CASA DOS ARTISTAS
"Paga-se pau", copyright no. (www.no.com.br), 6/12/01
"Pagar pau é bom. Só os paulistas sabem, mas é bom e não roça em qualquer libidinagem. ?Eu pago pau pra você?, disse Supla. E Bárbara Paz respondeu, no episódio de terça-feira de Casa dos Artistas. ?Eu também pago pau pra você e não pago pra mais ninguém aqui.?
O Brasil boiou. Desde que a MTV divulgou o xaveco como sinônimo de paquera e balada como equivalente a badalação, não se fazia uma paulistês tão radical na televisão. Pagar pau é paixão ou próximo disso. Equivale ao carioquês do ?eu me amarro no teu lance?. É na medida e nada mais para esses tempos sem envolvimentos sentimentais.
Supla não quer com a menina nada além disso. Pagar o tal pau. Ela, como já se viu, quer mais – mas, apaixonada, topa pegar qualquer coisa que o rapaz lhe ofereça. Sem essa de ?eu te amo?. É muito menos. Mas para a geração que vai nas festas, vai nos acampamentos e quer da vida nada mais que o mela-mela de um amasso radical, declarar que está pagando pau representa uma espécie de iniciação sentimental.
É mais que o simples beijo e bolinação. É uma maneira desajeitada de abrir o coração. Há quem se choque, mas o reality show do SBT também serve para isso. Vamos mal de língua. O pagar pau é a cara do que constatou o Exame Nacional do Ensino Médio em 2001, divulgado quarta-feira pelo Ministério da Educação. O país levou pau. A escola piorou. Lê-se menos. Fala-se não o português dos gramáticos, mas dos rappers e outros novos educadores. Sacou?
O pagar pau é também mais um indício, impressionante no horário nobre, de que o sotaque paulista é a nova voz do Brasil. Ratinho, Hebe, Gabi, Galisteu, Supla, Mion, Gilberto Barros, Amaury Jr., Raul Gil, Soninha, Milton Neves, Kajuru. Todos paulistas. Antes que os e-mails entupam o terminal do editor: nada contra, nada a favor. Constata-se. Aos domingos, ninguém mais ouve os chiados da Glória Maria. Sem nostalgia também. O Rio perdeu o poder político, econômico e até mesmo a música brasileira deixou de sair daqui, dominada pelos sertanejos, timbaleiros, forrozeiros e neopagodeiros.
O Ibope mudou de endereço e, medido em Sampa, dá preferência a quem canta o xaveco certo na orelha da Augusta, da Angélica e da Consolação. O Brasil mudou o eixo. Chega ao fim do ano sem o CD do Roberto e sem os aviões da Transbrasil. No futebol, quem está reinventando a bola são os caipiras do São Caetano e na contramão do que sempre foi a índole nacional: sem presepada. Nas novelas, a Globo percebeu que é preciso agradar ao novo padrão nacional e só fala carioquês em Malhação. Sem exagero também. Nos fins de semana, a juventude da casa é comandada por Luciano Huck e Sergio Groissman, ex-demônios da garoa.
Alguma coisa acontece e não só quando se cruza a Ipiranga e a Av. São João. Quando se liga a televisão também. Há um outro país no ar. Diferente daquele que a Globo exportava diretamente da Pacheco Leão. Cai a Vênus Platinada do Jardim Botânico. Cresce a Casa dos Artistas do Morumbi. A vitória da televisão produzida em São Paulo é o grande acontecimento de 2001. Se bobear, a Mari Alexandre acaba derrubando a Vera Fischer da capa da Caras.
A galeria de tipos nacionais também ganha uma mexida. O novo malandro, bom de chinfra, bom de lábia e comendo pelas beiradas do edredon, é o Supla, tá ligado?, o morengueira dos Jardins. Foi um ano ruim para o Rio. O craque do Fla é o iugoslavo Petkovic. Do Flu, o paulista Caio. Na televisão, o carioca mais célebre do momento é apenas uma excentricidade no zoológico humano do SBT. Alexandre Frota, eternamente de sunga, morou?, ensina ao país o que sobrou da mística do carioca ixxxperto e bom de cama: sexo com a posição do cotovelo na pia. Marrento otário. Nada que a família Scarpa já não soubesse e, discretamente quatrocentona, pagasse pau. (Joaquim Ferreira dos Santos é jornalista)"