BALANÇO DE 2001
"A Guerra dos Vídeos", copyright O Estado de S. Paulo, 31/12/01
"Neste ano a TV do mundo todo continuou acompanhando os ibopes dos ?reality shows?, os programas ditos de realidade como as versões brasileiras No Limite e Casa dos Artistas. Mas, como se fosse um aviso macabro, a TV atingiu seu máximo de audiência quando sucumbiu à realidade, como no seqüestro de Silvio Santos logo em seguida ao de sua filha. E sobretudo na manhã de 11 de setembro, quando a CNN e outros canais de notícias 24h transmitiram o atentado de Osama bin Laden aos Estados Unidos da América – e a realidade se mostrou para além de qualquer redução a exibicionismos e voyeurismos.
?Time must have a stop?, desabafou Shakespeare, e naquele dia o tempo pareceu parar enquanto o mundo olhava perplexo o desabar das duas torres mais altas de Manhattan, ao vivo, uma imagem tão surpreendente que nem mesmo a imaginação sabia como preencher. O primeiro kamikazi já tinha atingido uma torre quando as filmagens começaram, e então o segundo veio e atravessou a outra como uma estocada de sabre; dali a pouco, ambas ruíram como prédios implodidos, formando uma montanha de aço e concreto, fumaça, poeira e focos de incêndio que demoraram mais de três meses para desaparecer. O Pentágono também foi atingido, convertendo-se em quadrilátero, e outro avião que se destinava à Casa Branca terminou heroicamente desviado pelos passageiros.
Mas, por mais ?simbólicos? que tenham sido os alvos, livros como Vida – O Filme, de Neal Gabler, e filmes como O Show de Truman, de Peter Weir, que dizem que a mídia fabrica a realidade, terão de rever suas idéias. Não é preciso um fato dessa proporção para demonstrar isso, mas depois de 11 de setembro a tese de que o jornalismo converte tudo em entretenimento também ficou debaixo da sucata. Aquela realidade, pelo menos, não podia ser ?dourada?. Parecia cinema, mas carecia de trama que reservasse a redenção no último segundo, ao contrário de 100% dos ?disaster movies? de Hollywood. Uma das primeiras reações foi: ?O inimigo não tem rosto.? Ele logo teria. Mesmo assim, e apesar da retórica de Bush (?Como diziam os cartazes do Velho Oeste, queremos Bin Laden vivo ou morto?), em nenhum momento ninguém imaginou que a derrota do Taleban e a condenação de Osama fossem expiar a dor dos mais de 3 mil mortos.
Durante bom tempo, por sinal, o Taleban seria imbatível e o terrorista saudita – que se passara para o lado anti-americano depois da Guerra do Golfo, quando o Grande Satã utilizou a terra sagrada de seu país natal como base de ataque – logo aprontaria outras desgraças. Em qualquer acidente nos dias seguintes dizia-se: ?A hipótese de atentado não foi descartada.?
Envelopes com antraz iriam cobrir o mundo de pó letal. Os EUA matariam milhares de inocentes famintos por uma guerra desnecessária, e o uso de civis como escudos humanos pelo Taleban não merecia manchetes. O patriotismo alimentado dia e noite pela mídia americana – que chegou a interromper a repetição da cena dos atentados – traria a 3? Guerra Mundial.
Em seu esconderijo, Bin Laden não poderia estar mais feliz: como se soube mais tarde, não planejara a queda das duas torres e não imaginara tamanha comoção mundial. E declarou seu objetivo: unir o Islã em torno de si contra o Ocidente, apelando, como ponto de partida, à reação dos palestinos contra Israel e seu aliado americano. Mas o que dizia era o oposto: ?O Ocidente odeia o Islã.? Na guerra dos vídeos, tinha larga vantagem: estudadamente, gravara mensagens para ir soltando em momentos críticos, em vídeos desbotados que pela TV Al-Jazira se disseminavam pelo mundo. Com isso, chegou a ter sua ?boniteza? elogiada por Caetano Veloso e a ser aclamado como um Antonio Conselheiro da Era Digital e ?um Che afegão?. Glamour cada um vê onde quiser.
