia. Infelizmente, o assalto ao veleiro Seamaster, que resultou no assassinato do velejador neozelandês Peter Blake, campeão mundial de iatismo, confirmou que a grande imprensa nacional só se interessa pela Amazônia quando por lá acontece uma grande tragédia.
Foi assim com o assassinato de Chico Mendes e o é quando a floresta arde criminosamente ou quando queima por questões climáticas, como está acontecendo na reserva de Pirituba, no Amapá, só divulgado até agora pela Rede Globo. Nunca para divulgar a história da região ou os feitos positivos conquistados pelo sofrido povo amazônida. Veja da semana passada publicou matéria sobre ecoturismo, com fotos belíssimas de Araquém Alcântara. Infelizmente, dá como opção de hospedagem na Amazônia apenas os carimbados "ecoresorts" do Rio Amazonas, como o Ariaú, que é matéria por já ter hospedado figurões internacionais, com sua exorbitante diária de R$ 600. É como se a Região Norte se resumisse a esse estado. Será que nos outros estados não se pratica o ecoturismo? Claro que sim, e com certeza até mais diversificado que o do Amazonas.
Voltando à questão central: o que ocorreu no Balneário Fazendinha, em Macapá, no leito do Rio Amazonas, faz parte do risco que os navegadores oceânicos sabem existir quando se dispõem a esse tipo de aventura. Inclusive, essa era uma das preocupações do navegador neozelandês, que viajava portando armas de fogo e, por tê-las, reagiu ao assalto. A grande imprensa nacional desprezou o fato, preferiu definir o acontecido como pirataria, assunto que foi tratado com talento por Alberto Dines, no Jornal do Brasil de sábado [8/12/01], para em seguida utilizar o jargão amazônida, que chama os autores desse tipo de ação criminosa de ratos d?água.
Esse episódio demonstra que a imprensa brasileira desconhece totalmente a região. Que os repórteres de hoje, todos diplomados, não foram treinados para aprofundar os fatos, coisa que antigamente era fundamental para o exercício da profissão, forjada pelos chefes de reportagem e editores, que tiravam o couro dos "focas" (denominação em desuso nas redações de hoje) com o objetivo de ter em suas equipes futuros excelentes repórteres.
O conhecimento de causa autoriza: durante muitos anos aturamos recém-saídos das escolas de Comunicação que se achavam o máximo, mas não tinham o mínimo conhecimento geral, fundamental para o exercício da profissão. Esses recém-formados detestam ler qualquer coisa, ouvir rádio ou ver televisão. Só se interessam em cumprir a escala e "tchau e benção", como dizem os baianos. A carência do ensino nas faculdades de Comunicação é tão grande que a maioria dos grandes jornais e revistas faz cursinho intensivo para qualificar os recém-formados e aproveitar os mais bem colocados nos exames finais.
Mas o descaso da imprensa com a Amazônia é um assunto relevante, que precisa ser tratado com a importância devida. O episódio do velejador Peter Blake revelou uma preguiça visível na captação de informações sobre os fatos, haja visto que a Polícia Federal passou um bom tempo servindo de fonte e puxando a sardinha para o seu lado: na verdade, os suspeitos foram presos graças às diligências da Polícia Civil do Amapá, e não da federal. Os policiais do Amapá (em 2000, receberam prêmio da FGV/Fundação Ford e BNDES pelo seu desempenho) botaram a boca no trombone, ante a injustiça que estava sendo cometida pela imprensa brasileira.
Por essas e outras é oportuno o debate sobre o diploma de Jornalismo, assim como é oportuno o debate sobre a entrada ou não de capital estrangeiro nas empresas de comunicação. E será de grande valia um amplo debate sobre a imprensa como um todo, para que pelo menos os futuros jornalistas entendam que o Brasil é um continente, e não se resume apenas ao que acontece na Ilha da Fantasia (Brasília), nos Jardins paulistanos ou em Ipanema/Leblon. Está na hora de a gente brasileira saber seu valor, e ninguém melhor que a imprensa para revelar o dito do poeta. Aliás, está na hora de se fazer tanta coisa pelo país que a gente não sabe nem por onde começar. Mas já é um grande ganho existir o OI, para pelo menos externar o que pensamos.