Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Fernando Martins

JORNAL DE NOTÍCIAS

"Homenagem ao leitor que não consente e que não se cala!", copyright Jornal de Notícias, 10/2/02

"Há uma afirmação que reitero, com frequência, nesta página: os jornais são dos leitores. Muito mais do que dos jornalistas e de outros intervenientes na produção. Mais ainda do que dos proprietários da empresa editora.

Naturalmente que, nesta constatação, alio à noção de posse a de poder sobre um produto muito especial. E especial graças à sua inigualável relação com o consumidor.

O tempo vem reforçando essa ideia que estudos qualitativos de mercados robustecem, mas acima de tudo alicerçada nesse espantoso diálogo nascido nos anos em que a essência do jornal (leia-se aquilo que o tornava diferente dos outros) se fazia à custa das notícias carreadas pelos leitores fidelíssimos, que constituíam uma gigantesca e eficaz rede de informadores.

Por isso mantenho que, mais do que da sua expansão, a saúde de um jornal depende da relação que mantém com os leitores. Esta há-de, quase inevitavelmente, conduzir àquela.

E o exemplo, claríssimo, está no Jornal de Notícias e na proximidade ao seu público, que haveria de projectá-lo para a dianteira em todas as frentes: tiragens, difusão e publicidade.

Entenda-se que se fala de uma relação biunívoca, em que qualquer dos dois sentidos é importante por igual, constituindo um ciclo perfeito. O JN mantém características que o tornam chegado aos seus leitores, e estes sentem o jornal como seu: colaboram com os seus escritos, perguntam, reclamam, protestam.

É o Provedor uma porta desse diálogo insubstituível, e nessa qualidade pretende falar, hoje, de um desses leitores que vivem o Jornal de Notícias, os seus êxitos, as suas dúvidas e os seus erros. Que o sofrem. Mas que não se calam, porque não consentem a hipótese de alguém estar a prejudicar o seu JN.

Falo de M. Lima, um leitor do Porto (Rua do Trevo) que, de quando em vez, faz chegar ao Provedor, pelo correio, ora lamentos pela falta de cuidado, ora incredulidade por determinados erros que ultrapassam a fronteira da gralha. Até a indignação e o desânimo.

Nunca M. Lima falou ampla e genericamente: sempre manda um bom punhado de recortes, em que assinala, cuidadosamente, o erro e a correcção. Por vezes não consegue escapar a um comentário, a uma recriminação:

?Mais uma falta de atenção! Na legenda chamam ao medicamento ‘Zybal’, quando a foto da caixa mostra o verdadeiro nome, ‘Zyban?; ? Aqui é falta de cuidado: no texto está bem, Mata Cáceres era o nome do candidato do PS à Câmara de Setúbal, mas na legenda chamam-lhe Mara Cáceres?.

Mas há mais, muito mais: anuncia-se a transmissão pela Sport TV de um jogo do Campeonato Nacional de Hóquei em Patins entre… o Milwaukee e o Phoenix(!) e, num outro dia, diz-se que o Salgueiros-Benfica é transmitido por essa mesma emissora televisiva, quando a emissão era da RTP1. O Rali de Montecarlo aparece, em pós-título crismado de Monte Carlos, e, na modalidade do basquetebol, a notícia é uma ?salgalhada?: diz que o Sangalhos ganhou ao Estrelas da Avenida e que o Vasco da Gama bateu o Naval e, na tabela dos resultados mostra-se que o clube da Bairrada jogou com o Sampaense, e que o Vasco da Gama defrontou o B. Guimarães.

Isto para não falar da banda desenhada, frequentemente repetida, como por exemplo a 21 e 22 de Janeiro e 4 e 5 de Fevereiro: as mesmas tiras nos dois dias consecutivos… só que com numeração diferente.

M. Lima está atento e não se cala: ?E deixo passar tanta coisa! Às vezes desmoralizo um pouco, penso que não vale a pena. Mas lá retomo esta cruzada. Sabe, é que sou leitor do jornal há 60 anos. Os meus pais não sabiam ler, e recordo que, com 9 anos, lhes lia as notícias da 2? Guerra. Essa saudade e toda esta fidelidade como que representam um compromisso. Custa-me tanto ver estes erros todos no meu jornal!…?

M. Lima é um leitor atento e minucioso. Por vocação. É apaixonado pelo cruzadismo e pelo charadismo e sócio do Clube Português de Banda Desenhada. Sargento, no Exército, ainda sentiu a tentação da Polícia Judiciária.

Mas acabaria por fazer carreira como técnico de máquinas. A paixão pela investigação. porém, permaneceu, levando-o a fundar, com outros, a Associação Policiária Portuguesa.

M. Lima é, pois, também ele (como muitos outros) um homem do JN. E as suas observações são utilizadas como instrumentos de trabalho: endereçados pelo Provedor à Direcção do jornal, nas reuniões com a hierarquia da Redacção, esses recortes e os erros neles assinalados merecem análise e debate pedagógico.

Sente a Direcção, cada dia mais forte, a necessidade da criação de mecanismos de revisão eficazes. E nos jornalistas menos criteriosos na revisão dos seus textos aprofunda-se, decerto, a incomodidade do julgamento público ? ainda que a maior parte das vezes com arguidos anónimos.

Não cabe ao Provedor uma atenção particular aos erros e às gralhas ? a menos que eles interfiram com questões éticas e deontológicas. Mas pensa-se que, assinalá-los, como hoje foi feito, é uma forma de, na pessoa de M. Lima, do Porto, homenagear todos aqueles leitores que, sentindo o JN como seu, por ele lutam, por ele sofrem. E, como tal, não se calam ? porque não consentem que a ligeireza e a falta de brio comprometam um nome digno, honrado e ilustre como o do Jornal de Notícias."