Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Ivan Angelo

CASA DOS ARTISTAS

"Algo acontece sob as cobertas da cama dos artistas" copyright Jornal da Tarde, 12/12/01

"Surpreendeu o público de ?Casa dos Artistas? a cena de uma suposta masturbação mútua entre Alexandre Frota e Patrícia Coelho. Não se pode ter uma comprovação da reação do público, porém, pelo inusitado, pode-se apostar na surpresa. Mas o telespectador terá ficado contra ou a favor?

Disse ?suposta masturbação?, e explico. O que acontece na ?Casa? é um teatro, um jogo, uma disputa. Qual é a razão do sucesso do ?casal? Supla/Bárbara? O lance amoroso. O público se amarra em romances. Na semana decisiva do jogo, precisavam (os concorrentes e a emissora) criar um fato que diversificasse o foco do público e da imprensa. E lá vai mais um casal para debaixo dos cobertores.

O novo lance é interessante porque põe em jogo outro tema preferido do público: a traição amorosa. Telenovelas, Ratinhos, Márcias e programas de fofocas da tevê comprovam essa preferência. Supla e Bárbara não tinham nenhum relacionamento sério fora dali, mas Frota tem a Daniela. Ooooh! Ele está traindo a Daniela! Não, foi um momento de fraqueza. É, foi ela quem procurou. E por aí vai a conversa nas salas de visita do Brasil.

A escolha da forma de ?relacionamento? combina com a situação geral, de é e não é. O programa, em si, é realidade e não é. É ficção e não é. Até os artistas são e não são. Nada mais adequado do que o sexo que é e não é.

Primeiro, ninguém viu, pois os instrumentos estavam sob as cobertas. Viu-se o que poderia ser ou uma representação ou a realidade. De novo, é e não é.

Segundo, masturbação é um tipo de relação que o público vê como paliativo. É a maneira mais comum de alívio praticada por casais que não querem ou não podem chegar à penetração. Pensa-se: preferível isso do que a gravidez indesejada. É percebida como: bem, eles não transaram, estão só ?ficando?.

(O ?ficar? de Supla e Bárbara é só mais discreto.) O público amante de ilusões pode até assimilar isso bem, sob o argumento: ?É humano, eles estão lá há 40 dias, pô.?

Diz-se que as cenas estavam pesadas para o horário, que foi apelação. Foi mesmo. Apelação é o comum na tevê aberta. E não acontece só no SBT e em outros canais menos apreciados. Na Globo também, nas novelas em que até violência sexual e sadomasoquismo aconteciam recentemente, no mesmo horário, e bem explícitos. Até no ?Planeta Xuxa? a linguagem chula comparece. É preciso elevar o nível geral.

Por fim, lamentam os críticos que a televisão seja usada muito mais para a futilidade e a baixaria, tipo ?Casa dos Artistas?, do que para a educação.

Sim, no mundo inteiro poderia haver uma inversão total na quantidade de tempo gasto com uma e outras. Insistir nisso é chover no molhado.

É o caso de ?Casa dos Artistas?. Esse programa não deveria ser observado com os mesmos olhos com que se vêem certos ?populares?, porque não se trata de audiências tipo Raul Gil, Ratinho, Márcia, Datena, João Kleber, Gugu, Xuxa, Faustão e outros – mas de ibopes que alcançam os 50 pontos! Tem muita gente interessada e vale saber por quê.

Este, definitivamente, não é um programa de formação. Também não é de informação, e não chega a ser de deformação. É, quando muito, um programa de transformação – da realidade em fingimento, e vice-versa. E eu não seria tão severo com ?Casa dos Artistas? a ponto de dizer que ele é maléfico.

Toda vez que um estímulo leva cada pessoa de um público de milhões e milhões de pessoas a se colocar para discutir questões éticas, comportamento e relações, algo de positivo ele tem.

Prêmios para os melhores

Boa a premiação da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) para a área de televisão. Discutível apenas a escolha de Supla como revelação do ano. Quando ele tiver um programa dele, será possível julgá-lo melhor, em se perder a característica de revelação. Revelação que mostrou garra, fogo, qualidade de atriz foi Simone Spoladore, que fez no primeiros meses do ano a personagem Maria Monforte, na excelente minissérie ?Os Maias? (Globo).

O grande prêmio para ?Brava Gente? foi merecido. Também justo o prêmio de melhor programa para ?Os Normais?, atração em que texto, direção, interpretação e descontração geral funcionam. Outro acerto: Silvio Santos como melhor apresentador. É o mais carismático dos manipuladores de platéias, sem dúvida."

"Por que Supla vence Lula" copyright Folha de S. Paulo, 16/12/01

"Provocada por uma brincadeira desta coluna, uma empresa de pesquisa de opinião resolveu incluir o nome do roqueiro Supla numa lista de presidenciáveis para medir até onde vai a influência da mídia nas eleições.

