DIÁRIO DE NOTÍCIAS
"Duas notícias", copyright Diário de Notícias, 4/2/02
"Os leitores António Luís Lopes e Luís Pereira escreveram à provedora discordando do tratamento dado pelo DN a duas notícias, distintas no tempo e no lugar, mas tendo em comum o facto de ambas incidirem sobre autarquias. A primeira, publicada em 15 de Setembro na secção Regional – ainda longe da disputa eleitoral de 16 de Dezembro passado – respeitava à Câmara Municipal de Sines. A segunda, publicada já em período de pré-campanha (4 de Dezembro) nas páginas dedicadas às eleições autárquicas, incidia sobre uma reunião da Assembleia Municipal do Seixal.
No primeiro caso, o título da notícia anunciava: Câmara de Sines guardou descontos da ADSE. António Lopes questiona ?o facto desta notícia referir um conjunto de irregularidades detectadas na gestão do município?, omitindo ?a indicação da força política que se encontra à frente da sua gestão, neste caso a CDU?. Pergunta o leitor: ?Não seria mais correcto e mais esclarecedor indicar qual a força política responsável pela gestão da autarquia e, consequentemente, pelas irregularidades indicadas (…)? Ao omitir este dado, não se estará (ainda que inadvertidamente) a proteger (…), o(s) partido(s) político(s) envolvido(s) na questão??
A jornalista Luísa Botinas, autora da notícia, esclarece que ?no acórdão do Tribunal de Contas, fonte da notícia em causa, nunca é referida a força partidária a que pertencem os autarcas visados na auditoria do TC? e acrescenta que ?os executivos municipais são integrados não só pelos partidos vencedores, mas igualmente pelos representantes dos outros partidos, que também participam, frequentemente, na gestão municipal?.
A segunda notícia a merecer reparo de outro leitor intitula-se Até parece que o Natal chegou mais cedo ao Seixal. Segundo Luís Pereira, essa notícia ?transmite uma imagem que não corresponde à realidade?, que é a de ?um concelho de maioria CDU sem oposição, a contento de todos, e onde a oposição se divorciou das suas tarefas?. O leitor diz-se ?um mero cidadão, não filiado nem comprometido com nenhuma força política?. Em sua opinião, o trabalho da jornalista Graça Henriques ?teria sido meritório se fosse o resultado de alguma pesquisa?. Luís Pereira cita um conjunto de questões concretas, relacionadas com a autarquia, que gostaria de ver investigadas, as quais classifica como questões polémicas, ao contrário do consenso que, em sua opinião, o artigo do DN pretende transmitir. A editora Maria de Lurdes Vale responde, afirmando que a jornalista Graça Henriques se limitou ?a relatar o que se passou na última Assembleia Municipal do Seixal, antes das eleições autárquicas? e que ?o texto, apenas e só, transmite aquilo que se passou na referida reunião, uma vez que era esse o objectivo da reportagem?. Segundo a editora, o DN fez ?exactamente o mesmo, por exemplo, em Oeiras?.
A provedora não crê que se possa falar de favorecimento da força política em questão, por parte do DN, em qualquer das duas notícias. Na realidade, relativamente à auditoria do Tribunal de Contas à Câmara do Seixal, a jornalista identifica os autarcas que presidiam à autarquia no período abrangido pela auditoria. A menção da cor partidária da autarquia, além de não se afigurar relevante para a compreensão da notícia, teria politizado uma decisão de natureza essencialmente técnica e poderia conduzir a generalizações injustas, relativamente a outras autarquias da mesma origem partidária. A notícia poderia, é certo, ter tido um tratamento mais desenvolvido, eventualmente, enquadrando-a em casos semelhantes ocorridos noutras autarquias. Mas, no contexto em que surge, a não menção da cor partidária afigura-se acertada.
Não é, contudo, irrelevante, a circunstância desta notícia ter sido tratada na secção Regional, num momento ainda afastado da disputa eleitoral para as autárquicas. Em período mais próximo das eleições, pode prever-se que a mesma notícia teria, certamente, sido objecto de um tratamento mais ?politizado?, nessa ou noutra secção do jornal, onde o enfoque tenderia a ser colocado nos aspectos mais polémicos. O tratamento desapaixonado que, regra geral, é dado a temas ?locais? e ?regionais?, em secções menos vocacionadas para a cobertura do campo político-partidário, como sejam a secção Regional, a Sociedade, entre outras, merece referência positiva.
Relativamente à reportagem da reunião da Assembleia Municipal, o enfoque no consenso entre membros oriundos de partidos adversários constituía a ?novidade?, num momento de pré-campanha eleitoral, em que o ?normal? é a falta de consenso entre forças políticas concorrentes. Não obstante a ironia contida no título, é de assinalar que a jornalista escapou à tradição, enraizada no jornalismo, de transformar consensos em conflitos. De facto, colocados perante relações amigáveis e amistosas entre políticos, os jornalistas mantêm, em geral, essa tradição. Daí, talvez, a estranheza do leitor.
A cobertura da reunião da Assembleia Municipal era o objectivo da reportagem e, nesse sentido, não há reparos a fazer. As questões que o leitor queria ver focadas são de natureza estrutural, sem dúvida merecendo investigação aprofundada. Mas, em épocas eleitorais, as agendas mediáticas são submersas por assuntos mais conjunturais. Trata-se de um problema do jornalismo em geral, e não, apenas, do DN."