Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O mau humor e a balança comercial

Por décadas a fio e até poucos anos exigiu-se vacina de varíola para embarque ao exterior com qualquer destino. O certificado consistia num espesso papel amarelo, maior do que nosso atual passaporte, e devia ser apresentado ao funcionário da Polícia Federal nos postos de fronteira.

Talvez fosse o caso de se começar a exigir vacina contra mau humor, pelo menos dos jornalistas que cobrem as viagens internacionais de Lula. Afinal, estão em jogo milhares de empregos relativos ao comércio entre os países, além da importância simbólica da presença de nosso chefe de Estado no exterior.

Matérias como as de 13 abril no Estado de S. Paulo (‘O povo decide…’, de Cida Fontes, e ‘Correria e falta de agenda’, de Denise Crispim Marin) desperdiçam um evento valioso para o esforço nacional de exportação, para a projeção do Brasil liderança terceiro-mundista e prestam um grave desserviço à nação.

Nhenhenhém parece ser o tema de fundo e o inspirador de ambas as matérias. Lembra-me a reação dos médicos da minha família ao escutar que meu pai embarcara para o exterior com tudo pago – ‘Ah, que mordomia’, exclamavam. Meus tios confundiam as viagens de meu pai com seus próprios roteiros de férias, um mês por ano, e que nada tinham a ver com o de um caixeiro-viajante que muitas vezes nem vinha passar o fim de semana em casa. Se trocarmos médicos do meu exemplo pelo comum dos leitores de jornal desembocaremos no conteúdo do que Cida Fontes expõe. A repórter parece querer interessar os milhões de brasileiros que só conseguem enxergar a viagem à África pelos factóides, pelo gasto de querosene, pela conta do coquetel, pela pequena aritmética.

Sacando o cartão

Perdemos mais de quatro bilhões de dólares anuais na balança de comércio com a Nigéria e a repórter justifica a viagem de apenas 10 empresários na comitiva oficial por não caberem mais no AeroLula. Ora, e os aviões de carreira que há tantos entre Iaundê (República de Camarões) e Lagos, ou Rio-Lagos?!

Não estou querendo crucificar as duas jornalistas, mas não posso ignorar o desânimo da reportagem. E um jornal com o peso de sua opinião entre as elites econômicas paulistas deveria ser tão exigente com os empresários quanto é em seus editoriais com o governo Lula.

Mencionou-se acima desperdício e cabe abrir mais a janela sobre ele, demonstrar que a palavra não está empregada levianamente. É um desperdício ter no presidente a criatividade brasileira em estado puro e vê-lo derrotado em casa. Repete-se a engrenagem do desperdício da criatividade brasileira quanto ao enterro de João Paulo II. Lula convidou uma mãe-de-santo para fazer parte da comitiva. Pois, em vez de se comemorar nossa diversidade cultural, o Estado focou foi o atraso da convidada para chegar ao Galeão, e quem não pôde ler a notícia na íntegra não soube que fosse ela um homem de negócios sacaria o cartão de crédito para chegar a Recife, onde o AeroLula fez escala.

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Diretor do Instituto Afranio Affonso Ferreira, Salvador