SILVIO SANTOS
"Personalidade do Ano", copyright O Estado de S. Paulo, 31/12/01
"Silvio Santos encerrou o ano como começou: criando desconforto para sua maior concorrente. Em fevereiro, desfilou na escola de samba Tradição e sua imagem no carro abre-alas foi transmitida para todo o País pela Globo. Silvio aumentou o ibope da emissora para 39 pontos, enquanto o restante do desfile não passou dos 33. Em outubro, com seu programa Casa dos Artistas, conseguiu quebrar a invencibilidade do Fantástico, mantida por 29 anos. A surra teve o ápice em 16 de dezembro, no último capítulo da Casa, quando o ibope registrou 55 pontos, com média de 46 pontos. No mesmo dia, o Fantástico não passou dos 18 pontos.
O programa seduziu até mesmo classes sociais que se negavam a admitir que assistiam aos populares programas de Silvio Santos. Ver as grosserias de Alexandre Frota e até mesmo as cenas de amor entre Bárbara e Supla agradaram ao público. ?Ele editou a vida real. As pessoas acordavam despenteadas, andavam com chinelos e meias como o telespectador faz em sua casa?, diz Maria Thereza Fraga Rocco, professora da USP. Para ela, o homem precisa de momentos de ficção a atração funcionava como a fuga para esses momentos.
Casa dos Artistas, na opinião da especialista, só fez sucesso graças a Silvio Santos. ?A TV é outra depois da Casa. Ele criou uma nova forma de fazer televisão?, explica a professora. De acordo com ela, ele comandava a atração de forma espetacular. Dirigia, ao mesmo tempo, três platéias: os artistas, o auditório e os telespectadores. ?Casa não tem nada a ver com voyeurismo, que pressupõe a não permissão de ser visto?, diz.
O seqüestro de sua filha Patrícia Abravanel, de 23 anos, em 21 de agosto, também virou polêmica e, infelizmente, deu ibope. Com exceção do Grupo Globo, a mídia não divulgou o assunto até que o caso fosse resolvido.
Considerado autoritário nos negócios, a emoção de ter sua filha seqüestrada impediu que comandasse esse episódio de sua vida: pediu a seu sobrinho, Guilherme Stoliar, que assumisse as negociações. Chegou a apresentar pressão alta e teve de ser medicado. No dia seguinte, quando o único a correr risco de vida era ele, com a invasão de sua casa pelo seqüestrador Fernando Dutra Pinto, ficou forte novamente. Libertou sua família e chamou o governador Geraldo Alckmin para dar garantias de segurança ao invasor. O Brasil parou para assistir ao desfecho, que teve final feliz. ?O seqüestro foi para ele como a Casa foi para o Supla: mostrou quem ele é?, diz o amigo e cabeleireiro Jassa.
Mesmo com o excelente desempenho de audiência, comentava-se que os grandes anunciantes ainda preferiam lançar produtos e divulgar suas marcas na concorrência. No dia 16 de dezembro, Silvio Santos mostrou que sua rede de tevê também atrai grandes empresas. Entrava com os comerciais no mesmo horário que sua concorrente e exibia anúncios do mesmo porte: bancos, indústrias de alimentos, automobilística, ente outros. Estima-se que tenha faturado mais de R$ 20 milhões. Isso também explica por que domingo é sempre dia de alegria – pelo menos para os seus negócios."
"O homem do ano", copyright Folha de S. Paulo, 31/12/01
"Silvio Santos já começou 2001 ?abrindo alas?, quando topou sambar em carro alegórico da Tradição, escola de samba carioca que o homenageou.
Dos ?80 minutos de fama? na transmissão do Carnaval pela Globo até os últimos dias deste ano, ele não deixou mais de ser notícia. De vítima de sequestro cinematográfico a estrela do histórico ?Casa dos Artistas?.
Foi tanto assunto que ?A Fantástica História de Silvio Santos?, biografia publicada no final de 2000, terá de ser relançada. O autor, Arlindo Silva, 73, assessor do apresentador de 1995 a 1999, concluiu poucos dias antes do Natal um novo capítulo, que deve entrar na próxima tiragem do livro, no primeiro trimestre de 2002.
