Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vizinhos quase desconhecidos

É incrível como a chamada ‘grande imprensa’ brasileira ainda olha com reserva os nossos vizinhos/irmãos sul-americanos. Apesar das recentes investidas por parte de alguns veículos do Brasil no sentido de ampliar a cobertura dos fatos dos países que fazem fronteira com o nosso – ou estão no mesmo continente –, o resultado ainda é incipiente. De longe, não acompanha o salto de qualidade dado por outros setores, como o turismo, a educação superior e, apesar da resistência de muitos, a política brasileira de adotar o espanhol como a segunda língua no sistema de ensino.

Enquanto operadoras de turismo tupiniquim ‘descobriram’, há quase duas décadas, a exuberância de vários de nossos vizinhos, a única cidade em que meia dúzia de jornais e emissoras de TV brasileiras mantêm correspondentes é Buenos Aires.

É lamentável que, ao assistirmos aos telejornais nos deparemos com jornalistas brasileiros na Argentina falando sobre os recentes problemas políticos da Bolívia de Evo Morales. Essas emissoras certamente tentam criar uma falsa impressão: já que a matéria não é feita dentro do território brasileiro, está credenciada e legitimada para noticiar o fato ocorrido no vizinho sul-americano. Teria sido muito mais honesto se as afiliadas de Cuiabá, em Mato Grosso, cidade bem mais próxima de La Paz, tivessem apurado os fatos. Quem não lembra, num período não muito distante, quando a TV Globo fazia de Porto Alegre suas matérias sobre a Argentina?

Parâmetros cult são legítimos

Apenas há alguns anos é que a maior rede de TV brasileira e uma das maiores emissoras de TV aberta do mundo, com escritórios montados há décadas em Nova York, Londres, Roma e, agora, Tel Aviv, resolveu manter um correspondente na capital portenha. E olha que a Argentina sempre foi uma das maiores parceiras comerciais do Brasil, mesmo antes do Mercosul.

Setores pensantes do Brasil, sobretudo no âmbito universitário, já lançaram duras críticas a indústria midiática e de produção do conhecimento verde-amarelo. Alguns pesquisadores de Comunicação Social, a exemplo do alagoano José Marques de Melo, da Universidade Metodista de São Paulo, são enfáticos ao defender que, tanto o âmbito universitário em geral, quanto a chamada grande mídia, estão permeados pelo que Melo chama de ‘complexo do colonizado’.

Trata-se de uma visão infame, de que os parâmetros aceitos como cult são legítimos e que, portanto, devem ser repassados às mentes dos brasileiros, necessariamente têm que vir da Europa – se for da França, melhor ainda. Isso, em detrimento de inúmeros teóricos das Américas, muitos deles elencados na obra História do Pensamento Comunicacional (José Marques de Melo, Editora Paulus, 2003).

Integração no Cone Sul

E os exemplos não param por aí. Na coluna ‘Toda Mídia‘, da Folha de S.Paulo, há um clipping da imprensa estrangeira – leia-se, estadunidense e européia –, que relata o que os gringos falaram/escreveram de mais importante sobre o Brasil. Com raríssimas exceções, sai alguma linha sobre o que escreveram os importantes diários La Nación e Clarín, da Argentina, além de La Tercera e El Mercurio, do Chile, só para citar alguns. Neste último exemplo, o Chile, chegou a ser vergonhosa a forma como a imprensa brasileira noticiou a detonação de uma bomba no prédio da embaixada do Brasil em Santiago, há poucos dias. Isso, em detrimento de uma ampla cobertura, não só dos dois veículos acima citados, mas de toda a imprensa chilena, que há muito tempo publica reportagens especiais sobre o Brasil em suas edições dominicais.

Enquanto isso, os brasileiros pouco sabem sobre o Chile, exceto quando este estampa os noticiários das grandes agências internacionais. Infelizmente, há apenas uma pequena elite brasileira que conhece o grande potencial econômico chileno, segundo maior mercado consumidor do Brasil na América do Sul, rico em cultura, efervescente politicamente – apesar dos Pinochet da vida – e com atrativos naturais incomparáveis, já que reúne numa estreita faixa de terra os vales que exportam famosos vinhos, desertos, numerosas ilhas, extensas terras cobertas de gelo, e a imponente cordilheira dos Andes, com seus cumes nevados.

A capital é um caso a parte. Santiago detém um dos melhores índices de desenvolvimento humano de todas as Américas, mas nas reportagens dos jornalões locais é mais chique citar Vancouver ou Quebec, no Canadá. Quanto à literatura, Neruda que o diga! O prêmio Nobel foi um apaixonado pelo continente, fez inúmeras viagens ao Brasil e morreu sem ver uma integração definitiva entre os países do Cone Sul, integração essa que, quase quatro décadas depois de sua morte, ainda não se efetivou. Sequer existe alguma estrada ligando o Brasil ao Chile, via Bolívia.

Barreiras imigratórias

Enquanto isso, o mercado editorial local lança Os melhores jornais do mundo, obra do mestre Matías Molina, incontestavelmente um livro de grande referência histórica que, no entanto, não dedicou linha alguma aos jornais latino-americanos. Pelo menos ficou a promessa do autor lançar um livro no futuro, apenas com a análise dos periódicos deste Continente esquecido (Editora Campus), como escreveu Michael Reid, jornalista norte-americano que conhece melhor do que vários colegas brasileiros a realidade dos países da região.

A expectativa é de que, seguindo o avanço dos setores citados no decorrer deste artigo, a imprensa brasileira finalmente acorde para a revolução por que passa o continente e aumente a ênfase aos vizinhos. Isso, antes que todos sejam pegos de surpresa, quando daqui a alguns anos, pelo andar da carruagem, norte-americanos e europeus impeçam nossos repórteres de trabalhar em seus países, com as inexplicáveis – e paranóicas – barreiras imigratórias impostas num ritmo alucinante, o que representa uma verdadeira dicotomia ao conceito de globalização criado por eles mesmos.

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Editor-executivo do jornal O Girassol, Palmas, TO