Todo manipulador do pensamento coletivo, porém, termina também subjugado pela realidade. Em 90 dias o regime tirânico do Taleban, patrocinado pela Al-Qaeda, a ONG globalizada de Bin Laden, seria derrubado por uma coligação de forças que envolveu Rússia, Japão, Alemanha, Itália, Inglaterra e outros ex-inimigos históricos. Os relatos de guerra eram muito mal-informados, mas logo a expulsão gradual mas rápida do Taleban ficou evidente. Num vídeo que não fazia parte de seu horário nobre, Bin Laden apareceu rindo com satisfação da tragédia alheia. O movimento palestino se radicalizou em alguns momentos, mas nenhum país islâmico apoiou Bin Laden. Até mesmo as cenas da pobreza constrangedora do Afeganistão começaram a mostrar que, se a retaliação era complicada, o Taleban era ainda mais indefensável. A tal ponto que, com a tomada de Cabul, os afegãos correram para as barbearias, religaram seus televisores e aparelhos de som e começaram a dispensar as burkas. Espontaneamente, a realidade fornecia mais um show para a mídia.
Truco."
"Corte de gastos inibe produções", copyright O Estado de S. Paulo, 31/12/01
"A tevê precisou apertar os cintos em 2001. Pela primeira vez em muitos anos, diretores das redes tiveram de enxugar custos e cortar despesas. Só na Globo, o faturamento com publicidade caiu cerca de 12% no primeiro semestre do ano passado, em relação a 2000. Os vilões, na maioria dos casos, foram a alta do dólar, a crise na Argentina e os atentados terroristas nos Estados Unidos.
A necessidade de economizar chegou a ser percebida pelo público. Na Globo, a nova minissérie de Carlos Lombardi, O Quinto dos Infernos, teve suas gravações em Portugal canceladas. Já a turma do Casseta & Planeta perdeu o quadro Na Maior, no Fantástico.
Na Record, algumas atrações passaram a dividir o mesmo estúdio a fim de otimizar gastos. Além disso, co-produções negociadas em dólar foram canceladas ou adiadas. A emissora também embargou o projeto de produzir novelas. Na Band, a compra de pacotes de séries e filmes americanos foi adiada e a rede viu o crescimento de seu faturamento, estimado em 10%, transformar-se em apenas 1%. Apostar em eventos regionais foi uma das saídas que o SBT encontrou para tentar driblar a situação, mas a emissora não escapou da queda de anunciantes multinacionais.
Mesmo com o orçamento apertado, não faltaram boas produções em 2001. A minissérie Os Maias, da Globo, é uma prova disso. Adaptada da obra de Eça de Queirós, a trama não foi um sucesso de audiência, mas agradou à crítica com sua qualidade de produção. A séries Os Normais e Brava Gente, também da Globo, são provas que bom gosto e audiência podem andar juntos. As duas atrações mantiveram bons pontos no ibope e alto faturamento. Ambas estão confirmadas na programação de 2002.
O fenômeno Casa dos Artistas, do SBT, também surgiu em tempos de crise.
Silvio Santos desembolsou cerca de R$ 5 milhões e faturou muito mais do que imaginava. Só no último dia do programa, durante os intervalos comerciais, o SBT chegou a ganhar cerca de R$ 22 milhões com anunciantes."
"Novelas da vida real em evidência", copyright Folha de S. Paulo, 31/12/01
"A moda dos reality shows chegou ao Brasil com a primeira edição do programa No Limite, da Rede Globo. Neste ano foram realizadas duas edições da atração que reúne competidores numa prova de força e resistência emocional. Para prender o telespectador, o programa aposta na fórmula do programa norte-americano Survivor. Porém, No Limite perdeu pontos no ibope para o concorrente Casa dos Artistas, do SBT, inspirado na atração Big Brother, que é sucesso na Europa e nos Estados Unidos. Com o programa, Silvio Santos bateu a Globo em audiência. Porém, a emissora de Roberto Marinho promete contra-atacar com a versão brasileira de Big Brother. O esquema é o mesmo da Casa, com apenas um diferencial: os participantes serão pessoas comuns.
O canal Fox tem a sua cota de reality shows. Temptation Island, que está na segunda edição, é transmitido às segundas, às 22 horas, e mostra a trajetória de casais submetidos às tentações de uma ilha. Outra atração do canal Fox é Love Cruise, que vai ao ar às sextas, às 13 horas e às 18 horas. No romântico cruzeiro marítimo, belos jovens vivem intrigas e romance."