Chama-se ?Glórias e Dramas de Silvio Santos em 2001? e rememora a homenagem ao apresentador no Carnaval, o sequestro da filha e dele (com trechos de depoimentos do empresário à Justiça), uma exposição sobre sua vida no Museu da Imagem e do Som do Rio e o fenômeno ?Casa dos Artistas?.
?2001 foi tão retumbante para Silvio Santos quanto 1975, quando ganhou sua primeira concessão de TV, o canal 11 do Rio?, diz Silva, uma das estrelas da revista ?O Cruzeiro? nos anos 50 e 60.
Além da turbulência pessoal, Silva afirma que neste ano ?Silvio Santos teve a melhor performance como apresentador?. ?Na TV, foi o ano dele?, diz o autor da biografia, não-oficial, mas chapa-branca, que já vendeu mais de 120 mil exemplares, segundo ele.
Para Silva, o dono do SBT teve outros anos ?turbulentos?, como 1976, quando rompeu contrato com a Rede Globo, e 1989, ano em que tentou se candidatar à Presidência da República. Mas o biógrafo insiste: ?Nada tão retumbante quanto 1975 e 2001?.
?Retumbante? seria o mínimo. Em agosto, teve a filha sequestrada. Pagou R$ 500 mil pelo resgate e ainda levou bronca da menina em rede nacional. Depois de passar sete dias em cativeiro, Patrícia Abravanel, evangélica, disse às câmeras que o pai, judeu, ?não tem Deus?. Sempre rindo, comandando o show, deu à declaração um tom de brincadeira, dizendo que ela deveria ser pastora.
Só isso já seria um belo espetáculo para a TV. Mas o mais impressionante viria no dia seguinte. Fernando Dutra Pinto, líder da quadrilha que sequestrara a filha, pulou o muro da casa de Silvio Santos, no Morumbi, durante a fuga, e o fez refém por sete horas.
Quase todas as emissoras de TV interromperam a programação para transmitir ao vivo a ação com ares hollywoodianos. A audiência da Globo praticamente dobrou e superou os resultados que a emissora teria, uma semana depois, com as imagens dos ataques ao World Trade Center, em Nova York.
Enquanto transformava Silvio Santos em estrela de seus noticiários, a Globo nem imaginava, mas ele já armava uma estratégia mirabolante para desestabilizar a audiência da concorrente. Desde julho, estava planejando cada detalhe do ?reality show? ?Casa dos Artistas?, o programa de TV que mais deu o que falar no ano.
A atração nasceu na mesma época em que Silvio Santos vivia rodeado de boatos sobre o suposto fim de seu casamento. Convertida à religião evangélica, sua mulher, Íris Abravanel, estaria tentando convencê-lo a trocar o judaísmo por sua igreja. Por meio de advogados, ele sempre negou. Mas as diferenças religiosas na família viriam à tona com o sequestro da filha, também evangélica.
Qualquer drama, no entanto, viraria piada para Silvio Santos no final de outubro. Contrariando todas as previsões de que o sequestro o faria abandonar o país, ele comandou, mais animado do que nunca, o ?Teleton?, maratona televisiva para arrecadar fundos para crianças deficientes.
No ?Show do Milhão? especial com famosos, brincou com a própria tragédia. ?O Fernando [Dutra Pinto? queria R$ 1 milhão, mas parou na última pergunta e levou só R$ 500 mil?, disse em meio àquela risada que é seu símbolo.
No palco, surpreendeu Hebe Camargo ao dar um beijo ?selinho? no cantor Gilberto Gil. O motivo de tanta alegria seria revelado horas depois, quando anunciou a estréia de uma nova atração, ?Casa dos Artistas?, mantida em sigilo até o último minuto.
E Silvio Santos escolheu a dedo o local para gravar o que se tornaria seu programa predileto: uma casa vizinha à sua. A rua Antônio Andrade Rabelo, no Morumbi, que já fora palco do sequestro, voltaria aos holofotes, deixando mais uma vez transtornados os vizinhos da área residencial.
Sem aviso prévio, ?Casa dos Artistas? bateu a audiência do ?Fantástico? (Globo), líder no horário desde a estréia, em 1973, e virou o jogo da guerra no domingo. Comandando o espetáculo do ?reality show?, ironizava a TV Globo, que tentava tirar o programa do ar, acusando-o de ser plágio de ?Big Brother?, do qual detém direitos de produção. ?Casa dos Artistas? acabou em festa e recorde histórico de audiência para o SBT.