Por causa do impacto do programa ?Casa dos Artistas?, perguntei, duas semanas atrás, a dirigentes dos três mais importantes institutos de opinião do Brasil (Datafolha, Vox Populi e Ibope) o que aconteceria se Supla entrasse na lista, apresentado como uma opção ao Palácio do Planalto.

Todos, sem exceção, apostaram que ele seria apontado como candidato -e mais: disseram que não se surpreenderiam caso aparecesse bem colocado.

Há anos fazendo pesquisas sobre a imagem dos meios de comunicação, a CPM Market Research entrevistou, na semana passada, 368 habitantes da cidade de São Paulo, pertencentes às classes A, B e C. A impressão daqueles dirigentes do Ibope, do Datafolha e do Vox Populi estava certa.

Supla surge em quarto lugar, com 13% das intenções de voto, acima de Ciro Gomes (10%) e de Anthony Garotinho (8%). Está atrás não só de José Serra (19%) como também de Roseana Sarney e de Lula, ambos empatados em 22%. Levantamento divulgado na quinta-feira passada pela pesquisa CNT/Sensus também mostrou Lula e Roseana em empate técnico.

Já seria excelente ter 13% logo de saída, sem ao menos se apresentar como candidato. Seu melhor resultado, porém, é entre os jovens de 16 a 19 anos. Nesse segmento, Supla está simplesmente em primeiro lugar, com 26%, batendo Lula, que fica nos 21%.

Surpreendente esse primeiro lugar? Nem tanto.

Com o final previsto para hoje, a ?Casa dos Artistas? é o maior fenômeno de audiência dos últimos tempos. Fez de Supla uma espécie de herói televisivo, um personagem da vida real envolvido numa trama novelesca em tempo real. Num país de espertos e metidos a espertos, ele passou a imagem de ser alguém respeitoso e responsável. Até aí, apenas o óbvio.

Quem acompanha as investigações sobre os humores e as perspectivas do jovem brasileiro sabe que a vitória de Supla, nessa faixa etária, era absolutamente previsível. Eles acham que política é sinônimo de desonestidade e que quase todos os políticos são malandros. Apostam muito mais em meios individuais para prosperar do que em projetos de nação. Olham ao redor e vêem a pobreza, a violência e a destruição da natureza como sinais de fracasso da ação pública. Quando nasceram, a ditadura já estava encerrada. Não participaram, portanto, da cumplicidade da conquista da democracia.

Valoriza-se obsessivamente a busca do sucesso e do dinheiro, o que se traduz em investir nos estudos e no trabalho. Seria injusto dizer que essa é uma geração sem sonhos. Os jovens identificam-se nas ações voluntárias, geridas pelo chamado terceiro setor: querem fazer a diferença com as próprias mãos, sem intermediários.

É, em essência, uma geração mais pragmática, absorvida pelo tempo real, tomada pela era do conhecimento, com seus novos padrões de comunicação, marcados pela interatividade e pela abundância de informações.

O discurso dos candidatos é velho, carcomido, cheio de chavões. Promete a felicidade por meio da ação do poder público -mas os jovens não confiam no poder público. Ao lado dessa despolitização, misturada com o ceticismo crônico do brasileiro diante dos políticos, existe também a simples ignorância. Muita gente não entende o que os candidatos dizem, consequência do analfabetismo funcional -ou seja, o indivíduo lê, mas não entende.

Na semana passada, uma pesquisa do Instituto Paulo Montenegro (ligado ao Ibope) em parceria com a Ação Educativa, uma entidade não-governamental, feita com brasileiros entre 16 e 54 anos, chegou à conclusão de que apenas 26% deles conseguem ler e entender um livro. Constataram que a deficiência de entendimento consegue chegar até a concluintes do ensino médio e mesmo a universitários.

Semelhante constatação foi verificada num teste internacional de compreensão de texto, que envolveu 32 países, no qual o Brasil ficou em último lugar.

Manipulação da mídia, baixa escolaridade e descrença nos políticos fazem com que o primeiro lugar de Supla entre os jovens seja, por incrível que pareça, absolutamente previsível -esses ingredientes explicam, em maior ou menor grau, o fenômeno representado por Roseana Sarney, que fez do horário eleitoral gratuito sua ?Casa dos Artistas?.

Revelam-se uma sociedade intelectualmente indigente e um jovem politicamente despreparado, mas, ao mesmo tempo, um eleitor com senso crítico, que pede mais responsabilidade na vida pública.

PS – A íntegra da pesquisa da CPM Market Research está no www.aprendiz.org.br. Também estão lá investigações sobre os desejos, as ansiedades e as perspectivas do jovem brasileiro."

