Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Villas-Bôas Corrêa

CPI, MAR DE LAMA

"A última chance de salvar a Seleção", copyright No. (www.no.com.br), 7/12/01

"Escorraçada pela pressão da imprensa e a repugnância da opinião pública, mas principalmente advertida pelo risco do acerto de contas nas urnas de 2002, a bancada da bola podre que venceu a parada na malograda CPI da Nike da Câmara, foi virtualmente dissolvida com o surpreendente placar de 12 a 0 da aprovação, na CPI do futebol no Senado, do arrasador relatório do senador Geraldo Althoff (PFL-SC). Decisiva a enérgica atuação do presidente, senador Álvaro Dias (PDT-PR). A CPI desceu ao fundo da fossa da corrupção, principal responsável pela decadência da brilhante escola brasileira do mais popular esporte do mundo.

Alarga-se a fresta de esperança de uma virada na mesa da cartolagem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), com varredura em regra da quadrilha chefiada pelo presidente, Ricardo Teixeira, condecorado com a lista de denúncias de crimes, que será encaminhada pela CPI ao Ministério Público. A cúpula da CBF deve trocar as fofas almofadas dos sofás dos gabinetes da sede luxuosa pelo banco dos réus. Na companhia de 17 figurões do elenco dos suspeitos dos mais variados crimes. A turma fartou-se com a criatividade de tarimbados profissionais da gatunagem.

Exemplos edificantes

Vale a pena refrescar a memória, lembrando alguns exemplos da agenda das falcatruas. O presidente da CBF, Ricardo Teixeira é formalmente acusado pelo relatório aprovado pela unanimidade da CPI, entre outras habilidades, de apropriação indébita e lavagem de dinheiro, sonegação fiscal. Administrador relapso, responsável pelo prejuízo de R$ 55 milhões à entidade nos últimos quatro anos. Com o adorno dos desperdícios de milionário com o dinheiro dos outros: sua média de despesas pessoais nas viagens de turismo internacional bate no teto de R$ 199 mil por viagem. O presidente fartou-se, gozou a vida à larga. Só em 18 refeições, em Nova York, no ano passado, com requintes de caviar e vinhos datados, foram mais de US$ 12 mil.

A relação espalha-se pelas 1 600 páginas do relatório minucioso e devastador. Brilham astros ilustres como o deputado Eurico Miranda, presidente do Vasco, autor da proeza do desvio de R$ 13,5 milhões do ex-clube de Romário para as contas do laranja Aremithas José Lima. Lavagem de dinheiro, evasão de divisas, omissões nas prestações de contas figuram entre as habilidades do ditador vascaino. O presidente do Flamengo, Edmundo Santos Silva é páreo duro nas denúncias de roubalheira. No desfile da escola de samba dos suspeitos, dançam o presidente de honra do Vasco (imaginem: presidente de honra!) Antônio Soares Calçada; o desfrutável presidente da Federação do Rio, Eduardo Viana, o Caixa D?Água; o presidente da Federação Paulista, Eduardo José Farah; o presidente da Federação Mineira, Elmer Guilherme e outros menos votados.

Urgência urgentíssima

O Senado fez a sua parte e livrou o rosto do Congresso, reparando o vexame da Câmara. É a vez da Justiça tocar o bonde e apurar as denúncias levantadas pela CPI e as recomendações do relatório. Com a brevidade possível para não dar tempo para que a turma dos espertos recupere o fôlego de sete bichanos escolados e tente safar-se pelos infinitos recursos manipulados por advogados peritos. Mas, a Justiça é lenta, prisioneira de prazos e com os pés amarrados pela burocracia preguiçosa.

E o futebol brasileiro não pode esperar. Está no fim da linha, no extremo limite do desespero, afogado no lamaçal da corrupção, com a falência dos clubes atrasando em meses o salário dos jogadores que se dispersam pelo mundo. Daqui a menos de sete meses estrearemos na Copa do Mundo do Japão-Coréia, depois do sofrimento angustiante da mais medíocre classificação nas Eliminatórias, com seis derrotas para seleções modestíssimas. E continuamos perdidos no emaranhado de erros, insistindo nas mesmas bobagens pela teimosia obtusa de dirigentes e técnicos. O caso é sério, de urgência urgentíssima.

O grito de socorro

O futebol grita por socorro. Sozinho, não se salva do buraco da incompetência e da ladroeira. A varredura convoca o governo a mexer-se. A começar pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, se não quiser ser justamente cobrado pelo vexame asiático no último ano do seu bisado mandato. Limpar o entulho, atirar no lixo a podridão que empesteia o esporte é tarefa que exige a iniciativa enérgica do governo. E é para já, que não há um minuto a perder.

Convém examinar com atenção se o ministro do Esporte e Turismo, deputado Carlos Melles, conserva a autoridade para liderar, em nome do governo e da sociedade, a reformulação da CBF, com a credibilidade comprometida pela revelação do seu desvelo pela administração da esposa, dona Marilda, prefeita de São Sebastião do Paraíso – município mineiro de 45 mil habitantes eleita com a sua ajuda ministerial e agora contemplada com a liberação da verba de R$ 2 milhões para a construção de um centro esportivo. Promessa de campanha do casal. De comovente generosidade com o canteiro de votos municipais. São Sebastião do Paraíso ganhou do céu presentes de fazer inveja a estados menos aquinhoados pelos critérios no rateio das verbas públicas. A privilegiada cidade recebeu mais do que os estados do Maranhão, de Alagoas, do Espirito Santo, de Mato Grosso do Sul, gratificados com mixarias que não pagam a conta de um campo de pelada, com duas balizas sem redes.