Na semana seguinte, ?Casa? já estava fora do ar, mas Silvio Santos continuava lá e foi líder no Ibope com o inusitado ?Desafio dos Alunos Nota Dez?. Fecharia o ano ontem, sabatinando, entre outros, Paulo Maluf e Anthony Garotinho no ?Show do Milhão? especial. Políticos rivais aceitaram sem vacilar a saia justa. Afinal, em vésperas de eleição, quem não gostaria de chegar com Silvio Santos à apoteose?
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"?Ano deve aproximar apresentador da elite cultural?", copyright Folha de S. Paulo, 5/01/02
"Uma das principais consequências do tumultuado ano de Silvio Santos foi uma maior aproximação entre o apresentador e a elite cultural, na opinião da cientista social Maria Celeste Mira, professora da PUC de São Paulo.
Autora de ?Circo Eletrônico?, livro em que analisa a trajetória do dono do SBT e dos programas de auditório, Mira acredita que em 2001 tenha ?diminuído o índice de rejeição que Silvio Santos costuma ter nas classes média e alta do país, principalmente com as pessoas mais cultas?.
?A própria imprensa já foi mais hostil em relação a ele. Agora parece que o tratamento mudou, e muito disso se deve ao fato de ele ter se tornado notícia obrigatória, de até a Globo ter sido obrigada a falar nele em dois momentos, no Carnaval e no sequestro?, afirma.
Para ela, Silvio Santos ganha simpatia da elite cultural quando consegue atrapalhar planos da Globo. ?Sempre há um gostinho em ver a líder perdendo?, diz.
E o que cativaria a elite seria, principalmente, o fato de ele ?jogar? sempre de forma inusitada. ?Ele sabe muito bem como criar notícia. É fácil perceber que no SBT a programação é administrada por ele e tudo o que tem repercussão costuma ser decisão dele?, disse Mira. ?Neste ano isso aconteceu com ?Casa dos Artistas?.?
Mira afirma que quando fez pesquisa para escrever ?Circo Eletrônico?, sua tese de mestrado, encontrou vários exemplos dessa habilidade. ?Lembro que houve uma época em que a Globo sempre comprava os grandes filmes de Hollywood antes de todas as emissoras. Uma vez, não sei por que, Silvio Santos conseguiu comprar ?Rambo? antes. A Globo, para tentar prejudicar a audiência do filme no SBT, começou a esticar a novela das oito. Ele (Silvio Santos) não teve dúvida. Colocou um comunicado no ar que dizia: ?Não se preocupe. Assim que acabar a novela da Globo você assistirá a ?Rambo? aqui no SBT?. Isso é que sempre foi admirável.?
Crescimento no Ibope
O fenômeno ?Casa dos Artistas? certamente foi um reforço na aproximação de Silvio Santos e das classes A e B. Uma das razões que podem ter levado esse público a migrar para o SBT foi o fato de o programa trazer à emissora um estética mais moderna, que veio com o diretor, Rodrigo Carelli, e sua equipe, todos vindos da MTV.
Segundo o Ibope, 26% dos telespectadores de ?Casa dos Artistas? eram das classes AB, 38% da C e 36% da DE. Com o sucesso do programa e das novelas, o SBT registrou um crescimento de 42% em sua média de audiência no horário nobre (das 18h às 24h), de janeiro à primeira quinzena de dezembro de 2001. No mesmo período, a audiência média da Globo caiu 12% no Ibope da Grande São Paulo.
A maneira como o programa foi concebido reforça a marca ?inusitada? de Silvio Santos. A equipe de criação ficou quase dois meses trabalhando no programa em completo sigilo. A atração foi anunciada no dia da estréia e pegou a Globo de surpresa.
Aos domingos, enquanto comandava a edição especial do ?reality show?, ele fazia piadas com a disputa pela audiência e só colocava o intervalo comercial no ar quando a Globo entrava com o do ?Fantástico?. ?Nosso comercial é estratégico?, dizia. Assim que terminou de apresentar a última edição de ?Casa?, disse nos bastidores que se sentia triste com o fim do programa. ?O segundo nunca será tão bom quando o primeiro?, teria dito. E dificilmente 2002 será ?tão bom? quanto 2001."