??Está certo disso???, copyright Jornal do Brasil, 5/12/01

?Sempre fui fã de Silvio Santos. Como tantos brasileiros, fui conquistado pela garra, profissionalismo e simpatia daquele apresentador que atravessava os domingos na telinha, sem demonstrar cansaço. Aprendi até a perdoar seus pecados mais freqüentes – pois mesmo quando humilhava gente humilde diante das câmeras ou explorava sem pudor a miséria alheia, parecia cruel como são cruéis as crianças, em sua inocência.

Ao me tornar profissional de televisão, meu respeito por SS só cresceu. Eis um homem que não repousou sobre a grande benção divina que recebeu, a sorte. Não, mesmo virado para a lua, SS sempre se expôs ao sol, nunca deixou de correr riscos e trocar a certeza do conquistado pelo imponderável do empreendimento.

O camelô, que aproveitava o intervalo do almoço da polícia para vender, em uma hora, mais do que os concorrentes conseguiam durante todo o dia, é um exemplo saboroso da melhor malandragem carioca. Jogava dentro das regras do jogo, mas sobrava na turma.

SS não parou por aí: logo estava ele a caminho de Niterói para emprestar sua inconfundível voz à Rádio Nacional. Na Cantareira, mais um lance de gênio: com um modesto equipamento de som, passou a entreter os passageiros e fazer mais dinheiro na travessia da Baía do que no emprego que o aguardava no outro lado. Logo, passou a faturar mais do que trocados, começando a vender refrigerantes aos sedentos passageiros da árida barca. Talento, este sempre fora o pseudônimo de SS.

Mais: ao se tornar empresário, revelou-se outra virtude, a de saber reconhecer o talento alheio e fazer questão de pagar bem por ele. Homem de negócios da diversão, artista dos negócios, SS foi construindo, merecidamente, seu império. Valeu-se do amadurecimento de nosso mercado e conseguiu implantar uma concorrência que, para qualquer profissional de televisão, só poderia ser bem-vinda.

Agora o mercado é outro: está globalizado. SS precisa seguir obedecendo a regras cada vez mais claras e justas. O reconhecimento da propriedade intelectual é o reconhecimento a profissionais como SS. O direito autoral é a consagração do valor de uma idéia, do fruto da inteligência de um indivíduo. O samba deixa de ser o passarinho do provérbio e passa a ser produto que reverte a favor do sambista. Uma vitória da civilização contra a barbárie do capitalismo primitivo. A celebração do talento, a remuneração do talento.

Por isso, SS, pergunto: a quem interessa a esperteza acima dos direitos dos outros? Interessa àqueles que querem ver de volta a lei da selva. Interessa àqueles que não se interessam por um Brasil mais rico e mais justo, que não se importam se vamos ter diante do mundo a imagem de larápios selvagens, se vamos ser sempre encarados como parceiros não confiáveis.

Interessa àqueles que querem a moratória da credibilidade.

Eu acreditava, como tantos brasileiros, que SS, o grande contribuinte, não pode desejar ser incluído entre esses traidores da classe e da pátria. Usando descaradamente um produto que tentou comprar e que sabe que foi comprado pela concorrência, SS, talvez sem perceber, proclamou seu desejo pelo retorno à selvageria, seu desprezo pelo talento que o trouxe tão longe. Um tiro no próprio pé.

Por tudo isso, hoje me sinto autorizado a perguntar: ??SS, está certo disso???. Está certo isso?

O programa Big brother foi concepção brilhante de um SS holandês que exportou sua cria, com altos lucros, para todo o mundo. A casa dos artistas é uma vergonha para qualquer artista. Se o precedente criminoso não for exemplarmente punido, logo não haverá casa nenhuma para artista algum. O talento será expropriado, vilipendiado, jogado na sarjeta do mau oportunismo. Na vala comum do vácuo da lei, todos perdem: patrões e empregados, produtores e consumidores, palco e platéia.

Tínhamos uma coisa em comum, SS. Desejávamos um Brasil maior e melhor, e trabalhávamos para que este ideal se tornasse mais próximo. Acreditávamos na competição leal e na criação de oportunidades iguais para todos.

Você virou casaca, SS, passou para o outro lado, o time dos aventureiros sem escrúpulos. Mudando de trincheira, SS, você se juntou aos que estão fadados à derrota, pois a Justiça vai triunfar. E aí, será tarde demais, SS: você não só terá cuspido no prato que o alimentou como também terá cavado a própria cova e manchado irremediavelmente sua até então bela biografia.

Vou repetir, SS, é isso que você quer? Está certo disso? Posso perguntar? [Pedro Bial é jornalista e apresentador de TV]?”