Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Candidatos na alça de mira

ELEIÇÕES 2002

Luiz Weis (*)

Já dentro do carro, ao se retirar de uma churrascaria em Brasília, depois de anunciar a sua candidatura à presidência da República, na quinta-feira (17/1), o ministro José Serra foi abordado por uma repórter. Ele abaixou o vidro e disse para a moça: "Não vou dar entrevista". E ela, de bate-pronto: "Assim o senhor não vai se eleger".

Com a resposta mal-educada ? mais para praga do que para profecia ?, a jornalista quis dizer, aparentemente, que o tucano precisa ser mais "simpático", engrossando assim o coro de que a imagem seca e sisuda do ministro pode ser um obstáculo insuperável para as suas aspirações presidenciais.

O comentário, em primeiro lugar, é impertinente: jornalista em serviço não tem que dizer para interlocutor algum, fonte ou entrevistado em potencial, que lhe acontecerá isso ou aquilo se ele fizer ou deixar de fazer tal ou qual coisa. Pior do que isso, a reação da repórter é o retrato escrachado de uma perversão profissional.

Trata-se de um modo de exercer o ofício que parte implicitamente de uma premissa 100% certa para chegar a um resultado 100% reprovável, porque depõe contra o respeito a que o jornalista precisa se dar para ser respeitado por aqueles a quem procura ou aborda e porque não tem nada a ver com o direito democrático do povo à informação.

A premissa, evidentemente, é que toda figura pública ? ainda mais quem queira governar o país ? não pode se negar ao dever de prestar contas à sociedade de seus atos, idéias e intenções, por intermédio de uma imprensa exigente e sem complacência com quem quer que seja, a começar dos poderosos da política, do dinheiro e da cultura de massa.

O resultado reprovável e que não pode passar em branco é o jornalista imaginar ? e comportar-se de acordo com essa fantasia autoritária ? que, por estar investido no papel socialmente legítimo de fiscal do interesse público, está também credenciado a manter em prontidão permanente a autoridade ou equivalente que apareça na sua alça de mira. Ai dela, portanto, se se recusa a falar ao repórter no momento em que este acha adequado.

De mais a mais, dá vontade de saber, no episódio em questão, que pergunta capaz de abalar os fundamentos da República, ou o destino do mais novo candidato presidencial na praça, a jornalista tinha engatilhado naquela fugaz circunstância, e que o ministro, preventivamente, a impediu de fazer ? provocando a réplica de que, se continuar assim, ele vai perder a eleição. (Como se José Serra não soubesse que a sua prioridade é ser visto, ouvido e, afinal, acolhido pelo eleitorado).

Oito quilos

Pode parecer que se está fazendo muito barulho por nada, mas não é bem assim. Campanhas eleitorais são situações em que jornalistas talvez mais se sintam à vontade para submeter os políticos a seus caprichos ou ressentimentos (sem que a sociedade ganhe qualquer coisa com isso) pelo óbvio fato de que em nenhuma outra época os políticos dependem tanto da imprensa como na temporada de conquista do voto. E, portanto, em nenhuma outra época tanto puxam o saco da mídia, dos seus barões ao seus mais humildes peões.

Com as eternas exceções de praxe, as alcatéias que seguem os candidatos não se movem pela intenção dar ao público uma visão limpa, abrangente e equilibrada da aventura eleitoral. Mandando às favas os eventuais escrúpulos de consciência profissional, querem é sangue: garimpar intrigas e golpes e baixos, a título de praticar jornalismo investigativo e demonstrar descompromisso com cada uma e todas as candidaturas.

A cobertura política propriamente dita fica empobrecida em muitos casos pela busca obsessiva do pequeno escândalo do dia ? o prato que aguça o apetite da malta e que as campanhas costumam produzir em doses fartas. E, se porventura escassearem os escândalos de verdade, a regra não escrita em manual algum de redação, mas obedecida como um mandamento bíblico, é amplificar e dar importância desmedida ao varejo da brigalhada nas equipes dos candidatos, à fofocagem dos assessores e, vai sem dizer, à troca (estimulada) de desaforos entre os adversários.

No limite, o jornalismo eleitoral parece que existe para dar primazia, de um lado, ao vaivém das pesquisas; de outro, aos podres, reais ou supostos, dos candidatos. É parte do conhecido espetáculo da videopolítica, para repetir a clássica expressão do cientista Giovanni Sartori.

Daí que se fica sabendo: Lula engordou oito quilos nas férias de fim de ano! Serra range os dentes quando dorme! Roseana se hospedou em São Paulo na casa de um antigo militante comunista!

E a campanha nem começou para valer!

Vida inteligente

Dentro dessa camisa-de-força ? descrita aqui com uma ponta de exagero, para melhor a chamar a atenção para os seus malefícios efetivos ? sobra pouco espaço para o essencial: manter o eleitor informado do primeiro ao último dia do que realmente importa para que ele possa tomar uma decisão fundamentada, coerente com os seus interesses ? servindo, assim, de contraponto aos truques dos marqueteiros que se derramam pelo horário gratuito.

Mas nem tudo na cobertura eleitoral são emoções baratas. Se existem repórteres que lançam imprecações contra os candidatos que não lhes saciam o apetite na hora que eles bem entendem, existem também aqueles que se empenham em dar ao (e)leitor o que ele merece para acompanhar a disputa com lucidez.

Prova disso são as entrevistas com o candidato José Serra publicadas no sábado (19/1) pelos quatro grandes do eixo Rio-São Paulo (Folha de S.Paulo, Globo, Estado de S.Paulo e Jornal do Brasil). Salvo o inevitável pecadilho aqui e ali, elas mostram que há vida inteligente, integridade e competência no jornalismo político brasileiro. De todas, no entender deste leitor, leva a palma a do repórter Raymundo Costa, da sucursal da Folha em Brasília.

Tomara que sirvam de exemplo.

(*) Jornalista