Começar de novo

Com a Seleção sem time escalado, que muda a cada jogo, a bagunça do calendário, o rodízio biruta dos jogadores contratadas por clubes estrangeiros, a indecisão do comando técnico, estamos indo para a aventura. Com todos os sinais de alerta de desastre à vista. Seis meses e dias é um prazo curto para colocar ordem na casa, definir a Seleção e o seu programa de treinamento. Cancelando a bobagem de amistosos contra clubes de segunda divisão para os testes que não servem para nada.

Escapamos do pior, do descalabro da irremediável vitória da bancada da bola na CPI do Senado. Tudo mais está por fazer ou refazer. Nos decisivos seis meses e dias. Improrrogáveis."

"A faxina no futebol", Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 9/12/01

"As conclusões a que chegou a Comissão Parlamentar de Inquérito do Futebol, depois de 14 meses de trabalho, pouco têm a ver com o esporte mais popular do Brasil. O relatório da CPI, aprovado quinta-feira por 12 votos a zero, é, antes de mais nada, um repertório de crimes e fraudes que mostra que o futebol brasileiro está sendo dirigido, não por esportistas, mas por uma súcia de aproveitadores inescrupulosos. Se esses dirigentes tivessem se limitado a saquear seus clubes e federações, o problema seria da alçada exclusiva dos associados que foram lesados, mesmo sendo o futebol uma atividade que desperta as paixões populares. Mas a ousadia dos saqueadores, a certeza que tinham – e ainda têm – da impunidade eram tão grandes que deixaram atrás de si claras evidências de crimes de ação pública, como sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

O senador Geraldo Althoff, relator da CPI, propõe em seu relatório o indiciamento de 17 dirigentes esportivos, a começar pelo presidente licenciado da CBF, Ricardo Teixeira, pela prática de 27 tipos diferentes de delitos. ?É uma verdadeira seleção de crimes, mostrando desorganização, anarquia, incompetência e desonestidade?, disse o presidente da CPI, senador Álvaro Dias.

E, de fato, das revelações feitas pela CPI, as que menos chocam são as da incompetência e da desorganização. Disputas que se superpõem, campanhas exaustivas para os jogadores e os torcedores, campeonatos intermináveis – com o conseqüente declínio do nível técnico do futebol brasileiro que desestimula as torcidas. A isso os torcedores já se acostumaram e reagiram, deixando de comparecer em massa aos estádios.

Também não surpreenderam as evidências de que alguns dirigentes de clubes e federações enriquecem enquanto as entidades que dirigem vão à bancarrota.

O que de fato surpreende e provoca indignação é a escala e a desfaçatez da razia, bem como a arrogância com que alguns dos dirigentes indiciados enfrentaram a CPI.

As negociatas feitas na Confederação Brasileira de Futebol são tantas e de tal ordem que até parece que a entidade existe apenas para proporcionar rendimentos para o sr. Ricardo Teixeira e amigos. Sendo uma entidade sem fins lucrativos, seus diretores não podem receber salários. Mas Ricardo Teixeira retirava R$ 35 mil mensais. Despesas pessoais eram pagas pela CBF.

Contratos de patrocínio negociados diretamente foram concluídos por um ?intermediário?, para o pagamento de polpuda comissão. Aplicações financeiras da CBF, no total de R$ 1,3 milh&atilatilde;o, desapareceram misteriosamente. Um mesmo banco, com diferença de um mês, fez um empréstimo à CBF, cobrando 53% de juros ao ano, e a Ricardo Teixeira, com juros de 10%.

Há evidências de lavagem de dinheiro e evasão de divisas no valor de R$ 2,9 milhões.

Tudo isso, e muito mais, explica por que a CBF, que nos últimos quatro anos quadruplicou sua receita – de R$ 18 milhões em 1997, para R$ 79 milhões no ano passado -, tenha um prejuízo de R$ 25 milhões.

A CBF de Ricardo Teixeira também se meteu na política partidária. Nas eleições de 1998, fez doações acima dos limites legais permitidos para 11 candidatos. Um deles era o presidente do Vasco, o hoje deputado Eurico Miranda, sobre o qual pesam acusações de ter desviado do clube cerca de R$ 20 milhões, quantia que, se forem acrescentadas as perdas referentes à venda de passes de atletas, chegaria finalmente a cerca de R$ 72 milhões.

Falsidade ideológica, crime tributário, crime eleitoral, evasão de divisas e lavagem de dinheiro são pontos altos da folha corrida de Eurico Miranda.

A CPI fez um exaustivo trabalho de investigação e coleta de evidências, durante quase um ano e meio. Suas conclusões estão sendo enviadas para o Ministério Público e para a Receita Federal, para que as investigações sejam aprofundadas e transformadas em processos criminais e fiscais. À Mesa da Câmara será pedida a abertura de processo disciplinar, visando à cassação do mandato de Eurico Miranda. A faxina no futebol apenas começou."